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Dez passagens do livro História preta das coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras, de Bárbara Carine



[Osso de Lebombo] “É muito estranho que na diáspora escravagista nos ensinaram que não gostamos de aritmética. Geralmente nas favelas do nosso país não se espera que encontremos jovens bons em matemática, inclusive, constroem muito bem essa aversão a essa disciplina dentre as pessoas negras nos espaços escolares, algo que não ocorre para a população branca das classes abastadas. Contudo, você sabia que os primeiros sistemas de contagem surgiram no continente africano? O artefato matemático mais antigo encontrado no mundo se chama Osso de Lebombo (...) descoberto nos Montes Libombos, em Essuatíni na Suazilândia (...) Os antigos Bosquímanos utilizavam essa espécie de ‘calculadora primeira’ para realizar divisões do calendário e dos ciclos lunares, também era utilizado para contagem dos dias que faltavam para a caçada e realização da medição dos ciclos menstruais da mulher.”


[Semáforo] “A partir de hoje sempre que você parar ou atravessar em um semáforo lembrará que pessoas negras também são inventoras. (...) O semáforo foi uma invenção de um cientista afro-americano estadunidense chamado Garret Morgan (1877-1963), que também foi o primeiro negro de sua cidade a comprar um automóvel e a se tornar um homem de negócios bem sucedidos. (...) Sua maior vantagem sobre os outros tipos de sinais de trânsito já existentes foi a capacidade de operar a uma distância usando dispositivos mecânicos, embora já houvesse muitos sistemas inferiores em 1923. (...) Importantíssimo, seja na escola seja no processo de educação familiar, ao se abordar noções de cidadania e segurança ensinando as crianças sobre como e quando atravessar a rua, informar às crianças que este invento foi realizado por um homem negro.”


[GPS] “Você já usou a tecnologia GPS? Se sim, agradeça a uma mulher negra chamada Gladys Mae West. Gladys é uma matemática afro-americana, nascida em 1931 em Condado de Dinwiddie. Ela teve papel fundamental no desenvolvimento e criação do GPS. (...) Todos os segmentos da nossa sociedade necessitam do GPS: indústria automobilística, indústria de telefonia celular, mídia social, setor militar, civis usam em seus deslocamentos, a NASA, etc. (...) Em 1956, ingressou na base naval de Dahlgren, sendo a segunda mulher negra a ser empregada na instituição. Uma de suas atribuições em Dahlgren era a de coletar dados de localização espacial dos satélites em órbita e depois inserir os dados nos supercomputadores da base, usando um programa rudimentar para analisar elevações de superfície. Nesse trabalho a base para a tecnologia GPS é desenvolvida.”


[Lâmpada] “(...) voltou agora com força estética total é a lâmpada de filamento de carbono. Utilizadas em casamentos, hamburguerias, arquitetos, decoradores, todo mundo quer tê-las em casa. Elas estão na moda e dão um tom belo e romântico aos espaços. Pois então, elas foram criadas por um homem negro, você sabia? (...) Em 1882, Lewis Howard Latimer (1848-1928), cientista afroamericano e um dos pesquisadores da empresa General Electric Company, do grupo do investidor Thomas Edison, patenteou uma maneira mais eficiente de fabricação de filamentos de carbono. Em 1888 Latimer patenteou a lâmpada de filamento de carbono. Mas o seu nome foi sepultado no cemitério do esquecimento e, sem dúvidas, desde que você é criança deve ter ouvido que o inventor da lâmpada foi o seu patrão que a comercializou. Thomas Edison inclusive tentou patentear a ideia de Latimer, mas a patente foi arquivada.”


