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Os 175 melhores versos do poema Umbigo, de Nicolas Behr

Nicolas Behr - Foto: Alexandre Fortes

Entre janeiro e março desse ano, divulguei 08 posts com os versos que considerei os melhores do poema Umbigo, uma odisseia de 84 páginas criada pelo poeta brasiliense Nicolas Behr (nascido em Cuiabá), uma figuraça do cerrado brasileiro. Maníaco por seleções, não parei por aí, e, neste post, divulgo os 175 versos que mais gostei, divididos em categorias: Psicodélicos (33), Sociais (10), Filosóficos (29), Sarristas (29), Surreais (25), Ecológicos (13), Ácidos (19) e Literários (17). Divirtam-se!

Psicodélicos

“minha poesia coloca o abismo embaixo do braço
e vai passear com ele pelos desfiladeiros”

“minha poesia é o lado de dentro do lado de fora”

“minha poesia é um pouco de mim nos outros,
um pouco de você em mim, nós diluídos no cosmo”

“minha poesia é um barracão de sonhos,
armazém de esperanças, depósito de ilusões”

“minha poesia é um peixe que vive na terra e voa”

“minha poesia é parar o liquidificador com a mão”

“minha poesia vai ao supermercado
e volta com sacolas cheias de sombras enlatadas”

“minha poesia são unhas roendo dentes”

“minha poesia cava o subsolo do inconsciente e
encontra minhocas paranoicas arejando neuroses”

“minha poesia é explosão vulcânica pra dentro”

“minha poesia é a arte de construir pilares
de areia para sustentar nuvens de pedra”

“minha poesia esmaga o poema na mão e cheira”

“minha poesia na íntegra se desintegra”

“minha poesia é uma palavra que resolveu ter cor”

“minha poesia é cromoterapia em preto e branco”

“minha poesia quer chegar logo ao umbigo
do sonho pra te acordar”

“minha poesia se perde no deserto e chora areia”

“minha poesia berra e nas estrofes nascem chifres”

“minha poesia entra no poema disfarçada de gilete”

“minha poesia é uma doença sem cura que não mata”

“minha poesia nada no seco e anda na água”

“minha poesia é a mão decepada
de onde nascem novos dedos”

“minha poesia tateia no escuro em busca
de palavras pontiagudas”

“minha poesia é indicada para sombrear o sol”

“minha poesia é meu filho desenhando um sapo”

“minha poesia coça as palavras até sangrarem”

“minha poesia seca as mãos com água, limpa as
mãos com terra, corta as mãos com agulha”

“minha poesia é colagem, miragem, ilusão, efeito”

“minha poesia é pele, tecido, couraça, escudo”

“minha poesia lança sementes estéreis sobre o
solo infértil da glória onde brotam elogios mortos”

“minha poesia pisa no rabo do rato que segura
o carimbo. o rato ri mas não solta o carimbo”

“minha poesia sopra fogo sobre o corte que arde”

“minha poesia continua na sua imaginação”


Nicolas Behr - Foto: Truman Macedo

Sociais

“minha poesia é um índio que vai dormir no
ponto de ônibus mas leva extintor de incêndio”

“minha poesia nada significa para quem tem fome”

“minha poesia não aceita os limites de criação
impostos pela liberdade de expressão”

“minha poesia pode ser uma porcaria mas nunca
elogiou josef stalin como fez pablo neruda nem
elogiou adolf hitler como fez ezra pound”

“minha poesia, vendada, ouve o pisar das botas,
o respirar dos soldados, o engatilhar dos fuzis”

“minha poesia é a pedra no estilingue do
menino palestino morto com um tiro na cabeça”

“minha poesia só cria porque tem alguém
trabalhando e preparando o almoço”

“minha poesia é plural, mesmo no singular”

“minha poesia é cultura popular
sem gente na praça”

“minha poesia explode junto com o corpo palestino”


Nicolas Behr - Foto daqui

Filosóficos

“minha poesia não é virtude nem vício. é precipício”

“minha poesia quando quer ver fecha os olhos”

“minha poesia sabe que todas as verdades são falsas”

“minha poesia não teme a morte, mas a ausência”

“minha poesia tem como sonho ser um pesadelo”

“minha poesia parte do princípio que é o fim”

“minha poesia desnuda a alma mas não tira a roupa”

“minha poesia me decifra e quase me devora”

“minha poesia traduz a falta do que dizer”

“minha poesia se torna presente na ausência”

