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Os 50 melhores contos do livro Os cem melhores contos brasileiros do século

Seleção feita por Mirdad em outubro e novembro de 2015, da seleção de Ítalo Moriconi publicada no ano 2000


01) A nova Califórnia (1910) — Lima Barreto

Transformar ossos em ouro. O que pode acontecer numa cidadezinha do interior diante tamanha descoberta tentadora? "A religião da morte precede todas e certamente será a última a morrer nas consciências."


02) Feliz aniversário (1960) — Clarice Lispector

A numerosa família se reúne para celebrar o aniversário de 89 anos da matriarca, que resume bem a sua felicidade pelo encontro: "Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Me dá um copo de vinho, Doroty!"


03) Linda, uma história horrível (1988) — Caio Fernando Abreu

O filho, à beira dos quarenta, retorna à casa da velha mãe. Carrega o peso de uma terrível revelação, mortal. Será capaz de compartilhá-la? "— Mãe — ele começou. A voz tremia. — Mãe, é tão difícil — repetiu."


04) Entre irmãos (1959) — José J. Veiga

O irmão mais velho retorna à casa e encontra o irmão que não conhecia, que tem exatamente a mesma idade do tempo que ficou fora do lar. Os dois estão frente a frente, na antessala de uma perda que se anuncia. "Ele me olha, e vejo que está me examinando, procurando decidir se devo ser tratado como irmão ou como estranho, e imagino que as suas dificuldades não devem ser menores do que as minhas."


05) Conto (não conto) (1982) — Sérgio Sant'Anna

Suposições em série, um conto filosófico: a cobra, os zumbidos, o homem, o cavalo, as máquinas, os fios, os vermes, o menino perdido, o macaquinho, o território vazio. "(...) se não há ninguém, como pode alguém contar esta história?"


06) Viagem aos seios de Duília (1944) — Aníbal Machado

Um funcionário público aposentado está entediado com a nova rotina sem trabalho, e encara uma longa viagem ao coração montanhoso do Brasil, ansioso pelo reencontro com a musa das suas visões, a mais apaixonante da sua vida medíocre: Duília, que lhe mostrou os seios brancos quando ele era um jovem inocente e donzelo. "Durou alguns segundos, está durando uma eternidade."


07) A maior ponte do mundo (1977) — Domingos Pellegrini

Dois eletricistas são convocados para um trabalho exaustivo, quase escravo, sem descanso: a conclusão da obra magnânima da ponte Rio-Niterói a tempo do cronograma anunciado pelo Governo. O indivíduo destroçado pelo Estado. "(...) vai continuar no batente porque aqui dessa ponte você só sai morto."


08) O vampiro da Alameda Casabranca (1986) — Márcia Denser

Uma noitada de Diana, a caçadora, na companhia de um poeta xibungo, desejando um fascista bonitão, de virote na rua após fugir do apê do brocha que lhe restou. "O pequeno deus Caracol, o deus dos covardes, deve habitar em mim, pois foi ele que me fez encolher, puxando consigo todas as terminais nervosas, todas as sensações de prazer e dor, toda alegria, todo pranto, e me transformar num penhasco árido, num terreno baldio entregue às varejeiras, aos cacos de vidro, lixo, mato ralo, aos cães vira-latas, e aos teus beijos, Poeta."


09) Feliz ano novo (1975) — Rubem Fonseca

A festa de Réveillon de três marginais, que invadem uma casa de bacana e tocam o terror. Estupro, assassinato, roubo e escatologia. Um conto magistral de violência urbana. "Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois, limpei o cu na colcha, botei as calças e desci."


10) Pai contra mãe (1906) — Machado de Assis

Cândido Neves, o Candinho, vê o seu ofício de pegar escravos fugidios declinar, aos poucos. Sem condições de sustentar a mulher, à beira de entregar o filho recém-nascido à Roda dos enjeitados, consegue a oportunidade de entregar uma escrava fugidia e grávida ao seu senhor malvado. A salvação da sua família será a derrota da família da outra? "Tinha um defeito grave esse homem, não aguentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo."


Lima Barreto, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, José J. Veiga, Sérgio Sant'Anna, Aníbal Machado, Domingos Pellegrini, Márcia Denser, Rubem Fonseca e Machado de Assis. Fotos: Internet


11) Aqueles dois (1982) — Caio Fernando Abreu

A descoberta do afeto e do amor entre dois colegas de uma mesma repartição, com muita sensibilidade e delicadeza. "Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra — talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou."


12) Passeio noturno - Parte I e II (1975) — Rubem Fonseca

Um homem de família, casado e pai, após o dia de trabalho, tem o hobby de passear com o seu carro e praticar uma violência cruel e bárbara. "Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio."


13) O elo partido (1975) — Otto Lara Resende

Um homem vai progressivamente se esquecendo das coisas, das pequenas até de si mesmo, e não há o que ser feito, é irremediável. "Brancas paredes despojadas, largo silêncio sem ecos. Desprendera-se de tudo. A longa viagem ia começar, sem rumo, sem susto, para levar a lugar nenhum."


