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Quinze passagens do livro de ensaios O álbum branco, de Joan Didion

Joan Didion (foto: Julian Wasser)


“(...) O nome era esclerose múltipla, mas não tinha significado. Era, de acordo com o neurologista, um diagnóstico excludente, e não significava nada. (...) A essa altura, a sensação que eu tinha não era de ser velha, mas de ter aberto a porta para um estranho e descobrir que esse estranho segurava uma faca. Em um diálogo de poucas frases no consultório de um neurologista em Beverly Hills, o improvável havia se tornado provável, a norma: coisas que só aconteciam com outras pessoas podiam de fato acontecer comigo. Eu podia ser atingida por um raio, arriscar comer um pêssego e ser envenenada pelo cianeto no caroço. O fato surpreendente era o seguinte: meu corpo estava oferecendo um equivalente psicológico do que vinha se passando na minha mente. ‘Leve uma vida simples’, aconselhou o neurologista. ‘Não que isso faça diferença.’”


“Uma vez que um ataque está em curso, no entanto, nenhum remédio atua sobre ele. A enxaqueca dá a algumas pessoas alucinações leves, cega temporariamente outras, surge não apenas como uma dor de cabeça, mas como distúrbio gastrointestinal, uma sensibilidade dolorosa a toda estimulação sensorial, um cansaço abrupto e avassalador, uma afasia que lembra um derrame e uma inabilidade paralisante de fazer até mesmo as conexões mais rotineiras. Quando estou com a aura de enxaqueca (para algumas pessoas a aura dura quinze minutos, para outras, várias horas), dirijo em meio a luzes vermelhas, perco as chaves de casa, derramo o que quer que esteja segurando, perco a habilidade de focar os olhos ou formar frases coerentes. A dor de cabeça propriamente dita, quando vem, traz calafrios, suor, náusea e uma fraqueza que parece forçar os limites do sofrimento. Para uma pessoa que está tendo um ataque, é uma bênção ambígua que ninguém morra de enxaqueca. (...) E uma vez que ela aparece, agora que a conheço bem, não luto mais. Deito-me e deixo estar. De início todo pequeno receio é intensificado, toda ansiedade é um terror esmagador. E então vem a dor, e me concentro apenas nela. Aqui está a utilidade da enxaqueca, aqui nesta ioga imposta, na concentração na dor. Porque quando a dor retrocede, dez ou doze horas depois, leva tudo com ela, todos os ressentimentos ocultos, todas as ansiedade inúteis. A enxaqueca atuou como um disjuntor, e os fusíveis emergiram intactos. Há uma agradável euforia convalescente. Abro as janelas e sinto o ar, com gratidão. Durmo bem. Percebo a natureza particular de uma flor em um copo no patamar da escada. Conto minhas bênçãos.”


“(...) Eu o questionava a respeito de pontos que pareciam inelutavelmente claros para ele. Ele parecia ser uma dessas pessoas, muitas das quais gravitam em direção às seitas pentecostais, que se deslocam pelo Oeste e pelo Sul e pelos estados fronteiriços, eternamente derrubando árvores em alguma região erma do interior, pioneiros secretos que andam pelos gânglios do palpitar eletrônico fantástico que é a vida nos Estados Unidos e continuam recebendo informação só através dos boatos mais tênues, do pinga-pinga casual. Dentro das convenções sociais pelas quais vivemos agora não há uma categoria para pessoas como o irmão Theobold e a congregação dele, a maior parte da qual é jovem e branca e se declara alfabetizada. Eles não são os possuidores nem os despossuídos. Eles tomam parte nas ansiedades nacionais somente através de um vidro escuro. Eles ensinam as filhas a evitar maquiagem e a cobrir os joelhos, e acreditam em cura divina e em falar em línguas. (...) Em certo sentido surpreendente, eles se mantêm intocados pelo saber comum e pela habilidade de fazer suposições rotineiras. (...) Nas regiões ermas do interior, a história não mancha ninguém de sangue, e não é coincidência que as igrejas pentecostais sejam mais influentes em lugares onde a civilização ocidental tem uma influência mais superficial.”


