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Filmes mencionados por João Pereira Coutinho na Folha de SP (2023-2024)


Sou leitor das crônicas do cientista político e escritor português João Pereira Coutinho que o jornal Folha de São Paulo publica constantemente [coluna aqui]. Com a minha peneira, fiz uma seleção dos melhores textos publicados entre 2023 e 2024 e separei os 22 filmes mencionados pelo escritor nessas crônicas. Segue abaixo a lista, com obras que gosto muito e recomendo (outras, não vi ainda, mas pretendo). Os links são para o site da Folha de São Paulo, com acesso restrito a assinantes.


“Ficção Americana”
Cord Jefferson

“(...) Thelonious Ellison, que todos tratam por Monk, em homenagem ao grande pianista de jazz (...) é um professor universitário e escritor. Também é negro, mas isso é secundário, pensa ele. Pensa mal. Nas livrarias, os seus livros estão sempre na seção de estudos afro-americanos. Furioso, ele faz questão de os remover dessas estantes para os devolver, sem rótulos, à de ficção americana. Chega de segregação. Além disso, o seu agente não consegue vender para nenhuma editora o mais recente romance de Ellison. Demasiado erudito. Escrito em inglês perfeito. Quem ele julga que é? Um escritor branco? (...) ‘American Fiction’, tal como o romance de Percival Everett, é uma sátira primorosa ao paternalismo dos brancos. Conheço casos: hipócritas gentis que infantilizam as minorias porque são um bom negócio.”

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“Zona de Interesse”
Jonathan Glazer

“(...) o filme, apesar de lidar com o Holocausto, é sinistro pela ausência de drama visível. (...) No centro da história temos a família de Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, e as rotinas do cotidiano na casa onde escolheram viver. A localização da casa, essa, pode ser desconfortável para alguns espíritos: fica ao lado do campo de extermínio. Mas um muro alto e um jardim bem tratado permitem a todos uma vida tranquila. Até há uma piscina para os pequenos se refrescarem no verão polonês. Já Rudolf Höss cumpre sem falhas o arquétipo do nazi doméstico: de manhã, despede-se da mulher, sai de casa e entra na porta do lado. No fim do expediente, regressa à casa e tem o cuidado de tirar as botas empoeiradas antes de entrar. É hora de brincar com os filhos e de ler histórias para eles antes de dormirem. (...) O quadro é idílico, ou quase, porque há um foco de dissonância que perturba o cenário: o som que escutamos ao fundo, do outro lado do muro. Gritos. Tiros. O ladrar insano dos cães. Também há um cheiro estranho, sobretudo quando as chaminés do campo expelem fumo negro. São esses sons, é esse cheiro que levará a mãe da senhora Höss a abandonar a casa na primeira noite da sua visita. O que se tornou normal para a filha é intolerável para a mãe.”

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“O Filho de Saul”
László Nemes

“Filmes de ficção sobre o Holocausto? Confesso as minhas reservas. Não sou cliente de Steven Spielberg (‘A Lista de Schindler’), Roman Polanski (‘O Pianista’) ou das pornografias de Alan J. Pakula (‘A Escolha de Sofia’) e Roberto Benigni (‘A Vida é Bela’). Há experiências que são literalmente infilmáveis. (...) Abro uma exceção para ‘O Filho de Saul’, do húngaro László Nemes, e agora entendo melhor por quê: o filme de Nemes, ao colar a câmera no rosto do protagonista, também oculta mais do que mostra. O terror do Holocausto está no rosto de Saul, nos seus gestos, nas suas demandas, nas suas alucinações. É através dele que imaginamos o inimaginável.”

