Jonathan Franzen
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad
"Tudo o que quero de um passeio é que as pessoas me vejam e deixem ser vistas, mas mesmo esse modelo objetivo é ameaçado pelos usuários de celulares e o pouco-caso que fazem da sua privacidade. O isolamento é algo que se alcança sem esforço comparativamente. A privacidade é protegida como mercadoria e direito; os espaços públicos, não. Como as matas virgens, esses espaços são poucos e insubstituíveis e todos deveriam ser responsáveis por eles. O trabalho de mantê-los só aumenta, à medida que o setor privado se torna cada vez mais exigente, confuso e desanimador. Quem tem tempo e energia para defender a esfera pública? Que retórica pode competir com o amor americano pela 'privacidade'?"
"Em 1998, observava, sentado no metrô, as pessoas abrindo e fechando nervosamente seus celulares, mordiscando as anteninhas, que lembravam mamilos e que todos os aparelhos tinham. Ou apenas os segurando como se fossem a mão de uma mãe, e eu quase sentia pena delas. Nova York queria verdadeiramente se tornar uma cidade de viciados em celulares deslizando pelas calçadas sob desagradáveis nuvenzinhas de vida privada, ou de alguma maneira iria prevalecer a noção de que deveria haver um pouco de autocontrole em público?"
"O Homo Sapiens é o animal que quer acreditar, a despeito da severa lei natural, que outros animais fazem parte da sua família. Poderia dar um bom argumento ético para nossa responsabilidade em relação a outras espécies, mas me pergunto se, lá no fundo, minha preocupação com a biodiversidade e com a saúde dos animais não é um tipo de regressão ao meu quarto de infância, com sua comunidade de bichos de pelúcia: uma fantasia de aconchego e de harmonia entre espécies"
"Como seu trabalho é repetitivo e paga mal, damos um desconto se ela nos tratar com enfado ou indiferença; no máximo registramos sua falta de profissionalismo. Mas isso não nos exime da obrigação moral de reconhecer sua existência como pessoa. Embora seja verdade que algumas atendentes não ligam para o fato de serem ignoradas, grande parte delas fica visivelmente irritada, brava ou chateada quando um cliente não é capaz de largar por dois segundos o celular para trocar umas palavras com quem o está servindo. Não precisa nem dizer que aquela jovem cliente não tem a menor consciência de que esteja desrespeitando alguém"
"Pessoas que enfrentam problemas para socializar não passam a se comportar repentinamente como adultos quando a pressão social de seus pares as constrange ao silêncio. Uma praga nacional que se alastra é o cliente que, no supermercado, não larga o celular nem na hora de pagar a conta"
"[1988] A entrevista na KMOX foi um indicativo. O apresentador evidentemente mal passara do capítulo dois. Embaixo do microfone pendurado, folheava as páginas do livro como se tivesse esperança de absorver epidermicamente o enredo. Perguntou-me o que todos me perguntavam: Como você se sentiu por receber uma crítica tão favorável? (Eu me senti muito bem, disse.) O romance é autobiográfico? (Não, disse.) Como se sentiu como um filho de St. Louis que volta à cidade para lançar um livro badalado? Sentia-me sombriamente desapontado. Mas não disse isso. Já havia percebido que o dinheiro, a publicidade, o passeio de limusine até o local onde seria fotografado pela Vogue não eram apenas benefícios complementares. Eram o prêmio principal, o consolo para quem não faz mais nenhuma diferença pra a cultura"
Trechos extraídos do livro de ensaios "Como ficar sozinho" (Companhia das Letras, 2012), de Jonathan Franzen.
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