“Sempre quis ter uma piscina, e nunca tive. Há mais ou menos um ano, quando se tornou de conhecimento geral que a Califórnia estava sofrendo com uma seca severa, muitas pessoas em locais ricos em água pareceram obscuramente satisfeitas, e faziam diversas referências aos californianos tendo que cobrir as piscinas com tijolos. Na verdade, uma vez que tenha sido enchida e o filtro tenha começado seu processo de limpar e fazer a água circular, uma piscina não requer quase nenhuma água, mas o caráter simbólico delas sempre foi interessante: uma piscina é compreendida, de forma errada, como uma armadilha de abundância, real ou pretensa, e como uma espécie de atenção hedonista ao corpo. Para muitos de nós no Oeste, no entanto, uma piscina é um símbolo não de abundância, mas de ordem, de controle sobre o incontrolável. Uma piscina é água, disponível e útil, e é, como tal, infinitamente relaxante aos olhos do Oeste.”


“(...) Lembro-me de uma tarde de agosto em Chicago, em 1973, quando levei minha filha Quintana, então com 7 anos, para ver o trabalho de Georgia O’Keeffe. Uma das telas enormes de Sky Above Clouds de O’Keeffe flutuava nas escadarias traseiras no Instituto de Arte de Chicago naquele dia, dominando o que pareciam ser vários andares de luz vaga. Minha filha olhou para a tela uma vez, correu para o patamar e continuou olhando. (...) ‘Quem fez isso?’, sussurrou ela depois de um tempo. Eu respondi. ‘Preciso falar com ela’, disse Quintana por fim. (...) Minha filha estava fazendo, naquele dia em Chicago, uma suposição inconsciente, mas bastante comum, a respeito de pessoas e do trabalho delas. Estava supondo que a glória que viu na obra refletia a glória de sua criadora, que a pintura era a pintora assim como o poema é o poeta, que cada escolha que alguém fazia a sós — cada palavra selecionada ou rejeitada, cada pincelada lançada ou não — traía o caráter desse alguém. Estilo é caráter. Tive a impressão, naquela tarde, de ter visto poucas vezes uma aplicação tão instintiva desse princípio familiar, e me lembro de ficar contente não apenas porque minha filha reagia ao estilo como caráter, mas porque era ao estilo particular de Georgia O’Keeffe a que ela reagia: essa era uma mulher dura na queda que tinha imposto seus 192 metros quadrados de nuvens a Chicago.”


“Cada vez mais, à medida que a literatura do movimento começou a refletir o pensamento de mulheres que não compreendiam de fato sua base ideológica, tinha-se a impressão dessa interrupção, dessa desilusão, a impressão de que a perfuração do solo das teorias só atingira uma argila psíquica, densa de superstições e uns poucos sofismas, de satisfação de desejos, de autocomiseração e de fantasias amargas. Ler essa literatura, mesmo sem método, era reconhecer de imediato uma espécie de fantasma triste, uma ‘mulher comum’ imaginária, com quem as autoras pareciam se identificar por completo. Essa construção ubíqua era vítima de todo mundo, exceto de si mesma. Ela era perseguida até mesmo pelo ginecologista, que a fazia implorar por contraceptivos à toa. Precisava de contraceptivos sobretudo porque era estuprada diariamente pelo marido e, depois, na mesa do abortista. (...) Repetidas, as meias verdades acabam se confirmando. As fantasias amargas assumiam uma lógica própria. Questionar o óbvio — por que ela não procurou outro ginecologista, outro emprego, por que não saiu da cama e desligou o aparelho de televisão, por que ficava em hotéis onde só dava para conseguir lanches do serviço de quarto? — era aderir ao argumento no próprio nível fantasmagórico, um nível com uma relação tênue e infeliz diante da condição real de ser mulher. Nunca foi novidade que as mulheres são vítimas de condescendência, exploração e estereótipos de gênero, mas era novidade que outras mulheres não são: ninguém força as mulheres a comprar todo o pacote.”