“minha poesia vem do passado e por lá mesmo fica”

“minha poesia é o bilhete do suicida arrependido”

“minha poesia não é represa nem lago. é canal”

“minha poesia está morta. então deus está morto.
então tudo é possível. então estamos todos fudidos”

“minha poesia é uma emoção que começa na
célula, passa pela proteína, dá um alô pros
neurônios e aí chega até você na forma de abraço”

“minha poesia é a arte de permanecer
viva entre os moribundos”

“minha poesia sabe que tudo já foi dito,
menos desta forma”

“minha poesia fala através das próprias ruínas”

“minha poesia não acredita que a morte
seja o trampolim para a imortalidade.
a morte é apenas o fim e fim”

“minha poesia sem olfato e paladar não faz sentido”

“minha poesia é quebra-cabeça. cabeça que você
mesmo quebra, monta e desmonta”

“minha poesia morde a ponta do próprio rabo”

“minha poesia hoje não tem nenhum compromisso
agendado com a realidade. amanhã também não”

“minha poesia é o bilhete deixado pelo
marinheiro russo no submarino que explodiu”

“minha poesia é à prova de fogo
mas o poeta se queima por dentro”

“minha poesia encontrou uma maneira original
de não dizer nada dizendo tudo”

“minha poesia admira a paisagem dos elevadores”

“minha poesia é a alegria de estar só”

“minha poesia é o descanso da morte”


Nicolas Behr - Foto daqui

Sarristas

“minha poesia é a libertação do medo do ridículo”

“minha poesia corre pro abraço, cai, quebra a cara”

“minha poesia bem que poderia ser uma rapadura”

“minha poesia me engana que eu gosto”

“minha poesia quando rói as unhas escolhe-as a dedo”

“minha poesia só é entendida por entediados”

“minha poesia tem a faca e o queijo na mão
mas lhe falta a vontade de comer o queijo”

“minha poesia faz silêncio na cama pra ouvir
o barulhinho gostoso do orgasmo”

“minha poesia cobra coerência e ainda dá o troco”

“minha poesia pega o livro, olha a capa, olha
de novo, faz que vai abrir mas não abre”

“minha poesia têm um papel higiênico a cumprir”

“minha poesia é. do verbo esquecer”

“minha poesia na dúvida não ultrapassa”

“minha poesia faz o bem pensando no mal”

“minha poesia tentou levantar a questão mas como
ela era muito pesada resolveu deixá-la no chão”

“minha poesia agora está criando. liga depois”

“minha poesia fracassa, mas fracassa cada vez melhor”

“minha poesia já foi longe demais. melhor voltar”

“minha poesia é a arte de se tornar desnecessária”

“minha poesia é a preferida das traças”

“minha poesia do pó viestes e ao pô retornarás”

“minha poesia em negrito aparece muito mais”

“minha poesia. clara como uma página em branco”

“minha poesia tem um defeito grave:
não pode ver um elogio que sai correndo atrás”

“minha poesia é tudo isso que você está sentindo
agora mesmo que você não esteja sentindo nada”

“minha poesia tem estilo. o problema são as moscas”

“minha poesia interrompe o poema para encher
o pneu da bicicleta do filho e volta”

“minha poesia é aquele momento em que você
sente uma brisa gostosa no rosto e diz ah!”

“minha poesia morre. o poeta é valorizado”


Nicolas Behr - Foto: Truman Macedo

Surreais

“minha poesia limpa a orelha do livro
e agora o livro escuta a minha poesia”

“minha poesia é cheia de lugares comuns
que ninguém conhece”

“minha poesia povoa os terrenos baldios da alma”

“minha poesia fez a cama na varanda
e se esqueceu do cobertor”

“minha poesia perde as folhas e aí dá sombra”

“minha poesia são meus olhos. molhe-os”

“minha poesia sente que tem alguém neste
momento atrás da minha poesia com uma faca”

“minha poesia é o acupunturista usando parafusos”

“minha poesia aponta a lua mas vê apenas o dedo”

“minha poesia encara de costas
o pelotão de fuzilamento”

“minha poesia escreve para não sair do inferno”

“minha poesia pede aos que tiveram a mão
decepada que levantem o dedo”

“minha poesia comeu o pão que o diabo amassou
mas antes o poeta o desamassou e passou manteiga”

“minha poesia na sala de espera do analista
rasga a revista, chuta a porta e pula do edifício”

“minha poesia cumpre sua palavra
e muda o nome das coisas. mesa agora é tijolo”

