Pular para o conteúdo principal

Lançamento de Olhos abertos no escuro, o novo livro de Emmanuel Mirdad


Em Olhos abertos no escuro, Emmanuel Mirdad apresenta uma constelação de personagens complexos, situações extremas, solidão, romance, ironia e prosa poética.

Depois de lançar O grito do mar na noite, o escritor, produtor e coordenador da Flica Emmanuel Mirdad apresenta um novo livro de contos, aproveitando o momento de intensa produção literária. O plural, ácido e reflexivo Olhos abertos no escuro, com 268 páginas, sai pela editora baiana Via Litterarum, a mesma que lançou O grito do mar na noite em junho passado. Na capa, a bela fotografia de Sarah Fernandes (as fotos do autor a seguir também são dela, que assina como Libellule), tirada em Cachoeira, Bahia, durante a Flica 2015, na pousada onde os autores se hospedaram.

Olhos abertos no escuro contém 30 contos, sendo 18 inéditos, os mais curtos, alguns minicontos, em prosa poética, e mais os 12 melhores contos do livro Abrupta sede, lançado em 2010 também pela Via Litterarum, os mais longos, que foram revisados e reescritos, alguns refeitos quase por inteiro – Mirdad desconsiderou o seu primeiro livro, que foi feito em uma época que não era um escritor profissional. Os contos podem ser divididos em três linhagens: reflexivos e poéticos; sobre relações afetivas; e literatura policial.

Formando o contexto literário de Emmanuel Mirdad para a criação do seu novo livro, ele leu os contistas baianos Mayrant Gallo e Hélio Pólvora, o romancista português Gonçalo M. Tavares, o gênio da dramaturgia e crônica Nelson Rodrigues, e os mestres consagrados do conto: o russo Anton Tchekhov, o italiano Dino Buzzati e o francês Guy de Maupassant. Mirdad escreveu Olhos abertos no escuro inteiramente ao som do Hammock, duo norte-americano de ambient e post-rock.


Para o escritor Carlos Barbosa, que assina o posfácio, os contos de Emmanuel Mirdad são pontuados por “amor e traição, bebidas e drogas, insegurança e solidão, tédio e indignação, sarro e revolta, sexo e medo”, ou seja, “coisas da nossa contemporaneidade difusa e obscena”. Romancista baiano, autor de Beira de rio, correnteza, Barbosa explica que Mirdad “demonstra desapego à fórmula de sucesso”, “arrisca em forma e linguagem” e apresenta “cenas de um cotidiano citadino extraídas dessa condição contemporânea de violência, sexo e desorientação psicofilosófica” em “contos mais extensos, minicontos, prosa poética e alguns gritos sedentos (...) contribuindo muito para revelar a faceta arrojada do autor, que se expõe e se arrisca”.

Já para o escritor e roteirista Victor Mascarenhas, que assina a orelha, Olhos abertos no escuro é “uma coleção de contos que apresenta uma plêiade de personagens que vagueiam por aí, levando sua escuridão particular a qualquer hora do dia e da noite, assombrando e tirando o sono dos incautos leitores”. Contista baiano, autor de Um certo mal-estar, Mascarenhas questiona, citando os contos Ela não quis, Ingênio, Qualquer um e Impermanência, de Mirdad: “E quem haveria de dormir estando obcecado por uma ninfeta que nada na raia ao lado ou remoendo os anos dourados do sucesso fugidio? Pode acontecer com qualquer um e de que importa se acontece, quando somos todos assombrados pela impermanência ou pela erosão implacável do tempo?”

No posfácio da obra, Carlos Barbosa destaca o conto Botox, em que “o autor fez o mergulho no mundo das aparências e ilusões de poder e glória terrenos, tão valorizados em nosso tempo, revelando truques e tramas traiçoeiros que promovem ascensão e ruína social”. O contista baiano, autor de Obscenas, ressalta também os contos Sereno aceitar, “um reflexo patético de ilusão e aparência no extremo oposto da pirâmide social, com o mesmo objetivo e consequência: ascensão e ruína”, e Selvagem, com os seus “quatro exemplares parágrafos (...) guerra, sadismo, referências da crônica policial e dos seriados de tevê, descrições precisas, o homem preenchendo sua solidão noturna com a mais inútil das violências, matando a quem não morre”.