“(...) Havia a crença no sucesso nos negócios como um ideal transcendental. (...) Havia a abordagem a problemas internacionais que interpretavam o mundo subdesenvolvido como uma área temporariamente deprimida e carente de programas (...) essas ideias, esses últimos estertores do darwinismo social, foram efetivamente compartilhadas por muitas pessoas que nunca se deram ao trabalho de articulá-las (...) Estava presente a jocosidade pesada, a retórica barroca que era de outra geração, um tipo de tentativa comovente de circum-navegar convenções sociais que tinham caído em desuso nos anos 1920. Esposas eram amorosas e tolerantes. Se reunir para beber era fazer um coquetel. A chuva era raio de sol líquido, e escolher uma mesa para jantar era tomar uma decisão executiva. (...) Aqui estavam algumas pessoas que tinham sido levadas a acreditar que o futuro era uma extensão racional do passado, que sempre haveria mundo e tempo suficientes para ‘voltar a atenção’ para ‘problemas’ e ‘soluções’. É claro que não iam admitir os temores incipientes de que o mundo não era mais daquele jeito. É claro que não iam se juntar aos ‘céticos da moda’. É claro que iam ignorar os ‘pessimistas sabichões’. No final de uma tarde, eu me sentei no saguão do Miramar, vendo a chuva cair e o vapor subir da piscina aquecida do lado de fora e ouvindo alguns Jaycees discutindo os distúrbios estudantis (...) Por fim, me ocorreu que eu estava ouvindo um verdadeiro submundo, a voz de todos aqueles que se sentiram não apenas chocados, mas pessoalmente traídos pela história recente. Era para ter sido a vez deles. Não foi.”


“(...) Éramos todos muito pessoais então, às vezes de forma implacável, e, naquele ponto em que ou agimos ou não agimos, a maioria de nós fica imobilizado. Imagino que esteja falando justamente disso: da ambiguidade de pertencer a uma geração desconfiada de arroubos políticos, a irrelevância histórica de crescer convencida de que o coração das trevas se encontra não em algum erro da organização social, mas no próprio sangue dos homens. Se o homem estava fadado a errar, então qualquer organização social estava fadada a ser um erro. Era uma premissa que me parecia correta o suficiente, mas que nos privou desde cedo de uma certa inclinação para a surpresa. (...) Éramos aquela geração chamada de ‘silenciosa’, mas não éramos silenciosos, como alguns pensavam, porque compartilhávamos do otimismo oficial da época ou, como outros pensavam, porque temíamos a repressão oficial da mesma época. Éramos silenciosos porque a euforia da ação social parecia, para muitos de nós, mais uma maneira de escapar do pessoal, de mascarar durante algum tempo aquele pavor da ausência de sentido que era o destino do homem.”


“(...) O lugar resiste às noções contemporâneas a respeito do que a arte é, deveria ser ou alguma vez foi. Hoje em dia, espera-se que um museu ilumine a imaginação destreinada, mas esse museu não faz isso. Hoje em dia, espera-se que um museu liberte a espontaneidade da criança em cada um de nós. Não é o caso. Essa arte foi adquirida para ensinar uma lição, e também há uma lição na construção que a abriga: o Getty nos diz que o passado talvez tenha sido diferente e não do jeito como gostamos de percebê-lo. Mármores antigos não eram sempre desbotados e gastos de uma maneira atraente. Mármores antigos surgiram um dia assim como surgiram aqui: como uma evidência estridente e opulenta de poder imperial, como aquisição. Murais antigos não eram sempre decorados, suaves e ‘de bom gosto’. Murais antigos foram um dia o que são aqui: uma espécie de sonho de um chefão da máfia. Fontes antigas um dia funcionaram, e sufocaram aquele mesmo silêncio que passamos a esperar e desejar do passado. Bronze antigo um dia brilhou ostensivamente. É desconcertante, mas o velho mundo um dia foi novo (...) Em uma época em que todas as nossas convenções públicas permanecem enraizadas em um tipo de romantismo exaurido, quando a celebração da capacidade natural do homem de se mover para a frente e para cima se tornou um tipo de tique oficial, o Getty nos apresenta um exemplo ilustrado da dúvida clássica. Ele nos informa que pouca coisa mudou. O Getty nos diz que nunca fomos melhores do que somos e nunca seremos melhores do que fomos. Ao dizer isso, faz uma declaração política bastante impopular.” 


