Pular para o conteúdo principal

Modesta homenagem a um grande poeta

Dois meses se passaram. Tiganá Santana, meu grande amigo, fez esse lindo poema abaixo, "modesta homenagem a um grande poeta", em suas palavras, para o meu inesquecível pai poeta Ildegardo Rosa. O dia 13 é dia de saudade, pai. Obrigado, Tiga, eu li pra ele quando ainda estava consciente. E ele gostou muito, viu?


Uma Perspectiva, um Documento, o Tudo-Nada
Tiganá Santana

A hora é recurso inexato da organização...
o fio é a agricultura do gesto mais alto,
a inconfidência do poema preso que catapulta a veneração
de se ter inventado a vida, a comida, o não mais gastar os
sapatos.

Resta o que é para restar... a réstia, o magma virando água fria de açude,
o pau-de-arara a levar o último êxodo da emoção... ao que o campo fique limpo,
ao que a fresta se reduza,
ao que a crina se penteie pela carne do vento.

Que não se pergunte pela presença, nem pela falta... há um fio.
um fio de cobre de tecnologia e a retransmissão da palavra não dita.

Proceder no interior do motivo... a vastidão visitada pelo efêmero êxtase
do corpo coroado na placenta da calma ou na paixão da calma.

Não se é mulher, não se é coisa, não se é artista,
quando a noite passa e é singrada pela direção-flecha.

O fastio do espírito legado aos filhos enquanto experiência de uma
música que se dançou no salão do país, no vértice do município;
a experiência de habitar o buraco sempre inóspito de habitar.

Eram vários... agora só é um...
esperando a hora exata...

.

Comentários

Mateus Borba disse…
Muito lindo. Beleza de silêncio.

Postagens mais visitadas deste blog

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão

Dez passagens de Clarice Lispector nas cartas dos anos 1950 (parte 1)

Clarice Lispector (foto daqui ) “O outono aqui está muito bonito e o frio já está chegando. Parei uns tempos de trabalhar no livro [‘A maçã no escuro’] mas um dia desses recomeçarei. Tenho a impressão penosa de que me repito em cada livro com a obstinação de quem bate na mesma porta que não quer se abrir. Aliás minha impressão é mais geral ainda: tenho a impressão de que falo muito e que digo sempre as mesmas coisas, com o que eu devo chatear muito os ouvintes que por gentileza e carinho aguentam...” “Alô Fernando [Sabino], estou escrevendo pra você mas também não tenho nada o que dizer. Acho que é assim que pouco a pouco os velhos honestos terminam por não dizer nada. Mas o engraçado é que não tendo absolutamente nada o que dizer, dá uma vontade enorme de dizer. O quê? (...) E assim é que, por não ter absolutamente nada o que dizer, até livro já escrevi, e você também. Até que a dignidade do silêncio venha, o que é frase muito bonitinha e me emociona civicamente.”  “(...) O dinheiro s

Dez passagens de Jorge Amado no romance Mar morto

Jorge Amado “(...) Os homens da beira do cais só têm uma estrada na sua vida: a estrada do mar. Por ela entram, que seu destino é esse. O mar é dono de todos eles. Do mar vem toda a alegria e toda a tristeza porque o mar é mistério que nem os marinheiros mais velhos entendem, que nem entendem aqueles antigos mestres de saveiro que não viajam mais, e, apenas, remendam velas e contam histórias. Quem já decifrou o mistério do mar? Do mar vem a música, vem o amor e vem a morte. E não é sobre o mar que a lua é mais bela? O mar é instável. Como ele é a vida dos homens dos saveiros. Qual deles já teve um fim de vida igual ao dos homens da terra que acarinham netos e reúnem as famílias nos almoços e jantares? Nenhum deles anda com esse passo firme dos homens da terra. Cada qual tem alguma coisa no fundo do mar: um filho, um irmão, um braço, um saveiro que virou, uma vela que o vento da tempestade despedaçou. Mas também qual deles não sabe cantar essas canções de amor nas noites do cais? Qual d