O conto que abre Olhos abertos no escuro é Absoluto, sobre como o ser humano pode destroçar a sua vida, progressivamente e sem controle, por conta de uma paixão obsessiva. Na linhagem dos contos sobre relações afetivas, destacam-se Amante, com as peripécias de um ser que atende às necessidades sexuais de diversas mulheres, cada uma com um motivo distinto que justifica a traição; Cinzas, retratando os seis dias de Carnaval de uma mãe solteira, com duas filhas pequenas, entre uma arrochada de camisola a uma fossa regrada ao brilhante filme Leviatã; o sensível Formigas, sobre um velho pai, doente e fraco, que observa a sua filha, laureada de prêmios, à beira de um riacho, frágil e trágica; e o psicodélico e surreal Alucinação, sobre uma peça de dominó que escapole do tabuleiro para o mundo dos homens indignada por uma jogada errada que vitimou o seu amor: Rita, a bucha de sena.

O conto Deserto poema é o que melhor representa a prosa poética e a linhagem dos contos reflexivos e poéticos de Olhos abertos no escuro, com as decepções do consagrado professor Belizário com a literatura e o encontro de um zumbi telepático, que oferece lições filosóficas a anjos e transeuntes carnais, com a empresária Aisha, cuja especialidade é faturar em cima de mitos burgueses. E na linhagem da literatura policial, destacam-se os contos Pássaros deliram, sobre a caça do delegado Mauro ao psicopata abominável Monstro, prolífico em sua matança desenfreada e o intento de exterminar a humanidade; e Adonias Chumbo, o policial corrupto em um rolezinho aditivado para vingar o cunhado Pedra 90 e salvar a famosa e querida deputada, sequestrada por quatro esfomeados canalhas.

Em Olhos abertos no escuro, há espaço também para o humor, como nos contos O barão do cagaço, em que um medíocre solitário ganha sozinho o prêmio de 47 milhões de reais e vai da euforia incontrolável à paranoia suprema (O que fazer? Quem procurar? Em quem confiar? Onde guardar o bilhete, única prova que dará acesso à vida de luxo e ostentação?); e o conto que encerra o livro, O Reino, sobre um conquistador barato que foge para a Chapada e confronta um adversário mais viril e poderoso: dois falos de pedra maciça encantada, brotados da terra, o mistério do sertão-montanha.


O título da obra foi retirado de uma passagem do conto do escritor baiano Mayrant Gallo, Gravidade, presente no livro O inédito de Kafka (Cosac Naify, 2003). Assim como fez no seu livro O grito do mar na noite (Via Litterarum, 2015), em que homenageou o escritor e mestre Hélio Pólvora, falecido este ano, Emmanuel Mirdad presta uma homenagem ao amigo Mayrant, e traz uma epígrafe dele, retirada de catorze livros, de contos a poemas, infantis e novelas, abrindo cada um dos seus 30 contos em Olhos abertos no escuro. Ao lado de Pólvora, Mirdad o considera seu principal mestre na literatura: “A partir de 2014, graças aos ensinamentos do amigo escritor e professor Mayrant Gallo, passei a ter uma rotina profissional na minha produção literária, com o cuidado com a palavra, coerência e precisão, e um hábito de leitura dos mestres e dos contemporâneos.”

Olhos abertos no escuro é a despedida de Emmanuel Mirdad dos contos, pois só se dedicará aos romances a partir de agora, uma escolha racional e planejada: “Acho que a Bahia está bem representada de poetas e contistas, mas os romances, as grandes histórias, estão faltando. É uma decisão pensando no mercado, no desinteresse total em escrever para o meu umbigo ou para os amigos”. Carlos Barbosa, no posfácio, analisa a decisão que, pra ele, é enfática: “Percebe-se o prazer de Mirdad em contar, o gosto pelo detalhe, pela exploração das possibilidades de uma cena e sua entrega à história que pede para ser contada, sem censura, com destemor. Aí está o germe do romancista, acredito. (...) Ao ler seus contos, fico com a impressão de que Mirdad está no caminho certo”.