“(...) Que o nível do rio esteja baixo não tem, no entanto, importância, já que uma das muitas peculiaridades da nova residência do governador é estar situada de forma a não ter uma visão clara do rio. (...) é difícil ver para onde foi 1,4 milhão. O lugar foi chamado de ‘Taj Mahal’ por Jerry Brown. E também de ‘elefante branco’, ‘resort’, ‘um monumento ao ego colossal do ex-governador’. Não chega a ser nenhuma dessas coisas. De maneira espantosa, é meio que uma versão ampliada de um tipo bem comum de casa californiana, um momento não a um ego colossal, mas a uma estranha ausência de ego, um estudo de caso na arquitetura de possibilidades limitadas, insistente e maldosamente ‘democrática’, achatada, medíocre e ‘aberta’, tão carente de privacidade ou de excentricidade pessoal quanto um saguão de hotel. É a arquitetura da ‘música de fundo’, dos decoradores, do ‘bom gosto’. (...) Fosse ou não um barril de pólvora, a antiga Mansão do Governador era, naquela época, minha casa favorita no mundo, e provavelmente ainda é. (...) tem escadas e espaços vazios, que são precisamente duas boas razões pelas quais continua sendo o tipo de casa em que seis garotas adolescentes podiam se reunir e jamais interromper a vida da família. Os quartos são grandes e privados e têm pé-direito alto. Não dão de cara para a piscina e é possível se imaginar lendo em um deles, ou escrevendo um livro, ou fechando a porta para chorar até a hora do jantar. Os banheiros são grandes e arejados. Não têm bidês, mas têm espaço para cestos de roupa suja, penteadeiras e cadeiras onde se senta para ler uma história a uma criança na banheira. (...) Ocorreu-me que enfim evoluímos para uma sociedade em que saber o que é um mármore para uso culinário, como o gosto por escadas e portas fechadas, podia ser interpretado como ‘elitista’.”


“Na Faculdade Estadual de São Francisco, naquela manhã, o vento soprava a chuva fria em rajadas sobre os gramados lamacentos e contra as janelas iluminadas das salas vazias. Dias antes tinha havido incêndios, aulas invadidas e um confronto com a Unidade Tática da polícia da cidade. Nas semanas seguintes, o campus ia se tornar o que muitas pessoas ficariam contentes de chamar de ‘campo de batalha’. A polícia, o gás lacrimogênio e as prisões ao meio-dia se tornariam rotina na faculdade, e toda noite os combatentes recapitulariam o dia deles na televisão: as ondas de estudantes avançando, a comoção no canto do enquadramento, os cassetetes reluzindo, o instante da câmera trêmula que servia para sugerir a qual preço a filmagem tinha sido obtida; então um corte para a previsão do tempo. No começo houvera o indispensável ‘problema’, a suspensão de um professor de 22 anos que, por acaso, também era ministro da Educação do Partido dos Panteras Negras, mas esse problema, como a maioria, logo havia deixado de ser o objetivo até mesmo na mente dos participantes mais idiotas. A desordem era o objetivo (...) Aqui na Estadual de São Francisco, só os militantes negros podiam ser levados a sério. Para todos os efeitos, eles estavam escolhendo as partidas, ditando as regras e extraindo que podiam daquilo que, para todos os outros, parecia apenas uma agradável fuga da rotina, da ansiedade institucional, do tédio do calendário acadêmico. Enquanto isso, os administradores podiam falar dos cursos. Enquanto isso, os radicais brancos, que não tinham nada a perder, podiam se ver como guerrilheiros urbanos. Esse jogo na Estadual de São Francisco era bom para todo mundo”


“(...) a salvação reside em compromissos radicais fadados ao fracasso, promessas feitas e mantidas fora do alcance da experiência social normal. Ainda acredito nisso, mas tenho dificuldade de reconciliar a salvação com aqueles exércitos ignorantes acampados na minha cabeça. Poderia me permitir aqui uma generalização um tanto preguiçosa, poderia dissipar meu estado de profundo choque emocional no colapso cultural mais amplo, poderia falar rapidamente das convulsões na sociedade e de alienação e de anomia e talvez até de assassinato, mas isso ia ser só mais um jogo de adivinhação sofisticado. Não sou a sociedade em um microcosmo. Sou uma mulher de 34 anos com cabelo longo e liso, um biquíni velho e mal da cabeça em uma ilha no meio do Pacífico esperando por um maremoto que não vai vir.”


“E aí, no exato instante de desalento em que parecia não haver ninguém disposto a bancar o proletariado, surgiu o movimento feminista e a invenção das mulheres como uma ‘classe’. Não se podia deixar de admirar a simplicidade radical dessa transfiguração instantânea. A noção de que, na ausência de um proletariado cooperativo, uma classe revolucionária podia simplesmente ser inventada, fabricada, ‘nomeada’ e levada a existir. (...) Se a família era a última fortaleza do capitalismo, então que a família fosse abolida. Se a necessidade da reprodução convencional das espécies parecia injusta com as mulheres, então deveria ser transcendida, com a ajuda da tecnologia”


