Pular para o conteúdo principal

Vamos ouvir: o CD solo de estreia de Jair Naves

E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas (2012), de Jair Naves



Não consegue visualizar o player? Ouça aqui

Release por Rodrigo Carneiro, disponível no facebook oficial do artista:

Acompanhar, relativamente de perto, o aperfeiçoamento de um artista é uma dádiva. Digo, artista à vera. Daqueles que tangenciam o perigo, caminham beirando o abismo, estão à frente, como batedores, iluminando, às vezes, turvando, o caminho. O cantor e compositor Jair Naves faz parte desta categoria. Sua figura grave surgiu, ao menos pra mim, em 2000, numa das últimas formações do finado Okotô, meus parceiros de geração. Em paralelo à atividade de baixista caçula na banda, Naves dava os primeiros passos do que seria o Ludovic. Deu no que deu. Uma respeitabilidade conquistada rapidamente no grito, em shows arrasadores – em algum deles, detalhe, temi pela integridade física daquele garoto. Logo, as narrativas desconcertantes, tramadas por Naves e defendidas com veemência, seriam registradas em dois discos cultuados: “Servil” (2004) e “Idioma Morto” (2006). Até que, depois de oito intensos anos no front de batalha, o final chegou ao Ludovic (2000 – 2009).

Isso posto, com seu nome de batismo e foto estampados na capa de um belo EP, “Araguari” (2010), Naves anunciou um novo ciclo criativo que culmina agora em “E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com as próprias unhas”, disco solo de estreia, que ganha as ruas via Travolta Discos e Popfuzz Records. Gravado, mixado e masterizado por Fernando Sanches, no Estúdio El Rocha, em julho de 2012, o álbum tem a produção assinada por Naves, que divide-se entre a feitura das letras, a emissão da voz e os acordes de guitarra e violão de cordas de aço. No estúdio da zona oeste paulistana, o autor foi ladeado por Alexandre Molinari e Adriano Parussulo, baixistas; Alexandre Xavier, piano; Cimara Fróis, sanfona; Renato Ribeiro, guitarra, violão de cordas de nylon e vibrafone; e Thiago Babalu, bateria. O pianista Xavier, o baixista Molinari, o baterista Babalu, trio presente às gravações, e o guitarrista Renato Ribeiro o acompanham shows noite adentro.

“E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com as próprias unhas” começa com “Pronto para morrer (o poder de uma mentira dita mil vezes)”, de versos como “Minha baixa escolaridade/ é um espetáculo à parte/ eu sei que pode te entreter/ já que você vê comicidade/ em tanta desigualdade/ o que, pra mim, é novidade/ mas eu evito esse debate/ pois seguiremos nesse impasse/ mesmo depois que eu morrer/...”. Da urgência tensa e pós-punk da faixa de abertura, Naves vai à balada cadenciada "Poucas palavras bastam”, aliás, notícia velha, trata-se de um sujeito que, além do desenho harmônico das canções, tem especial apreço pelo discurso. Um estilista da palavra. A sonoridade tristonha da sanfona nos momentos iniciais é um dos destaques de “No fim da ladeira, entre vielas tortuosas”, onde, segundo o personagem, “acontece que eu ainda enxergo em ti/ tudo de que eu mais me orgulho em mim/ Como um pássaro ruidoso ao ver a luz do amanhecer/ eu não pude me conter/...”

Em andamento mais, digamos, festivo, “Maria Lúcia, Santa Cecília e eu” reverencia – e preocupa-se com - a mãe, Maria Lúcia, e a padroeira dos músicos, segundo a mitologia cristã, Cecília, a santa, num dos outros momentos de rara inspiração do registro. De acento sessentista, “Carmem, todos falam por você” também convida sutilmente a dançar e explode em um (não)refrão gritado. “Guilhotinesco” fala de Deus, solidão e ilusões perdidas. Isso, ao modo guilhotinesco e fatal. Que faixa, que faixa. “Vida com V maiúsculo, vida com v minúsculo” é outro achado. “Quando eu era menor,/ eu me perguntava como deveria ser/ a vida em uma dessas casas à beira da estrada/ tristes e isoladas/ Acho que agora eu sei/ pelo vazio com que eu convivo há tanto tempo”.

