Conheci Alan Lobo na Faculdade de Comunicação da UFBA, nos melhores ins’anos faconianos que se tem ideia naquele recinto. Lá, no mesmo dia, me formei jornalista, e ele, produtor cultural. Quase fomos sócios em uma produtora que se chamaria Flor da Cruz, mas houve um desarranjo, e o potencial ficou na teoria. Mas fizemos um competente trabalho na Cerimônia de Entrega do Prêmio Bahia de Todos os Rocks 2008, e hoje ele é um dos sócios de um big projeto que faremos em 2010, junto aos comparsas Marcus Ferreira e Aurélio Schommer.
Lobão (é mais fácil reconhecê-lo por este) é um amante da boa literatura, fã de Borges, e detém uma bagagem cultural em vários campos da arte; música, teatro, cinema, artes visuais, etc. Compartilhamos a mesma paixão pelos sons psicodélicos, principalmente Pink Floyd e o álbum Paebirú, de Zé Ramalho e Lula Cortes. É um consumidor exigente de cultura e, beirando aos 30, possui uma produção errática de poemas, um legítimo engavetado digital, que mantém o blog Mensageiro dos Ventos, de onde os versos a seguir foram pilulados.
"...
Nunca preparou o alimento que comia.
Morreu envenenado.
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palavra:
pá que lavra
a terra ignota.
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Do ostracismo mostro a língua pro mundo,
O que vale dizer comer-vos-ei.
O ostracismo é um morro bem alto,
De onde vejo com olhos incrédulos
Pessoas-formigas se batendo lá embaixo.
A ostra cisma com o que não é fechado
Enquanto cismo com o exílio voluntário de mim mesmo.
O ostracismo é um bom lugar
Pra se olhar o firmamento.
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Poesia:
Improviso de bárbaros
Na lida da civilização.
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Voltei porque sim,
Porque motivos não há
Pra dizê-los.
Voltei apenas,
Porque era inevitável voltar a ver
O que poderia deixar.
Voltei impelido pela curiosidade,
Pelo fim em si mesmo
De voltar.
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a impressão é que a alegria da virtude
não supera o prazer do vício.
a primeira parece se limitar em demasia
aos pudores imaculados
e dogmas restritos e fechados.
o segundo é uma entropia que tende ao infinito
num paradoxo inexplicável que beira o precipício.
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minha cabeça é cheia de loucos
que enchem de gritos roucos
o ar parado da noite
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Quando penso em meu pai vejo-me criança
E lágrimas me vêm aos olhos.
Foi lá que aprendi a amá-lo.
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ao cair da noite, o momento é agora!
ganas de correr nu pelas ruas
vontade súbita de uns olhos pregados nos meus
a possibilidade de um corpo
tudo que vem há de voltar, numa forma ou noutra:
crua, ruminada ou digerida.
braços abertos dão guarida:
vem pousar tuas asas no meu peito.
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sonhei um poema
que grudou na parede
depois de escapar pelo ouvido
meu corpo sonâmbulo
levantou em silêncio
loucomoveu-se em estrépitos
até a cozinha
abriu a gaveta
puxou uma faca
e voltou atrás dele
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O mar é tanto
Que cala no fundo
O mote do acalanto.
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quando levanto da minha cadeira torturadora
pra buscar um copo de plástico com água
ou um copo de água com plástico
todo o campo de visão se abre
e tua presença absoluta se impõe nesse quadro
arvoro-me a descrever-te
cajazeiro fundador da placidez
tens em teu tronco
um coração que pulsa a seiva
fortaleza que só a estupidez traspassa
preso nas correntes da sociedade da informação
testemunhando pandemias inventadas
e consciências propositadamente alienadas
aguardo ansioso o verão
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uma sombra sem corpo
amorfa
buscando um sentido inexistente
que a essência da sombra é aparência
da presença de um ente
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Chuva,
Encharca-me a roupa
Para que a ponha de lado,
E revele-me a alma
Na nudez do corpo.
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o tempo já não ruge; resigna-se
ante a evidência singular de sua morte; temor
transfigurado em complacência.
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o bom fim à casa torna
pra regurgitar um recomeço,
um certo retorno
com um quê de incondicional
e um tanto de excepcional
na maneira como os caminhos se abrem
e se confundem ao mesmo tempo,
criando um labirinto
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Vi além do meu querer, esqueci o que tinha que esquecer,
Abrindo a facão picadas na mata da minha mente encalacrada,
Revelando trilhas desconexas e equivocadas
Sob a selva espessa da confusão.
Andei caminhos empoeirados de uma poeira limpa,
Que gruda no corpo sem sujá-lo, protegendo-o,
Livrando-o da bolha artificial de higiene na qual vive,
Lançando-o de pés descalços sobre o chão.
Destilei angústias em grandes cipoais de fumaça,
Senti o rio da água do rio descendo a garganta,
Criando vales de nomes impronunciáveis no corpo,
Preparando-o, branco e magro, para a última transmutação.
..."
Íntegra dos poemas Millôreando, Haikai, Do Ostracismo e Sem Título, e trechos dos poemas Voltei, Impressões, Cabeça em Farrapos, A Meu Pai, Dilema, Poema Inventado, Maré, Cajazeiro, Eclipse da Lua, Chuva de Maio, O Tempo, O Retorno de Saturno e Viajei, de Alan Lobo, publicados no blog Mensageiro dos Ventos (2007-2009). www.mensageirodosventos.blogspot.com
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