“(...) Lá estava um homem que se movimentou pela vida acreditando que tinha o direito de esquecer e recomeçar, de abandonar mulheres quando se tornavam difíceis e acabar com amizades quando se tornavam entediantes. Ele simplesmente seguia em frente, descartando aqueles que faziam objeções como mesquinhos e ‘julgadores’, em geral intimidados pela visão superior e mais dinâmica dele das possibilidades humanas. O fato de haver uma ambivalência e uma falsidade nessa aptidão para se deslocar por fronteiras morais não passou despercebido, mas, na pressa de chamar a vida de ‘apenas humana’, suspeito que estamos ignorando o verdadeiro interesse dela, que é o da história social. (...) No auge da carreira, James Albert Pike carregou a cruz da paz (...) por cada matagal de charlatães da vida norte-americana”


“(...) Ter visto um filme de motoqueiros é ter visto todos, tão meticulosa é a maneira como os rituais são observados: tirar os motociclistas da cidade e colocá-los na estrada, ‘apostar uma corrida’, aterrorizar os ‘cidadãos’ inocentes, esgrimar com a polícia rodoviária e, por fim, encontrar a morte no fogo, em geral um fogo bastante literal, de fatalismo romântico. Sempre há aquele instante no qual o líder fora da lei se revela um herói existencial. Sempre há aquela sequência ‘perversa’ na qual os motociclistas fustigam alguma barreira de som psíquica, degradam a viúva, violam a virgem, conspurcam a rosa e a cruz, irrompem do outro lado e, uma vez lá, não têm ‘nada a dizer’. As imagens brutais toldam os olhos. A indiferença insensata de todos os personagens em um mundo de confusões rotineiras e mortes casuais assume uma lógica que é melhor deixar intocada. (...) Para imaginar o público para o qual esses sentimentos são ajustados talvez você mesmo tenha que se sentar em diversos drive-ins, frequentar a escola com garotos que se especializaram em consertos mecânicos e trabalharam em postos de gasolina que depois assaltaram. Filmes de motoqueiros são feitos para todos esses jovens de uma vaga estirpe ‘rural’, que cresceram alheios no Oeste e no Sudoeste, crianças cujas vidas inteiras são um rancor obscuro contra um mundo que acham que nunca moldaram. Cada vez mais esses jovens estão em todo lugar, e o estilo deles é o de uma geração inteira.”


Presentes no livro de ensaios “O álbum branco” (HarperCollins Brasil, 2021), de Joan Didion, traduzido por Camila Von Holdefer, páginas 53, 195+197, 110-111, 71-72, 143-144, 129 a 131, 105 a 107, 234-235, 85-86, 76+77-78+80-81, 41-42+44, 153, 124-125, 64 e 113-114, respectivamente.


Aforismos de Joan Didion em “O álbum branco”

“Contamos histórias para poder viver”

“As apreensões reais do que é ser mulher, as diferenças irreconciliáveis — aquela sensação de viver a vida mais profunda debaixo d’água, aquele envolvimento sombrio com sangue, nascimento e morte”

“É provável que nada tenda a prolongar tanto um ataque [de enxaqueca] quanto o olhar acusador de quem nunca teve uma dor de cabeça”

“Certos lugares parecem existir apenas porque alguém escreveu a respeito deles”

“Um daqueles autodidatas para quem todas as coisas específicas e pessoais se apresentam como campos minados a serem evitados às custas da coerência, para quem a segurança reside na generalização”
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“É uma vida tão segura nas suas preocupações tradicionais que os cataclismas da sociedade mais ampla só a perturbam como uma tempestade na superfície perturba o fundo do mar, muito tempo depois e de forma oblíqua”

“Um lugar pertence eternamente a quem quer que o reivindique com maior firmeza, que o recorde de forma mais obsessiva, que o arranque de si mesmo, que o molde, que o traduza, que o ame de maneira tão radical que o reconstrua à própria imagem”

“Uma espécie de ditadura das boas intenções, um contrato social no qual a discordância real e irreconciliável é um tabu tão grande quanto o fracasso ou dentes ruins, uma atmosfera desprovida de ironia”

“Aqueles que acreditam que a ilusão é real vivem aqui apenas da maneira mais temporária”

“Os ideais, reduzidos a escolhas entre o bem (igualdade é boa) e o mal (genocídio é mau), tendem a fazer até a conversa mais casual parecer uma manifestação”

Aforismos presentes no livro de ensaios “O álbum branco” (HarperCollins Brasil, 2021), de Joan Didion, traduzido por Camila Von Holdefer, páginas 11, 132, 195, 166, 33, 157-158, 167, 97, 72 e 96, respectivamente.

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