“minha poesia que a terra nunca há de comer”

“minha poesia é o fedor que o perfume não tira”

“minha poesia salva-vidas mas afoga os mortos”

“minha poesia faz com os pés o autoexame dos seios”

“minha poesia em pedra dura tanto bate
até que a poesia fica toda machucada”

“minha poesia, apunhalada pelas costas, vira-se”

“minha poesia segue os pingos de sangue
que vão do banheiro até ao quarto de hóspedes”

“minha poesia quer resgatar a palavra que caiu
atrás da estante e está gravemente ferida”

“minha poesia se mata todo dia e continua viva”

“minha poesia é inútil. da próxima vez use pregos”


Nicolas Behr - Foto: Divulgação

Ecológicos

“minha poesia é como uma árvore florida por
onde você sempre passa e nunca a vê”

“minha poesia refloresta desertos com árvores
de areia e planta sementes de ar ao vento”

“minha poesia – ecológica – não mata a cobra,
nem mostra o pau, nem mostra a cobra”

“minha poesia é a umidade da amazônia
que você sente no interior da paraiba”

“minha poesia é como uma árvore rara, solitária,
florida, esquecida, no meio do sertão da bahia”

“minha poesia deixa o tempo chuvoso no piauí”

“minha poesia é a brisa do mar invadindo
juazeiro do norte”

“minha poesia é o ecologista de motosserra na mão”

“minha poesia introduz a prática agrícola
na teoria literária e o poema produz tomates”

“minha poesia é uma árvore-da-felicidade
com depressão nas folhas, esquizofrenia nas flores”

“minha poesia é a casca tatuando o corpo da árvore”

“minha poesia é uma árvore invisível a olho nu”

“minha poesia são palavras frias que são flores secas
que são frutos podres que são árvores mortas”


Nicolas Behr - Foto daqui

Ácidos

“minha poesia decreta: amai-vos uns aos outros
e o resto que se foda”

“minha poesia dá a descarga e vai junto”

“minha poesia isola o gen da inspiração e pisa nele”

“minha poesia é o único meio de atingir o belo
com uma pedrada pelas costas”

“minha poesia admira os que nunca choram”

“minha poesia rasga em pedacinhos
o bilhete enviado pelo rapaz da mesa ao lado”

“minha poesia é ácido no lugar do colírio”

“minha poesia te coloca lá em cima,
só pra depois te empurrar no precipício”

“minha poesia é a poesia de um aprendiz
cujo mestre é a dor”

“minha poesia acerta na veia e deixa sangrar”

“minha poesia quer primeiro criar o inferno
para depois prometer o paraíso”

“minha poesia é um caco de vidro no seu olho”

“minha poesia faz análise e continua chutando
as pessoas. mas agora sabe porque”

“minha poesia pega na vida sem luvas”

“minha poesia exige que você se indigne”

“minha poesia é a educação pela pedrada”

“minha poesia é como fumaça. sufoca mas passa”

“minha poesia respeita os mortos
quanto mais mortos melhor”

“minha poesia não sabe se vai conseguir, mas tenta”


Nicolas Behr - Foto André Borges

Literários

“minha poesia vai ser esquecida, como todas”

“minha poesia é a ponte sobre o abismo que
separa o poeta do leitor”

“minha poesia é uma velha senhora chamada
cora coralina que às vezes me visita
na forma de cheiro de terra molhada”

“minha poesia é aplaudida no auditório vazio”

“minha poesia coloca a questão. o crítico tira”

“minha poesia analisa a interpretação do comentário”

“minha poesia vaia o aplauso dos que não gostaram”

“minha poesia tira a máscara de bacana
da cara do poeta e o que se vê é outra máscara”

“minha poesia estragou? o crítico dá um jeito”

“minha poesia, até certo ponto, é vírgula”

“minha poesia disputa a cadeira de jorge amado
na academia e perde para o tio patinhas”

“minha poesia não faz outra coisa a não ser
privilegiar algumas palavras
em detrimento de outras”

“minha poesia não te entende nem você
a entende e assim estamos entendidos”

“minha poesia sangra – o crítico vem logo
aplicar o torniquete”

“minha poesia não é a grande poesia de manuel
bandeira mas é a certeza de que o poeta está vivo”

“minha poesia é apenas uma simples questão
de ir encaixando palavras umas depois das outras”

“minha poesia é aquele momento dramático em
que o poeta pula do navio em meio a tempestade”




Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr.

Baixe o livro aqui


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