Guy de Maupassant (foto daqui)
"Eu era um empregado sem vintém. Agora sou um homem bem-sucedido que pode jogar fora enormes quantias pelo capricho de um segundo. Tinha no coração mil desejos modestos e irrealizáveis que douravam minha existência com todas as expectativas imaginárias. Hoje não sei, na verdade, que tipo de fantasia poderia me fazer levantar da poltrona onde dormito (...) Minha grande, única, absorvente paixão, durante dez anos, foi o Sena. Ah! O belo, calmo, variado e malcheiroso rio cheio de miragem e de imundícies (...) Como outros têm recordações de noites de amor, eu tenho lembranças do nascer do Sol nas brumas matinais, flutuantes, vapores errantes, brancos como mortos antes da aurora (...) Tenho recordações da Lua que prateava a água trêmula e corrente, com um luar que fazia florescer todos os sonhos. Tudo aquilo, símbolo da eterna ilusão, nascia para mim da água infecta que carreava para o mar todas as sujeiras de Paris."
"O ódio ao estrangeiro sempre arma alguns valentes dispostos a morrer por uma ideia."
"Num certo sábado, eis que Um-Olho-Só trouxe uma criaturinha esguia, viva, saltitante, cheia de gabolice e muito engraçada – daquela graça que alimenta os gaiatos de ambos os sexos nas ruas de Paris. Era gentil, não bonita, um esboço de mulher em que havia de tudo, uma daquelas silhuetas que os desenhistas esboçam em três traços num guardanapo de café após o jantar, entre um copo de aguardente e um cigarro. A natureza faz destas coisas às vezes."
"– É preciso ser idiota para se matar desta maneira!
O senhor Sauvage acrescentou:
– São piores do que animais.
Morissot, que acabara de pegar uma mugem, declarou:
– E dizer que será sempre assim enquanto houver governos.
O senhor Sauvage o deteve:
– A república não teria declarado a guerra...
Morissot o interrompeu:
– Com os reis, temos a guerra fora de casa. Com a república, temos a guerra dentro."
"As senhoras sobretudo encontravam rodeios delicados, sutilezas encantadoras de expressão, para dizer as coisas mais escabrosas. Um estranho nada teria compreendido, tanto eram as precauções usadas na linguagem. Mas a leve camada de pudor de que toda mulher de sociedade é dotada só cobria a superfície, e assim elas se expandiam nesta aventura licenciosa, divertindo-se, no fundo, loucamente, sentindo-se em seu elemento, especulando sobre o amor com a sensualidade de um cozinheiro glutão que prepara o jantar para outro."
"Rosa la Rosse, uma bolinha de carne, toda barriga, com pernas minúsculas, cantava da manhã à noite, com uma voz rouca, canções ora licenciosas, ora sentimentais. Contava histórias intermináveis e insignificantes, só parava de falar para comer e só parava de comer para falar, mexia-se sem descanso, viva como um esquilo apesar da gordura e exiguidade das pernas. Seu riso, uma cascata de gritos agudos, eclodia sem cessar, aqui, ali, num quarto, no sótão, no café, por toda a parte, a propósito de nada."
Presentes no livro de contos "As grandes paixões" (Record, 2005), de Guy de Maupassant, tradução de Léo Schlafman, páginas 167-168, 25, 169, 90, 55 e 116-117, respectivamente.
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