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“Relato Final”
Luke Holland

“(...) Em mais de uma década, Holland filmou os últimos participantes nos crimes do Terceiro Reich — antigos nazistas que ainda recordam o cheiro da pele queimada dos cadáveres a sair pelas chaminés dos campos de extermínio. Monstros? Não são. Aliás, Holland inicia o documentário com uma citação de Primo Levi em que o escritor (e sobrevivente) já avisava: os monstros existem, mas são raros; mais perigosos são os homens comuns que se limitam a seguir ordens. (...) Os nazistas de Luke Holland são pessoas comuns. Alguns entraram em organizações nazistas fascinados pelos uniformes, pela vida social, pelas perspectivas de trabalho. Outros identificavam-se com a mensagem — nacionalismo, antissemitismo, antibolchevismo — e depois encontraram-se na posição desconfortável de terem de levar essa mensagem até às últimas consequências — por medo, pressão etc. Outros ainda não se arrependeram desse passado inumano. ‘A ideia era boa’, diz um deles, que se recusa a criticar Hitler ou a responsabilizá-lo pela catástrofe. (...) Pessoas comuns, sim, mas com uma atrofia da consciência moral, diria eu.”

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“A Noite que Mudou o Pop”
Bao Nguyen

“É uma das mais antigas memórias de infância: eu, com nove anos, cantando ‘we are the world, we are the children’ na festa da escola. (...) Lembrei tudo isso enquanto assistia ao documentário ‘A Noite que Mudou o Pop’, na Netflix, sobre a noite em que Los Angeles reuniu em estúdio o maior número de estrelas para gravar ‘We Are the World’. Apesar do meu estresse pós-traumático, gostei. Para começar, o solo de Bob Dylan era o único momento da canção que verdadeiramente me encantava. Mas quem diria que foi Stevie Wonder, mimetizando o estilo de Dylan, quem ensinou ao próprio Dylan como cantar os versos? De resto, confirmei velhas certezas: a beleza irreal de Diana Ross, a força vulcânica de Bruce Springsteen e o talento ofensivo de Michael Jackson. Tudo era fácil, gracioso e luminoso naquele corpo frágil. (...) Claro que, no filme, falta o essencial: o destino do dinheiro.”

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“To Kill a Tiger”
Nisha Pahuja

“O documentário ‘To Kill a Tiger’, indicado ao Oscar neste ano, é um bom teste para você afinar seu sentido moral. (...) num lugarejo perdido da Índia rural, uma criança de 13 anos é estuprada por três homens. O que fazer? O tratamento habitual para esses casos é obrigar a vítima a casar com o criminoso (ou um dos criminosos). É a única forma de limpar a ‘desonra’ que a jovem trouxe à família, como dizem as velhas da aldeia. (...) As autoridades oficiais da terra alinham pela mesma cartilha ‘relativista’. ‘Ninguém é mais importante que a comunidade’, diz um deles, para quem o casamento é a única forma de trazer ‘harmonia’ ao lugar. Além disso, até que ponto a jovem não foi parcialmente culpada? ‘Isso aqui não é o Ocidente’, diz a advogada de defesa dos criminosos, atirando para cima da menor a responsabilidade pelos instintos selváticos dos seus clientes. (...) Para surpresa e pânico de todos, o pai da vítima discorda. É um homem pobre, semiletrado, que cultiva o campo para arrancar o sustento da família. (...) Ele sente que deve ser feita justiça, recusando o casamento forçado e levando o caso aos tribunais do estado. Como ele afirma para as câmeras, é a única forma de manter a cabeça levantada. Nem que para isso tenha de ‘matar o tigre’ sozinho. (...) A aldeia entra em alvoroço. O pai é ameaçado pelos vizinhos, que não compreendem a originalidade da atitude. Toda família é ostracizada. Como único apoio, tem apenas uma ONG que defende os direitos das mulheres num país onde há uma violação contra elas a cada 20 minutos. E essas são as violações oficialmente reportadas.”