14) Uma galinha (1960) — Clarice Lispector

À beira da degola, a galinha põe um ovo e é salva pela compaixão de uma criança. "— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer nosso bem! (...) Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial."


15) Um discurso sobre o método (1989) — Sérgio Sant'Anna

Um limpador de janelas é confundido com um suicida e se impressiona com a atenção das outras pessoas finalmente desperta para sua existência até então invisível. "Se pulasse, transformar-se-ia numa personagem de jornal, um mártir da crise econômica, merecendo mais do que um simples registro, porque teria conseguido transformar a avenida Rio Branco lá embaixo, assim batizada por causa de um barão (que ele desconhecia), num pandemônio, com o soar das sirenes e um carro do corpo de bombeiros que ocupara um bom trecho do asfalto, o Estado usufruindo da oportunidade de retribuir o dinheiro arrecadado dos contribuintes."


16) Uma vela para Dario (1964) — Dalton Trevisan

Dario começa a morrer na rua, e os curiosos transeuntes pioram a situação, até transformá-lo em um indigente. "Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva."


17) Hell's Angels (1986) — Márcia Denser

O encontro de Diana, a caçadora, com Robi, o motoqueiro de 19 anos, na época do Natal. "O que me chateia é esse distanciamento crítico, parece estar consertando a moto — essa máquina de prazer — está olhando a coisa funcionar, como seu próprio coração a bater fora do corpo, as engrenagens da máquina molhadas de suor e gosma orgânica, mais lento, mais acelerado, mais lento, agora rápido, acelere, mais rápido, mais rápido. Pronto. Terminou. Ouvi Robi ofegar. Continuei de costas. Estendi o braço e peguei um cigarro."


18) Dois corpos que caem (1997) — João Silvério Trevisan

Dois suicidas se encontram no ar, a caminho da morte. Enquanto não se espatifam no chão, refletem sobre as motivações para acabar a vida. "O que na verdade me seduz é que o amor destrói certezas com a mesma incomparável transparência com que o caos significante enfrenta a insignificância da ordem. Não, o amor não é solução para a vida. Mas é culminância. Morrer por ele me trouxe paz."


19) Olho (1998) — Myriam Campello

Há alguém que observa e ameaça denunciar um caso de incesto. O irmão pensa em escancarar a relação proibida. A irmã, diverte-se. "Desenho incessantemente durante algum tempo em busca de um alívio que não chega. Então paro, ofegante. Meus olhos caem sobre a correspondência na mesa, o envelope de cima com a letra embuçada que nos persegue. Desta vez, no entanto, algo familiar se destaca dele e investe contra meus olhos, rápido inseto esvoaçante. Numa revelação, reconheço sua função secreta. Rasgo o envelope em alvoroço."


20) Felicidade clandestina (1971) — Clarice Lispector

A menina deseja que a amiga empreste um livro, que passa a torturá-la com a promessa que irá emprestá-lo. "O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do 'dia seguinte' com ela ia se repetir com meu coração batendo."


Otto Lara Resende, Dalton Trevisan, João Silvério Trevisan e Myriam Campello. Fotos: Internet


21) Negrinha — Monteiro Lombato

22) Estranhos — Sérgio Sant'Anna

23) O arquivo — Victor Giudice

24) A nova dimensão do escritor Jeffrey Curtain — Marina Colasanti

25) Alguma coisa urgentemente — João Gilberto Noll

26) Galinha cega — João Alphonsus

27) A máquina extraviada — José J. Veiga

28) O santo que não acreditava em Deus — João Ubaldo Ribeiro

29) Bar — Ivan Ângelo

30) O bebê de tarlatana rosa — João do Rio


Monteiro Lombato, Victor Giudice, Marina Colasanti, João Gilberto Noll, João Alphonsus, João Ubaldo Ribeiro, Ivan Ângelo e João do Rio. Fotos: Internet


31) Um cinturão — Graciliano Ramos

32) O afogado — Rubem Braga

33) Tangerine-Girl — Rachel de Queiroz

34) Um braço de mulher — Rubem Braga

35) Baleia — Graciliano Ramos

36) Gato gato gato — Otto Lara Resende

37) O homem nu — Fernando Sabino

38) Dentro da noite — João do Rio

39) A força humana — Rubem Fonseca

40) A caolha — Júlia Lopes de Almeida


Graciliano Ramos, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino e Júlia Lopes de Almeida. Fotos: Internet


41) Amor — Clarice Lispector

42) As cores — Orígenes Lessa

43) Conto de verão nº2: Bandeira Branca — Luis Fernando Veríssimo

44) Nhola dos Anjos e a cheia do Corumbá — Bernardo Élis

45) A moralista — Dinah Silveira de Queiroz

46) O homem que sabia javanês — Lima Barreto

47) A balada do falso Messias — Moacyr Scliar

48) Pílades e Orestes — Machado de Assis

49) 15 Cenas de descobrimento de Brasis — Fernando Bonassi

50) Guardador — João Antônio


Orígenes Lessa, Luis Fernando Veríssimo, Bernardo Élis, Dinah Silveira de Queiroz, Moacyr Scliar, Fernando Bonassi e João Antônio. Fotos: Internet

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