Pular para o conteúdo principal

Cinco poemas e três passagens de Ana Martins Marques no livro Da arte das armadilhas

Ana Martins Marques (foto daqui)


Espelho
Ana Martins Marques

                          d’après e. e. cummings

Nos cacos
do espelho
quebrado
você se
multiplica
há um de
você
em cada
canto
repetido
em cada
caco

Por que
quebrá-
-lo
seria
azar?

--------

Teatro
Ana Martins Marques

Certa noite
você me disse
que eu não tinha
coração

Nessa noite
aberta
como uma estranha flor
expus a todos
meu coração
que não tenho

--------

Penélope
Ana Martins Marques

Teu nome
espaço

meu nome
espera

teu nome
astúcias

meu nome
agulhas

teu nome
nau

meu nome
noite

teu nome
ninguém

meu nome
também

--------

Caçada
Ana Martins Marques

E o que é o amor
senão a pressa
da presa
em prender-se?

A pressa
da presa
em
perder-se

--------

A festa
Ana Martins Marques

Procuramos um lugar
à parte.
Como se estivéssemos
em uma festa
e buscássemos um lugar
afastado
onde pudéssemos
secretamente
nos beijar.
Procuramos um lugar
a salvo
das palavras.

Mas esse
lugar
não há.

--------

"Um dia vou aprender a partir
vou partir
como quem fica

Um dia vou aprender a ficar
vou ficar
como quem parte"


"falamos sobre essa casa
implantada nas falésias
aberta
aos gritos do mar

falamos
dessa casa
cada vez mais improvável
onde nenhum de nós vai morar

voltamos em silêncio
eu pensando em certos bichos
que só se acasalam
com dificuldade"


"Faca

Sua fria elegância
não escamoteia
o fato:
é ela que melhor se presta
ao assassinato"



Presentes no livro de poemas "Da arte das armadilhas" (Companhia das Letras, 2011), de Ana Martins Marques, páginas 22, 35, 45, 41 e 75, respectivamente, além dos trechos dos poemas "Três postais" (p. 61), "Falésias" (p. 33) e "Talheres" (p. 16), presentes na mesma obra.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: R.E.M.

Foto: Chris Bilheimer A “ Seleta: R.E.M. ” destaca as 110 músicas que mais gosto da banda norte-americana presentes em 15 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Out of Time ”, “ Reveal ”, “ Automatic for the People ”, “ Up ” e “ Monster ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 15 álbuns participantes desta Seleta 01) Losing My Religion [Out of Time, 1991] 02) I'll Take the Rain [Reveal, 2001] 03) Daysleeper [Up, 1998] 04) Imitation of Life [Reveal, 2001] 05) Half a World Away [Out of Time, 1991] 06) Everybody Hurts [Automatic for the People, 1992] 07) Country Feedback [Out of Time, 1991] 08) Strange Currencies [Monster, 1994] 09) All the Way to Reno (You're Gonna Be a Star) [Reveal, 2001] 10) Bittersweet Me [New Adventures in Hi-Fi, 1996] 11) Texarkana [Out of Time, 1991] 12) The One I Love [Document, 1987] 13) So. Central Rain (I'm Sorry) [Reckoning, 1984] 14) Swan Swan H [Lifes Rich Pageant, 1986] 15) Drive [Automatic for the People, 1992]...

Flikids 2024

A Flikids é uma festa dedicada ao universo da criança, que surge para valorizar e destacar a literatura infantil, produzida por adultos e autores mirins, bem como outros artistas que trabalham a interseção das artes com a literatura, para promover espetáculos infantis e oficinas que estimulem a formação de novos leitores e o hábito da leitura como lazer e afinidade entre os membros da família. Nos eventos literários pelo país, geralmente a programação para crianças é apresentada como uma das partes dos eventos, alternativa. Já a Flikids é exclusiva para esse público: destaca a produção da literatura infantil nos seus vários formatos e temas, como programação principal. A 1 ª edição da Flikids acontece em 19 e 20 de outubro na Caixa Cultural Salvador , patrocinada pela Caixa e Governo Federal , com a realização da Bahia Eventos e  Mirdad Cultura , coordenação geral de Emmanuel Mirdad e curadoria de Emília Nuñez e Ananda Luz . As curadoras comentam a programação  aqui ...

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão...