Anton Tchekhov (foto daqui)
“Reinava ali um silêncio mortal. Tudo, até o derradeiro pormenor, falava ali com eloquência da tormenta recentemente vivida, do cansaço (...) Na cama colocada bem junto da janela, estava deitado o menino, de olhos abertos, e uma expressão de surpresa no rosto. Não se movia, mas seus olhos abertos pareciam tornar-se a cada momento mais escuros e penetrar mais fundo no crânio. Diante da cama, permanecia ajoelhada a mãe, com as mãos sobre o corpo dele e o rosto escondido nas dobras da roupa de cama. Ainda que imóvel como o menino, que intensidade de vida sentia-se nas curvas de seu corpo e em suas mãos! Estava pregada àquela cama com todo o seu ser, com todas as suas forças e ansiedade, como se temesse perder a tranquila e cômoda postura que, finalmente, havia encontrado para seu corpo exausto (...)”
“Estava ausente do quarto o horror repulsivo, em que se pensa quando se fala em morte. Naquela petrificação geral, na postura da mãe, na indiferença do semblante do médico, havia algo atraente, comovedor, aquela beleza sutil, apenas perceptível, da aflição humana, que ainda se tardará a compreender e descrever e que somente a música, ao que parece, sabe transmitir. Sentia-se a beleza, mesmo naquela quietude sombria. (...)”
“(...) A frase, geralmente, por mais bela e profunda, atua unicamente sobre os indiferentes, mas nem sempre pode satisfazer àqueles que são felizes ou infelizes, pois o silêncio constitui, com maior frequência, a mais elevada expressão da felicidade ou do infortúnio. Os que se amam compreendem-se melhor quando calados, e um discurso ardente, apaixonado, proferido sobre o túmulo de alguém, comove unicamente as pessoas estranhas ao defunto, parecendo frio e insignificante a sua viúva e filhos.”
“Sob a invasão desordenada dos devaneios, das imagens poéticas do passado e de um doce pressentimento de felicidade, o pobre homem cala-se e apenas move ligeiramente os lábios, como se estivesse murmurando para si mesmo. Não lhe sai do rosto um sorriso embotado de beatitude. (...) Na quietude outonal, quando uma névoa gélida passa da terra para o coração humano, quando ela se alça como uma parede de prisão e testemunha ao homem a limitação de sua vontade, torna-se doce pensar nos rios largos e rápidos, de margens amplas e escarpadas, nas florestas impenetráveis, nas estepes sem fim. A imaginação desenha, lenta e tranquilamente, a imagem de um homem que, de manhã cedo, quando ainda não sumiu do céu o rubor da aurora, atravessa, qual mancha, a margem deserta e escarpada. Os pinheiros seculares, que parecem mastros e se agrupam como em terraços, de ambos os lados da torrente, olham com severidade para aquele homem livre e resmungam taciturnos. Vendam-lhe o caminho raízes, pedras enormes e arbustos espinhosos, mas ele é forte de corpo e espírito, não teme os pinheiros, nem as pedras, nem sua solidão, nem o retumbar do eco, que repete cada uma de suas passadas.”
“Saber que não o compreendem, que não querem e não podem compreendê-lo, impede Macar de se deliciar com a primavera. Tem a impressão de que, se o compreendessem, tudo se tornaria maravilhoso. Mas, como podem compreender se é talentoso ou não, se, em todo o distrito, ninguém lê coisa alguma, e, se lê, seria melhor que não o fizesse. Como fazer compreender ao general Striemoúkhov que aquela coisinha francesa é insignificante, vulgar, banal, surrada, como explicar-lhe isto, se ele nada leu na vida, a não ser tais coisinhas vulgares?”
“Os animais domésticos desempenham um papel quase imperceptível, mas indiscutivelmente benévolo, na educação e na vida das crianças. (...) Tenho, às vezes, a impressão, até, de que a paciência, a fidelidade, a capacidade de perdoar e a sinceridade, inerentes aos nossos bichos caseiros, atuam sobre o cérebro infantil de modo muito mais forte e positivo que as longas homilias do seco e pálido Karl Kárlovitch ou as digressões nebulosas da governante, procurando demonstrar à garotada que a água é composta de hidrogênio e oxigênio.”