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“Rocky, um Lutador”
John G. Avildsen

“(...) Nascido em família pobre e com um pai tirânico e violento, Stallone foi um produto das ruas, tal como o Rocky que interpretou nas telonas. (...) Aprende-se muito nas ruas só pela observação de quem passa. E escuta-se muito também — linguagens diversas, eruditas ou chulas, e que o ator foi absorvendo como esponja. É por isso que, no primeiro ‘Rocky’, de 1976, aqueles diálogos que Stallone escreveu soam tão verdadeiros, porque são toscos, profundos, falhados, vulneráveis, risíveis, belos. Tal como o são na vida real. E, tal como na vida de Stallone, porque existia em Rocky a urgência desesperada de não ser apenas mais um vira-lata. (...) O roteiro foi escrito em três dias. E quando lhe ofereceram uma quantia apreciável, mais de US$ 200 mil, para que não fosse ele o ator, para que fosse Burt Reynolds ou Ryan O’Neal — dá para imaginar? —, o vira-lata recusou. Só ele era Rocky porque só ele era Stallone.”

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“Living”
Oliver Hermanus

“No filme, Nighy é o sr. Williams, um burocrata da prefeitura de Londres, a quem uma das funcionárias trata clandestinamente por ‘sr. Zumbi’. De fato. Williams é um morto-vivo. Todas as manhãs, de terno escuro e chapéu de coco, ele toma o trem para Waterloo Station. Parco em palavras, trabalha imperturbável na sua mesa. Quando existem processos urgentes — como o pedido para a construção de um parque infantil —, ele redireciona o processo para os outros departamentos da prefeitura. Sem surpresa, os outros departamentos fazem o mesmo — até tudo voltar ao ponto de partida. O sr. Williams, sem levantar o sobrolho, coloca o processo no limbo e daí lava as suas mãos, como um Pilatos para quem o tempo e a urgência não existem. ‘Delay is life’ (‘atraso é vida’), como dizia o premiê Salisbury. (...) Tudo muda com um diagnóstico de câncer terminal. O tempo, e a urgência em vivê-lo, passa a contar de outra forma para aquele homem. Mas ele não sabe como agir. Não sabe como ‘viver um pouco’ antes da despedida prematura.”

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“Oppenheimer”
Christopher Nolan

“(...) um dos momentos mais notáveis do filme de Christopher Nolan, ‘Oppenheimer’, acontece precisamente quando o cientista se encontra com o presidente Harry S. Truman. J. Robert Oppenheimer é o homem do momento: pai da bomba atômica, capa da Time, o mago de Los Alamos. Mas Oppenheimer teme a sua criação e, como diz a Truman, sente que tem ‘sangue nas mãos’. Truman, com uma brutalidade cínica, oferece-lhe um lenço. E depois afirma que, no Japão, ninguém quer saber quem foi o cientista que criou a bomba. Apenas quem a jogou. E foi ele, Truman, a tomar essa decisão. É ele, Truman, que ocupa o lugar do príncipe. E será ele, contra a opinião cada vez mais incômoda de Oppenheimer, a subir a parada da corrida nuclear. Como? Buscando bombas cada vez mais poderosas, talvez por entender que a União Soviética não ficaria parada na arquibancada. (...) ‘Oppenheimer’ é o melhor filme de Christopher Nolan porque combina a espantosa monumentalidade formal — a cena da detonação da bomba é uma pequena obra-prima — com a destreza narrativa que nunca se sobrepõem ao essencial: em política, o príncipe nem sempre está alinhado com aqueles que não estão sentados no seu lugar.”

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“As Bestas”
Rodrigo Sorogoyen

“(...) O ódio principal está no fato de Antoine (magistral Denis Ménochet) e Olga (idem Marina Foïs) se recusarem a vender as suas terras para que gigantescas turbinas eólicas sejam instaladas. E, sem a permissão do casal francês, nada feito: todos estão condenados a ficar na solidão e na pobreza. (...) os nativos, no abuso e na bestialidade, personificam o pior das comunidades pequenas — a maledicência, o excesso de confiança, a imposição da força bruta. Mas minha repulsa é empática: quando uma das bestas explica a Antoine por que motivo é tão importante que todos possam vender as terras para sair dali, seria injusto não reconhecer o que existe de desespero nessas palavras. ‘Quero uma vida como a tua!’, grita Xan (Luis Zahera), para quem a idealização campestre de Antoine é a barreira última para que essa vida aconteça. (...) O filme de Rodrigo Sorogoyen, que venceu todos os Goya principais (a mais importante premiação do cinema espanhol), é um objeto rugoso e selvagem sobre a relação dos homens com a natureza. E, nessa relação, Xan e Antoine parecem habitar planetas distintos. O primeiro vê na terra, naquela terra, a configuração de um presídio, onde jazem todas as vidas que ele não teve nem terá. O segundo acredita que encontrou o paraíso, recusando abandoná-lo por um punhado de euros, mesmo que isso implique o naufrágio de toda vizinhança.”