“Covil de cobras” produz watts de potência ao tratar da inexorabilidade do tempo. Dedilhada ao violão e amparada pela banda no final, “A meu ver” é de uma delicadeza irresistível. Tal qual “Eu sonho acordado”, que dá cabo do álbum em alto estilo (“Me assegura que você jamais vai maldizer/ o instante em que você se deu pra mim,/ em que se anulou por mim/... / eu sonho acordado/ com a vingança dos torturados,/ com a mulher que vai envelhecer ao meu lado,/ com o meu pai ressuscitado/...”). Que o amor, esse tsunami, esse cão danado dos infernos, seja louvado. E o artista à vera, que nos inquieta e deleita com “E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com as próprias unhas”, também.

Comentários

Jair Naves em Salvador, já.

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: R.E.M.

Foto: Chris Bilheimer A “ Seleta: R.E.M. ” destaca as 110 músicas que mais gosto da banda norte-americana presentes em 15 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Out of Time ”, “ Reveal ”, “ Automatic for the People ”, “ Up ” e “ Monster ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 15 álbuns participantes desta Seleta 01) Losing My Religion [Out of Time, 1991] 02) I'll Take the Rain [Reveal, 2001] 03) Daysleeper [Up, 1998] 04) Imitation of Life [Reveal, 2001] 05) Half a World Away [Out of Time, 1991] 06) Everybody Hurts [Automatic for the People, 1992] 07) Country Feedback [Out of Time, 1991] 08) Strange Currencies [Monster, 1994] 09) All the Way to Reno (You're Gonna Be a Star) [Reveal, 2001] 10) Bittersweet Me [New Adventures in Hi-Fi, 1996] 11) Texarkana [Out of Time, 1991] 12) The One I Love [Document, 1987] 13) So. Central Rain (I'm Sorry) [Reckoning, 1984] 14) Swan Swan H [Lifes Rich Pageant, 1986] 15) Drive [Automatic for the People, 1992]...

Seleta: Nirvana

A “ Seleta: Nirvana ” destaca as 80 músicas que mais gosto da banda norte-americana (entre covers e autorais), presentes em 12 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Nevermind ”, “ MTV Unplugged in New York ” e “ In Utero ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 12 álbuns participantes desta Seleta 01) Lake of Fire [MTV Unplugged in New York, 1994] 02) Where Did You Sleep Last Night [MTV Unplugged in New York, 1994] 03) The Man Who Sold the World [MTV Unplugged in New York, 1994] 04) Heart-Shaped Box [In Utero, 1993] 05) Come as You Are [Nevermind, 1991] 06) Smells Like Teen Spirit [Nevermind, 1991] 07) Drain You [Nevermind, 1991] 08) Lithium [Nevermind, 1991] 09) In Bloom [Nevermind, 1991] 10) Plateau [MTV Unplugged in New York, 1994] 11) Oh Me [MTV Unplugged in New York, 1994] 12) Jesus Doesn't Want Me for a Sunbeam [MTV Unplugged in New York, 1994] 13) Something in the Way [Nevermind, 1991] 14) You Know You're Right [Nirvana, 2002] 15) Rape Me ...

Seleta: Marcy Playground

A “ Seleta: Marcy Playground ” destaca as 47 músicas que mais gosto da banda norte-americana (entre covers e autorais), presentes em cinco álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Marcy Playground ”, “ Lunch, Recess & Detention ” e “ Shapeshifter ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os cinco álbuns participantes desta Seleta 01) Opium [Marcy Playground, 1997] 02) Saint Joe on the School Bus [Marcy Playground, 1997] 03) Poppies [Marcy Playground, 1997] 04) One More Suicide [Marcy Playground, 1997] 05) Gone Crazy [Marcy Playground, 1997] 06) Sherry Fraser [Marcy Playground, 1997] 07) Sex & Candy [Marcy Playground, 1997] 08) Love Bug [Shapeshifter, 1999] 09) Rebel Sodville [Shapeshifter, 1999] 10) All the Lights Went Out [Shapeshifter, 1999] 11) Mr. Fisher [Lunch, Recess & Detention, 2012] 12) Irene [Leaving Wonderland... in a Fit of Rage, 2009] 13) Whiter Shade of Pale [Lunch, Recess & Detention, 2012] 14) Memphis [Leaving Wonderland... in a ...