Érica Azevedo - foto Átila Azevedo
Coleção
Érica Azevedo
No primeiro choro tremi
das dores que seriam minhas companheiras.
Uma colina [medo após medo] se formava em meus olhos
e encobria sol, mar, flores, sorrisos.
A pele marcada pelo medo desfila
encarcerada em seu próprio corpo.
A pele marcada pelo medo carrega um apelo
e um grito mudo.
A pele marcada pelo medo:
Um par de asas virgens que atravessa os poros
e morre a cada dia.
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Currículo
Érica Azevedo
Não tenho corpo de modelo
Nem seios de escultura
Não tenho nariz, bunda, boca e pernas
de porcelana.
Não nasci flor
Não cresci boneca
Nem fui transformada em princesa.
Meu canto
não é de sereia.
Brinco com versos
Transformo minha lágrima e meu riso
em percurso.
Sou mulher
num mundo cheio de espinhos.
Às vezes sou luva,
outras beija-flor.
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Velho
Érica Azevedo
As mãos do tempo
Confundem minha memória:
Meus ancestrais ainda dançam açoitados
e cantarolam para desviar as lágrimas.
Minha língua nova
carrega o peso do passado
e grita novos caminhos.
Minhas tribos se misturaram
no aguaceiro do tempo
e pulsam em meu ventre
mostrando que não tenho a idade do espelho.
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Silêncio
Érica Azevedo
No Silêncio busco palavras
que não querem nascer.
Prenhe o abismo aborta
os ecos dos espelhos ao redor.
O Silêncio é faca sem lâmina
a ferir pássaros tristes
e acalentar asas feridas:
sentença e dádiva do presente.
Enquanto a caneta repousa, a alma cansa
Amanhã, talvez, haja o encontro
entre a palavra que pulsa no peito
e o papel que teima permanecer em branco.
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Acrobacia
Érica Azevedo
Não sei o tamanho da dor
que cabe num poema
Sei que versos se desdobram
enquanto rasgo-me e emendo.
Não importa se a acrobacia
é de palavras apenas
ou de emoções somente:
tardes, letras e sonhos ganham corpos.
A vida é uma linha que segue (mesmo quando finda),
Pouco importa se os dias tiveram sol ou chuva,
Se no caminho houve trovões, arco-íris.
Lágrimas vividas e imaginadas se misturam:
Talvez entre o cais da memória
e a solidão dos olhos e do lápis
dor, sorriso e poeta se percam
(ou se encontrem)
[no poema].
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"Sapatos enfeitam pés cansados:
o caminho é quase nada.
Há uma navalha nas horas:
A passagem leva quase tudo.
(...)
Aprendeste a segurar pelo rabo o caos?"
"Os olhos não mensuram
a tristeza que o peito [do outro]
acomoda.
No papel desdobram-se as chuvas,
as cinzas e o fogo dos dias:
Um verso doloroso salta
com a espinha dorsal quebrada
e gosto de lágrimas."
"O poema não veio.
O dia chegou ao fim,
A pele recolheu a marca dos dias,
A luta se mostrou perdida."
Presentes no livro de poemas “Cata-vento de sonhos” (Mondrongo, 2019), de Érica Azevedo, páginas 36, 44, 47, 48 e 53, respectivamente, além dos trechos dos poemas “Desconcerto” (p. 33), “Poema triste” (p. 31) e “Duelo” (p. 30), presentes na mesma obra.
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