Baiano de Salvador, de outubro de 1980, formado em Jornalismo pela Facom – UFBA, sócio-diretor da produtora Cali, Emmanuel Mirdad é um dos criadores, donos da marca e coordenadores da Flica, evento em que foi curador de 2012 a 2014. Autor dos livros O grito do mar na noite (Via Litterarum, 2015), de contos, e Nostalgia da lama (Cousa, 2014), de poesia, é também compositor e produtor cultural com mais de 15 anos de carreira.


Descritivo dos contos

1. Contos reflexivos e poéticos

Qualquer um
Qualquer um volta pra casa, depois do trabalho, e percebe que é só mais um medíocre solitário na multidão de medíocres, que vai morrer só e o seu legado é tão pífio que rapidamente será esquecido, por qualquer um.

Ingênio
Um astro da música brasileira rememora a sua importância para o público e imprensa, remexe as suas lembranças contraditórias e assume o fracasso de ser apenas uma caricatura "genial" que a sua carreira forjou no imaginário popular.

Sereno aceitar
Um solitário porteiro leva uma vida repetitiva e ordinária, até que um par de sapatos vermelhos importados provoca o fatal alumbramento repentino, forjando o mito do bacana em quem nunca deixou de ser medíocre — embora que ambos sejam ordinários, ao fim.

Despedaço
Um profissional, por conta do acaso, se fascina pelo pôr do sol. Outro, caminha pela areia da praia, de terno, desolado. Encontram-se, desabados. O que há de comum além da dor e da redenção?

Maestro
O mendigo Maestro, bem-humorado e carismático pensador, morador da calçada do açougue, é assediado para disputar as eleições, candidato-fantoche da vez.

Deserto poema
As decepções do professor Belizário com a literatura e o encontro de um zumbi telepático, que oferece lições filosóficas a anjos e transeuntes carnais, com a empresária Aisha, cuja especialidade é faturar em cima de mitos burgueses.

Brutalistas
Para-raios de malucos brutalistas: Cristal, Thiago, Andrômeda, Tavinho, Moloko Veloz, Mestre Ganja, Fuça-fuça, Peripinho, Xica, Virussapiens, Fantasma Comparsa, Carrapatos Suspensos, Mendigos Cheirosos e I’m tired, todos girando no balão frágil.

O barão do cagaço
Um medíocre solitário ganha sozinho o prêmio de 47 milhões de reais. E, na noite da revelação, vai da euforia incontrolável à paranoia suprema. O que fazer? Quem procurar? Em quem confiar? Onde guardar o papelzinho de merda, única prova que dará acesso à vida de luxo e ostentação?


2. Contos sobre relações afetivas

Absoluto
A assessora de imprensa Madá esbagaça a sua vida por conta de uma obsessão tresloucada pelo misterioso mímico de rua Absoluto, sem palavras, só gestos.

Ela não quis
Manuela, 15 anos, estudante. Davi, médico. Colegas de natação. Da sedução matreira da garota à proposta arriscada e cretina.

Formigas
O velho pai, doente e fraco, observa a sua filha, nobre e ilustre, laureada de prêmios e acúmulos de títulos, que está surpreendentemente frágil, à beira de um riacho, trágica.

Alucinação
Mataram a Rita! E uma das peças, apaixonada pela bucha de sena, irrita-se com a jogada tonta que vitimou a sua musa, e escapole do tabuleiro de dominó, iniciando a saga surreal da alucinação.

Derrame
O romântico nunca deixou de amar as mulheres que um dia declarou o seu amor libertário. De encontro em desencontro, o encanto de uma nova tentativa a livrá-lo dos desencantos da ilusão faminta, da reles possessão desesperada.

Como uma pedra
O marido descobre a traição da esposa e resume a sua mediocridade enquanto homem na obsessiva pergunta, a única que lhe interessa: "Vocês transaram?"

Cinzas
Os seis dias de Carnaval de uma mãe solteira, duas filhas pequenas, entre a arrochada de camisola no corredor do hotel para um strip-tease via Skype a uma fossa regrada ao brilhante esmagamento do indivíduo pelo Estado no filme Leviatã.