“A voz e os movimentos que fazia o recém-chegado indicavam um estado de extrema agitação. Como alguém assustado por um incêndio ou por um cão raivoso, mal continha a respiração precipitada, falava rapidamente, com voz trêmula, e percebia em sua voz algo realmente sincero, algo de temor infantil. Como toda pessoa assustada e atordoada, falava com frases curtas, entrecortadas, e proferia muitas palavras supérfluas, que nada tinham a ver com o caso.”
“Abóguin seguiu-o e agarrou-o pela manga.
– O senhor está em aflição, eu compreendo, mas eu não o convido para tratar os dentes de alguém ou para uma peritagem, trata-se de salvar uma vida humana! – continuou implorando, como um mendigo. – Essa vida está acima de qualquer aflição individual! Estou lhe pedindo que tenha valor, que faça um sacrifício sublime! Em nome do amor à humanidade!
– O amor à humanidade é uma faca de dois gumes – disse irritado Kirilov. – Em nome do mesmo amor à humanidade, eu lhe peço que não me leve daqui. Como é estranho, meu Deus! Mal consigo me manter em pé e o senhor me ameaça com o amor à humanidade! Não sirvo para nada, neste momento... não irei, por nada nesse mundo. Além disso, quem cuidaria de minha mulher? (...)”
“(...) Veio-lhe o pensamento: e se a mulher viajasse realmente para o estrangeiro? Viajar é agradável sozinho, ou em companhia de mulheres sem compromissos, despreocupadas, que vivam apenas o momento presente, e não daquelas que, durante toda a viagem, falem de filhos, suspirem, assustem-se com as despesas. Ivan Dmítritch imaginou a mulher no trem, carregada de cestos e pacotinhos, suspirando sempre por alguma coisa e queixando-se de que a viagem lhe deu dor de cabeça, que já gastou muito dinheiro; a cada momento, é preciso correr para a estação, arranjar água quente, sanduíches, água potável... Ela não quer jantar, porque a refeição é cara (...) pela primeira vez na vida, reparou em que a mulher envelhecera, ficara mais feia, estava impregnada de cheiro de cozinha, enquanto ele ainda era moço, sadio, viçoso, bom para casar novamente.”
“Abóguin e o médico ficaram parados um em face do outro e, irados, continuaram a lançar-se ao rosto ofensas imerecidas. Em sua vida, seguramente, mesmo em delírio, jamais haviam dito tantas palavras injustas, cruéis e absurdas. Pela boca de ambos, falava o egoísmo dos infelizes. Os infelizes são egoístas, maus, injustos, cruéis e menos capazes de se entender entre si que os imbecis. A infelicidade não une, mas separa os homens e, mesmo nos ambientes em que, parece, eles deveriam ficar unidos pela paridade do infortúnio, comentem-se muito mais injustiças e crueldades que num meio de gente relativamente satisfeita.”
“(...) Com a embriaguez, passara-lhe a vontade de enganar a si mesma e, a partir daquele instante, via claramente que não amava e não podia amar o marido, que tudo aquilo era tolice, estupidez. Casara-se por cálculo, porque ele, segundo diziam suas companheiras de escola, era terrivelmente rico (...) Se pudesse supor, quando estava se casando, que seria tão difícil, tão terrível e indecente, não concordaria em casar-se, por riqueza nenhuma no mundo. (...) Imaginou que, antes de chegar a velhice e a morte, ainda se arrastaria uma vida bem longa e, dia a dia, seria preciso levar em conta a presença do homem que não amava, que já entrara no quarto e estava se deitando para dormir, e seria necessário abafar dentro de si o amor sem esperança pelo outro, que era moço, sedutor e, como ela pensava, extraordinário. Olhou para o marido e quis desejar-lhe boa noite, mas, em vez disso, pôs-se de repente a chorar. Sentia despeito contra a si mesma.”
Presentes no livro de contos “A dama do cachorrinho e outros contos” (Editora 34, 2014), de Anton Tchekhov, tradução de Boris Schnaiderman, páginas 188-189, 189, 191-192, 103, 130, 149, 186-187, 190-191, 158-159, 200 e 262 a 264, respectivamente.
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