[Dispositivo de trava do elevador] “Sabe por que quando você puxa a porta do elevador ele não abre antes de estar no seu andar e você, distraída ou distraído, cai no poço do elevador e morre? Porque um cientista negro chamado Alexander Miles pensou nisso e inventou a trava da porta do elevador. Eu, por exemplo, já não estaria aqui para escrever esse livro, já perdi as contas de quantas vezes puxei com tudo a porta do elevador antes dele chegar ao meu andar. (...) Alexander Miles (1838-1905) foi um engenheiro eletricista e um inventor afro-estadunidense (...) Tenho certeza que você toda vez que pedir um elevador a partir de hoje vai lembrar que trava de elevador é ‘coisa de preto’”


[Cerveja] “(...) você sabia que esse era um alimento básico em Kemet largamente consumido por todas as pessoas de todas as classes sociais (das classes mais baixas até o faraó) e por todas as idades? Além do lado social, as pessoas se embriagavam com cerveja para melhor se conectarem com as divindades. A bebida, inclusive, tinha uma grande importância para os mortos. (...) Temos diversos registros pictóricos em tumbas e sarcófagos que mostram um processo de produção da cerveja desde 5000 anos a.C. Até hieróglifos específicos da cerveja e do processo cervejeiro eles tinham. (...) Os cervejeiros e cervejeiras atuais consideram a cerveja egípcia como a primeira cerveja, pois ela é aquela que mais se aproxima da bebida que temos hoje.”


[A escrita] “Sabemos que, ainda hoje, muitas pessoas não têm a oportunidade de se alfabetizar nos processos escolares em virtude da desigualdade social que as colocam muitas vezes à margem dos ambientes de ensino e aprendizagem. Vocês já pensaram como é triste não saber ler e escrever? Ou ainda, já pensaram como seria um mundo sem escrita? (...) Ao lado da escrita cuneiforme dos sumérios, o hieróglifo constitui o sistema de escrita mais antigo do mundo, datado de 3500 a.C (...) denominada escrita hieroglífica (...) era muito utilizada nos escritos sagrados nos túmulos e templos. Escreviam nas paredes das pirâmides, em sarcófagos, pedras, papiros, etc. Eram povos sedentos pela escrita e por registros em geral.”


[Cosméticos] “Muitas pessoas negras reclamam das dificuldades que têm para encontrar a maquiagem apropriada para o seu tom de pele. Isso se deve ao não reconhecimento dessas pessoas como belas e como potenciais compradoras. Mas apesar dessa dura realidade, você sabia que foram povos negros que desenvolveram os primeiros cosméticos? (...) Desde as sociedades mais antigas, a exemplo de Kemet, mulheres e homens maquiavam rosto e o corpo com produtos feitos de extratos de plantas, pedras moídas e mistura de terras. Dessa maneira eram estabelecidas hierarquias sociais, marcavam-se a passagem de fases importantes da vida, adoravam aos deuses e enfeitavam-se para festas, por exemplo. (...) É justamente desse conhecimento ancestral cosmetológico que trazemos os nossos saberes aprendidos com as nossas mais velhas sobre tratamento de pele com argila ou leite de cabra, de cabelos com babosa e erva de santa Maria, produção de sabão de coco a partir do reuso de óleos e de cinzas de plantas, shampoos sólidos, batom com óleo essencial de Lang Lang, dentre outros.”


[Boliche] “(...) Em 1930, próximo ao sul do Cairo no Egito, arqueólogos encontraram em um sítio arqueológico uma pista com cerca de quatro metros de comprimento, nela continham hieróglifos que descreviam práticas de boliche similares às atuais. Nesse sítio também foi encontrada uma bola rústica de boliche, a sua datação fóssil remonta por volta de 3000 anos a. C.”


[Instrumentos cirúrgicos] “Você ou algum familiar seu já passou por alguma cirurgia? Você sabe que os materiais utilizados no procedimento, os instrumentos cirúrgicos, foram desenvolvidos no continente africano e estão descritos em um antigo papiro africano (...) é um texto de medicina da antiguidade kemética, o mais antigo tratado de cirurgia traumática conhecido na atualidade, data de cerca de 1700 a.C. (...) Neste papiro encontramos diversas imagens de instrumentos cirúrgicos. (...) Em Kemet realizavam com esses instrumentos: partos, cirúrgicas cranianas, autópsias, cirurgias ortopédicas, dentárias, etc.”


Presentes no livro “História preta das coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras” (Livraria da Física, 2021), de Bárbara Carine, páginas 01, 35, 40, 28, 26, 06, 08, 11, 15 e 20, respectivamente.

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