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Dez passagens de Chris Offutt no livro de contos Além das montanhas

Chris Offutt - foto daqui

“(...) ter dinheiro nos dá liberdade, mas ganhar dinheiro nos escraviza. (...) Quando se é cozinheiro, tudo corta ou tudo queima. (...) Mulher bonita me deixa com medo de morrer.”


“Logo no início perguntei quantos homens ela tivera antes de mim e, tenham certeza, é a coisa mais estúpida que se pode perguntar a uma namorada. Já sabia disso, mas mesmo assim perguntei. Sou o tipo de sujeito capaz de fazer a coisa mais burra na pior hora. Se um cara não tem nariz, devemos cumprimentá-lo por enxergar bem, pois ele certamente não pode usar óculos. Às vezes fico espantado por ainda não ter levado um tiro e sempre imagino que vou ser morto à noite, por um estranho. Casper, afinal, é esse tipo de cidade.
Ela ficou um bom tempo sem dizer nada. Quando a coisa demora um pouco, achamos que a pessoa está inventando uma mentira, mas como o silêncio dela foi longo demais, percebi que a verdade estava a caminho. Então ocorreu-me que ela talvez estivesse contando, e que esse número era alguma coisa que eu não queria ouvir. Tive vontade de trocar de canal. Sufocar a resposta dela e me ligar na vida de outra pessoa.
Por fim, ela me olhou.
— Em que ano?”


“(...) Às vezes, penso que não fiz nada para deixar minha marca nesse mundo. Sou, ao contrário, o tipo de sujeito marcado pelo mundo.”


“— Por que você mesmo não faz?
Tarvis recuou um passo quando a expressão quase culpada lhe atravessou o rosto.
— Nunca esfolei nada, não consegui aprender — disse. — E também nunca puxei o gatilho. Fui criado para a caça, mas simplesmente nunca fui capaz.
Desviei os olhos para proteger sua compostura. Aquelas palavras jogavam em cima de mim uma responsabilidade que eu não podia negar, a responsabilidade da vergonha de Tarvis. Ir embora seria trair a confiança que ele tivera estômago para atirar em mim.”


“— Bem, estou a fim de pegar uma cana. O que devo fazer?
— Beber, principalmente.
— Não bebo.
— Dirigir em alta velocidade.
— Não tenho carro.
— Roubar também serve.
— Não me passa pela cabeça.
O homem manteve a cabeça virada e os olhos baixos. O delegado concluiu que era um débil mental que se perdera da família.
— Não quer que eu chame algum parente seu? — perguntou.
— Não tenho telefone. — O homem apontou o queixo para o corredor onde ficavam as celas. — E se eu começar a xingá-lo?
— Eu xingo também.
— Nada, então, que se possa fazer?
— Vejamos — disse Goins. — Danificar a propriedade pública está no código, mas seria difícil danificar ainda mais isso aqui.
O homem andou até a porta e parou de costas.
— Venha até aqui um minuto.
Goins foi. O homem tinha aberto a calça e urinava nos degraus de madeira que levavam até a porta. Goins assobiou baixo, balançando a cabeça.”


“Olharam-se no pequeno quarto, sob a luz da lâmpada. Gerald não gostava de guardas: carregavam armas, dirigiam em alta velocidade e brigavam. Qualquer outro que se comportasse assim iria parar na cadeia.
— O dr. Gupte me pediu para dar uma olhada — disse o xerife.
— Ele é médico mesmo?
— Veio do Paquistão.
— Tentar a sorte aqui, hein?
— Escute, sr. Bolin. Seu cunhado teve um coágulo que penetrou no pulmão. Morreu por isso.
Gerald tossiu, procurou no chão um lugar para cuspir e engoliu o cuspe. Depois esfregou os olhos.
— Não me diga que ele morreu?
O xerife abanou a cabeça.
— A porra desse doutor não serviu pra nada, hein?”


“— Alguém subiu ali e fez um rombo na porcaria do dique.
— Para quê?
— Quis escoar aquela água para algum lugar. E inundou dez mil acres de terras cultivadas. Quem fez isso não queria que o rio explodisse aqui por perto.
— Bem, provavelmente ninguém queria, certo?
— Ontem à noite, a única pessoa que sei que esteve junto do dique foi você.
Zules riu até ver a dureza na expressão do outro.
— Um agricultor morreu afogado — disse o delegado. — A única pessoa que acha isso engraçado é você.
— Não estava rindo dele — disse Zules. — Estava rindo por você acreditar que eu inundaria meu próprio caminhão. Pergunte à polícia rodoviária onde eles me encontraram. Quebro os ossos da coluna carregando areia para sua cidade e sou acusado de inundá-la. Em compensação, nunca vi você pegar numa pá. Suas botas nem estão molhadas.”


“— Você e meu pai... — disse Franklin. — Um teria matado o outro. Veja aquele falcão. Meu pai podia tirá-lo do voo com uma velha pistola do exército.
— Bom tiro.
— Podia atirar uma machadinha como os índios. Sabia fazê-la espetar onde queria. Tinha aprendido com o avô, que havia lutado assim.
— Um homem durão.
— Não, era o que chamam agora de homossexual tardio. E nunca gostou muito de mim.
Ray acompanhou o voo do falcão no alto do morro. Não acreditava no pai. O avô morrera jovem e Franklin, que nunca fora um filho adulto, talvez não tivesse aprendido a respeitar a tradição da família.
(...)
— Nunca errei com essa arma — disse Franklin. — Era de meu pai e antes fora do pai dele.
— Com alguma sorte — disse Ray —, todos os meus filhos serão meninas.
— Eu não tive essa sorte.
— Nem seu pai.
— É — disse Franklin —, nossa família está cheia de pais com má sorte. Sabe como seu avô morreu?
— Ataque do coração, foi o que você sempre disse.
— Não. Com um tiro na boca.
A voz tinha um tom casual, como se estivessem conversando sobre o tempo. Cada vez que Franklin falava do pai, contava uma história diferente. Ray já não tentava mais descobrir a verdade.”


“Os dois riram, o som morrendo aos poucos no ar quieto. Tilden comeu uma maçã enquanto Baker fumava. A sombra estreita atirada por cada lápide caía como poça nos túmulos vizinhos. Segundo as datas, muitos haviam morrido muito tempo antes de eles nascerem. Tilden conhecia gente que tinha mais anos de presídio do que de rua, e ocorreu-lhe que o tempo não se move para a frente como ele sempre pensara. São as pessoas que se movem pelo tempo.
— Saudades da cana? — perguntou Baker.
— Acho que não.
— Eu tenho. Por causa das drogas, em especial. Tive bons contatos lá dentro. Aqui não conheço ninguém.”


“— Ei — disse Zules se virando para Sheetrock —, sua mãe gosta dessas histórias da TV?
— Não tenho.
— Não tem TV em casa?
— Não tenho mãe — disse Sheetrock. — Nasci, é claro, de uma, mas ela morreu quando eu tinha dois anos. Meu pai atirou nela. Ela estava me segurando na varanda e ele atirou duas vezes. Dizem que ela foi se arriando devagar para eu não cair. Papai pegou doze anos. Depois voltou para Oklahoma.”




Presentes no livro de contos Além das montanhas (Rocco, 2003), de Chris Offutt, tradução de Mário Molina, páginas 115-116, 55-56, 58, 86, 24, 12, 65, 104-106-107, 40-41 e 67, respectivamente.

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