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“Jurado Nº 2”
Clint Eastwood

“Como acontece com os heróis trágicos de Clint Eastwood, essa revelação coloca Justin sob a luz forte da sua consciência. Devo confessar? Devo manter o silêncio? E a que preço? O preço pode ser a condenação de um inocente a prisão perpétua. Mas não será Justin também um inocente? Ou, dito de outra forma, até que ponto a verdade é justa? Será justo sacrificar tudo — a sua liberdade, a sua família — por um erro? Melhor ainda: por um erro que pode não ser descoberto? (...) ‘Jurado Nº 2’ fecha a obra de Clint Eastwood com a mesma ambiguidade com que ele a começou. É essa ambiguidade — a recusa de pensar de forma dicotómica; a noção de que as grandes questões morais podem não ter uma resposta clara; a sensibilidade trágica de afirmar que as nossas escolhas, quaisquer que sejam, estão condenadas à partida — é essa ambiguidade, repito, que talvez não tenha um público à altura nos Estados Unidos.”

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“Herege”
Scott Beck e Bryan Woods

“Dias atrás, num almoço entre amigos, alguém disse que Hugh Grant era o vilão do filme ‘Herege’. E que, no filme, o nosso Hugo torturava duas garotas mórmons que o tentavam converter. ‘Quem nunca pensou nisso que atire a primeira pedra!’, disse eu, levantando o meu copo. Houve risos — poucos — e olhares de horror — muitos. (...) O problema não é o nosso Hugo ser vilão. É ele cultivar o mesmo tipo de proselitismo das suas vítimas, embora com uma força literalmente assassina. (...) houve um tempo em que o sr. Reed — nome do personagem — levava a sério a religião. Mas o estudo minucioso dos textos sacros o levou a concluir que os textos não eram sacros, mas apenas repetições de repetições de repetições — velhas histórias ou mitos que começaram nos alvores da humanidade e que foram sendo aproveitados por diferentes igrejas ou seitas. Munido dessa nova certeza — a religião é uma fraude, um plágio, um mero instrumento de controle —, o cavalheiro não se dedicou à jardinagem para viver seus dias sem incomodar o parceiro. Não. Ele preferiu ser um missionário contra os missionários, espalhando a nova palavra com a ferocidade de uma besta desencantada.”

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“A Substância”
Coralie Fargeat

“À superfície, aqui está mais um filme-denúncia sobre o patriarcado que usa e abusa das mulheres quando jovens. Depois, quando elas envelhecem, são descartadas como se fossem um trapo. A personagem Elisabeth Sparkle é esse trapo. Na juventude, foi uma diva das telas, com direito a estrelinha na Calçada da Fama, em Hollywood. Na meia-idade, é demitida de um programa de ginástica da TV porque o diretor quer carne fresca. A diva, inconformada, opta por um tratamento radical: uma ‘substância’ que faz nascer dentro do seu corpo uma versão jovem de si própria. (...) o problema talvez não esteja no patriarcado, mas no narcisismo patológico que pode atingir ambos os sexos (é um homem que aconselha a misteriosa substância a Elisabeth, no fim das contas). A criatura que Elisabeth gera é a versão jovem de si própria. Mas é ainda ela própria, com suas ambições e vícios. (...) Confiar a nossa vida ao nosso eu mais jovem implica saber que jovem fomos, que valores tivemos, que erros cometemos — e, talvez mais importante, que lições soubemos aprender pelo caminho. Ou não. Elisabeth aprendeu pouco. Por isso experimenta a substância. E por isso a sua criatura se comporta com o mesmo egoísmo homicida/suicida da criadora.”