A farsa
Ele é um grande canalha que finge estar só. Ela é uma atriz que pergunta o que nunca poderá compreender. Não existe “nós” no “eu te amo”.

Amante
As peripécias de um ser que atende às necessidades sexuais de diversas mulheres, cada uma com um motivo distinto que justifica a traição.


3. Contos policiais

Vingança
O cadeirante espreita o gigante, munido de pólvora e chumbo, degustando pacientemente o prato cruel da vingança.

Pássaros deliram
O delegado Mauro caça o Monstro, um psicopata abominável, prolífico em sua matança desenfreada, e uma esfinge extremista: não deixa pistas, impressões digitais e o intento de exterminar a humanidade.

Adonias Chumbo
Um policial corrupto e o seu rolezinho aditivado para vingar o cunhado Pedra 90 e salvar a deputada caô, sequestrada por quatro esfomeados canalhas.

4. Contos longos / novelas

Botox
A empresária Marília, influente, estrategista, sagaz e bem-sucedida, dona da grife mais valorizada, enfrenta o inimigo implacável: uma doença terminal, repentina e voraz.

O Reino
O conquistador confronta um adversário mais viril e poderoso: os falos de pedra maciça da mãe Gaia. As “preda’ encantadas do sertão-montanha do Reino!


5. Contos curtos

Impermanência
Dois amigos conversam sobre a transitoriedade da vida — todos, sem exceção, passam.

Que seja duro enquanto sempre
O amigo sensato se encontra com o amigo de coração partido num bar de ponta de esquina. O acaso faz tocar a canção Por enquanto, na voz de Cássia Eller.

Selvagem
Moreno, armado com uma garrafa de água mineral, enfrenta uma barata cascuda na cozinha. Mas ela insiste em não morrer.

Play it again, Sam
Um pequenino exemplo da diferença no tratamento da opinião pública quando se trata de uma assassina negra e o desencanto do matador de aluguel Claudinho Tamagotchi.

Farfalla Solar
A borboleta da carne e cor do sol é uma musa que flutua e embasbaca o pobre homem da carne e cor do sol.

Sem dó
Uma mulher disposta ao matriarcado que não consegue arrumar um companheiro.

Fraseando
Uma patrulheira de redes sociais destila a sua inveja em posts corretinhos.

Hoje é sexta-feira 13
Um homem se torna extremamente sortudo no suposto dia do azar. Demais?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dez passagens de Clarice Lispector nas cartas dos anos 1950 (parte 1)

Clarice Lispector (foto daqui ) “O outono aqui está muito bonito e o frio já está chegando. Parei uns tempos de trabalhar no livro [‘A maçã no escuro’] mas um dia desses recomeçarei. Tenho a impressão penosa de que me repito em cada livro com a obstinação de quem bate na mesma porta que não quer se abrir. Aliás minha impressão é mais geral ainda: tenho a impressão de que falo muito e que digo sempre as mesmas coisas, com o que eu devo chatear muito os ouvintes que por gentileza e carinho aguentam...” “Alô Fernando [Sabino], estou escrevendo pra você mas também não tenho nada o que dizer. Acho que é assim que pouco a pouco os velhos honestos terminam por não dizer nada. Mas o engraçado é que não tendo absolutamente nada o que dizer, dá uma vontade enorme de dizer. O quê? (...) E assim é que, por não ter absolutamente nada o que dizer, até livro já escrevi, e você também. Até que a dignidade do silêncio venha, o que é frase muito bonitinha e me emociona civicamente.”  “(...) O dinheiro s

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão

Dez poemas de Carlos Drummond de Andrade no livro A rosa do povo

Consolo na praia Carlos Drummond de Andrade Vamos, não chores... A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour ? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-te — de vez — nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho. -------- Desfile Carlos Drummond de Andrade O rosto no travesseiro, escuto o tempo fluindo no mais completo silêncio. Como remédio entornado em camisa de doente; como dedo na penugem de braço de namorada; como vento no cabelo, fluindo: fiquei mais moço. Já não tenho cicatriz. Vejo-me noutra cidade. Sem mar nem derivativo, o corpo era bem pequeno para tanta