André Lemos (foto: Dudu Assunção)
Janela
André Lemos
Abriu a janela no quadrante
E viu a estrela (planeta?) acima.
Abaixo, o vizinho cabisbaixo.
Sol, nascente, cegando o horizonte
E seu corpo o pulo
Freando
Da janela da sala
Dava para ver o mar;
Do quarto,
Apenas outras janelas;
Da cozinha, para apaziguar,
Tinha a visão das copas das árvores.
Da cobertura,
Sem janelas,
Apenas o céu azul.
“Onde vai engomado nesse terno preto?”,
Diz, mas não ouve o vizinho cabisbaixo.
Por que se esconde sob as árvores,
Esbelto?
Qual seria a sua estratégia?
Vai para outra janela
Para mudar o ângulo de visão,
Ampliar a extensão do olhar
Que participa da ação.
Naquele silêncio da manhã,
Algo passa ao sabor do vento
Tirando-o do torpor.
Mas, agora, não era
A janela do computador.
Na cobertura, ajustou o telescópio.
É noite e vê muitas estrelas.
Atesta, esta não é uma
Máquina do visível.
É certamente telecronos,
Que do tempo é dono.
Nessa abertura para o infinito,
Livre do confinamento,
O tempo passa, presente,
Como se não houvesse
Tempo nenhum.
Nada lá fora.
Tudo está fora,
Dói a visão dos prédios
Com janelas fechadas
Que mais parecem prisão.
Acede a memórias
Que não mais controla.
Entram as boas,
Que quer manter,
Mas não passam aquelas
Que fazem sofrer.
Desiste do mundo lá fora,
Puxa as cortinas,
Mas mesmo assim o som passa.
Uivos pelas frestas.
E o que se quer escondido
É revelado.
Com dor, lê Blanchot
O ruído do vento,
Apito rasgando a cortina.
Olha um papel caindo,
Bailando,
Levado pelo vento,
Passando,
Andar por andar,
Até se desmanchar
Na negra poça de mar.
Agora a cabeça
Para fora da janela,
Calcula seu corpo
No vazio dos 10 andares.
Com coragem ficou em pé,
Rodopiou, e partiu.
Sombra no chão a se espichar
Pelo efeito do sol.
Ampliada a imagem
De agora um gigante.
Mas tudo passa e
Pelo sol movente
A sombra agora desaparece
E recolhe-se ao nada.
Vrum, vrum,
Toc, toc,
Hum, hum,
Clap, clap,
Tchbum, tchbum
Não há mais sons
Daquelas histórias indecifráveis.
Agora é, se alguém olhar
Pela janela,
Apenas um ponto e mais nada.
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País
André Lemos
Como descreves
O teu país?
Cada dia mais quente,
Perigoso, infeliz.
As pessoas parecem
Não mais gostar
De viver
Nesse lugar.
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Ruído
André Lemos
Quer gritar,
Mas o barulho de fundo
Insuportável,
Eletrônico,
Torturante,
Não cessa
Nunca.
Quer ouvir os objetos,
Mas os ruídos
Adventícios,
Automobilísticos
Urbanísticos,
Musicais,
Internéticos,
Celulúricos,
Incessantes e onipresentes,
Embaralham
Tudo.
Fundo perturbador,
Ameaça permanente,
Barulho é droga do corpo.
Silêncio é alimento da alma.
Si lent,
Et violent,
Le silence
Épouvante.
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Poste
André Lemos
Garibaldo espera no poste
Com as costas apoiadas
Todos os dias,
Não se sabe quem, ou o quê.
Está lá, das 7 às 7:30,
Ohando seu celular,
Monitorando a carona e a vida
Dos outros, ou dos seus.
Não se sabe de onde vem,
Para onde vai, o que faz,
Ou mesmo se vai esperar
Quem prometeu e nunca vai chegar.
A única certeza que se tem
É que ele só está presente
Quando esse observador,
Assim como ele, vem ou não vem.
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Ser
André Lemos
Nascer, por outros passar.
Viver, encontrar.
Saber, olhar.
Criar, testemunhar.
Manter, entrelaçar.
Ser, perspectivar.
Sofrer, isolar.
Morrer, apagar.
Presentes no livro de poemas “Coisas” (Mondrongo, 2018), de André Lemos, páginas 67-70, 71, 47-48, 43 e 63, respectivamente.
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