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“A Menina Silenciosa”
Colm Bairéad

“Para esses nostálgicos, aconselho o filme ‘A Menina Silenciosa’, de Colm Bairéad, inspirado no livro ‘Foster’ de Claire Keegan. Sempre ajuda a recuperar a memória. É o meu filme do ano, para usar a linguagem gasta dos balanços jornalísticos, talvez por ser um daqueles raros filmes que se aproxima da pura poesia. (...) ‘A Menina Silenciosa’ é um filme revolucionário por tratar do mais revolucionário dos temas: a bondade humana. Não é uma daquelas virtudes mentirosas para ser exibida nas redes sociais e que apenas serve para alimentar a vaidade do suposto virtuoso. Também não é uma mera proclamação ideológica, abstrata, ideal, própria de quem ama a humanidade, mas despreza o ser humano comum. (...) A bondade nada exige, nada espera, nada impõe. É pura hospitalidade. É abertura e reconhecimento. E, como no filme, talvez seja um dia reciprocidade.”

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“Here”
Robert Zemeckis

“Aqui entre nós, o longa é mediano, e o seu sentimentalismo fácil, devidamente ensopado pela música de Alan Silvestri, tornaria a obra intragável. Mas o conceito é notabilíssimo: um só plano, sempre no mesmo lugar, filmando a passagem do tempo. Bilhões de anos de evolução — das primeiras lavas aos primeiros dinossauros; dos primeiros nativos aos primeiros americanos independentes, até chegarmos à construção de uma casa naquele lugar. Ali. (...) Depois, quando a casa está construída, tudo o que vemos é uma sala e os habitantes que vão desfilando nela ao longo de décadas, séculos. A câmera de Zemeckis oferece o ponto de vista da eternidade. E que vemos através dela? Sim, o embrulho vai mudando — mobília, cortinados, sofás. Rádio, televisão, computadores. Habitantes, seus trajes, seus comportamentos. A única coisa que não muda é o carrossel de sentimentos humanos. Não interessa se falamos de um casal na era dourada, na era do jazz, no pós-Segunda Guerra ou na Guerra do Vietnã. Ou durante os dias de hoje.”

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“Sly”
Thom Zimny

“(...) haverá algum personagem na história do cinema americano que tenha furado a tela para se misturar com os mortais desta forma? Rocky Marciano ou Rocky Balboa — qual é a diferença? (...) O segredo, creio, não está na qualidade dos filmes: com a grande exceção do primeiro, os restantes vão mergulhando na mediocridade. A opinião é pessoal, obviamente. Ou, como afirma Quentin Tarantino no documentário ‘Sly’, disponível na Netflix, um filme-homenagem a Sylvester Stallone, hoje beirando aos 80 anos, o primeiro Rocky foi sendo substituído por heróis de BD, básicos e inverossímeis. Mas aquele primeiro vale uma carreira — e até vale o documentário.”

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“The Real Charlie Chaplin”
Peter Middleton e James Spinney

“Será que a vida privada de um artista afeta o juízo estético que fazemos da sua obra? Ou são continentes radicalmente distintos? Pensei no assunto quando assistia, em Londres, ao documentário ‘The Real Charlie Chaplin’, de Peter Middleton e James Spinney. Há um momento em que somos apresentados à segunda mulher de Chaplin, a atriz Lita Grey. Quando Chaplin soube que ela estava grávida, não gostou da notícia. E, estando os dois numa estação ferroviária, Chaplin sugeriu que a melhor forma de resolverem o ‘problema’ seria Lita saltar para a linha quando o trem chegasse. (...) A sequência gelou os críticos. Também gelou a mim. Mas terá acontecido? Terá sido dito com intenção de provocar uma tragédia? Era um mero desabafo de mau gosto? Para o caso, tanto faz. O documentário é implacável ao mostrar o comportamento de Chaplin com as mulheres, ou seja, com as adolescentes com quem se envolvia. Um ‘predador’, na linguagem moderna, que hoje seria ‘cancelado’.”

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“Maestro”
Bradley Cooper

“Como se identifica um judeu? Não me pergunte, leitor. Pergunte aos críticos que não perdoam Bradley Cooper. O ator, no filme “Maestro” (...) deu corpo, voz e, parcialmente, nariz ao personagem de Leonard Bernstein. Segundo os críticos, Bradley cometeu dois erros: aceitou o papel, apesar de não ser judeu, e aceitou a prótese de um nariz generoso, contribuindo assim para perpetuar esse clichê fisionômico (e racista) sobre os judeus.”

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“Napoleão”
Ridley Scott

“Ridley Scott resolveu levar Napoleão às telas. Ainda não assisti ao filme, mas grupos de ativistas pelos direitos das mulheres já tiveram o privilégio. Segundo o ‘Daily Telegraph’, não gostaram das cenas ‘calientes’ entre Napoleão (Joaquin Phoenix) e Josefina (Vanessa Kirby). O imperador, na versão de Ridley Scott, dá uns tapas à sua mulher em pleno ato sexual. Não estaremos a romantizar a violência doméstica, perguntam as ativistas? (...) as informações que nos chegaram da relação entre ambos estão longe das etiquetas modernas. Prova disso é a célebre mensagem que Napoleão enviou a Josefina depois de mais uma campanha militar: ‘Regresso amanhã a Paris. Não te laves.’”

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“O Mundo Depois de Nós”
Sam Esmail

“Eis a nossa condição: nunca nos sentimos tão desenvolvidos; mas, ao mesmo tempo, nunca nos sentimos tão abandonados e vulneráveis. É um contraste cômico. Aliás, se dúvidas houvesse, bastaria assistir ao filme ‘O Mundo Depois de Nós’ (na Netflix), uma distopia apocalíptica onde estão condensados todos os medos do ‘homo Americanus’ em pleno século 21. São medos do ‘homo occidentalis’ também. (...) O medo da desconexão (aquele momento em que a tecnologia deixa de funcionar, como Don DeLillo já tinha antecipado no seu “O Silêncio”). O medo dos brancos em relação aos negros (e dos negros em relação aos brancos). E, entre os brancos, a desconfiança entre os brancos progressistas e o ‘cesto dos deploráveis’ da América rural. O medo dos chineses, dos norte-coreanos, dos iranianos — e de todos ao mesmo tempo. O medo da guerra civil, sobretudo em vésperas da eleição presidencial de 2024.”

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“Quanto Tempo o Tempo Tem”
Adriana L. Dutra

“Assisto ao documentário ‘Quanto Tempo o Tempo Tem’, de Adriana L. Dutra, na Netflix, uma bela meditação sobre a única riqueza que verdadeiramente temos: o tempo. E dou por mim a pensar nos convites que recebo para escrever e falar sobre um tema meu.”

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“Triângulo da Tristeza”
Ruben Östlund

“(...) se Östlund pensa que os ricos fazem férias em iates fajutos daqueles, ele deveria pesquisar um pouco mais. Os ricos são donos de iates, não clientes. Mas Östlund erra ao não entender que a velha guerra de classes, se algum dia existiu, não existe mais. O que existe é uma nova guerra de classes na qual ele, Östlund, está sentado no lugar dos ‘exploradores’. (...) os seus ricos parecem caricaturas de um romance de Dickens: grandes magnatas que fizeram fortuna em indústrias pesadas, como os fertilizantes ou o armamento. Duplo erro. Primeiro, porque os ricos do nosso tempo já não estão nas fábricas e nos campos; também fazem parte da ‘elite gerencial’. E, depois, porque essa nova elite olharia com horror para gente tão primitiva e cafona. (...) Ironicamente, os ricos de Ruben Östlund estão no mesmo patamar de desprezo social que a classe trabalhadora. Para quando um filme satírico sobre a nova luta de classes? Talvez nunca. O sarcasmo que Östlund gosta de despejar sobre velhos espantalhos seria uma traição de classe se aplicado dentro de casa.”

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