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Composições de Emmanuel Mirdad: Shining [com Artur Paranhos, Marcus Zanom, Hosano Lima Jr. e Fábio Vilas-Boas]


Primeira composição em conjunto da Orange Poem (autoria: Emmanuel Mirdad, Artur Paranhos, Marcus Zanom, Hosano Lima Jr. e Fábio Vilas-Boas), traz uma sonoridade diferente de groove rock, mas com solos diversos, do nervoso ao suingue, do blues-rock ao sintetizador psicodélico, intercalando com o groove pesado do baixo e muita plasticidade e rítmica nas interpretações vocais. O poema traz aquele ocasional "às vezes eu me sinto" que sempre nos interfere e provoca sérias reflexões internas. Terceira canção do EP Wide, lançado em junho de 2014 (e está presente no álbum Orange Poem, disponibilizado nas plataformas digitais em 2021), traz a voz suingada da múltipla Nancy Viégas (atual Radiola e ex-Crac! e Nancyta e os Grazzers).



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Shining
(Emmanuel Mirdad / Artur Paranhos / Marcus Zanom / Hosano Lima Jr. / Fábio Vilas-Boas)
BR-N1I-14-00010

Sometimes I feel so mute
A silence that risks giving meaning to nothing
I become alone to avoid breathing
What madness is the need to be there
Shining Lightening, go strike away from here

Sometimes I feel so numb
The wild system, the being, wide life
There are things to be done, but I don’t want to
The problem is that I have debts
Shining Lightening, smile I must

Where’s my amputated hand ... violating mercy in pages?
Where’s the meaning of existing suiciding the gifts?
Who’ll bring me the beliefs so that I forget them?
Who’s the person that putrefies the being created by me?

Sometimes I’m black
The colors that drill the minds
My galaxy that disturbs my fetters
It’s a shame it’s so fast
Shining Lightening, make me lie...


Faixa 03 - EP Wide (2014) | Faixa 15 - Orange Poem (2021) | Composta por Emmanuel Mirdad, Artur Paranhos, Marcus Zanom, Hosano Lima Jr. e Fábio Vilas-Boas | Produzida por Emmanuel Mirdad | Nancy Viégas - voz | Zanom - guitarra | Tadeu Mascarenhas - sintetizador | Fábio Vilas-Bôas - guitarra | Hosano Lima Jr. - bateria | Artur Paranhos - baixo | Mirdad - grito | Gravado, mixado e masterizado por Tadeu Mascarenhas no Casa das Máquinas, Salvador-BA | Encarte EP Wide: Glauber Guimarães | Capa 2021: Meriç Dağlı (foto) e Emmanuel Mirdad (design)



CONTEXTO

Em 2002, a Orange Poem estava muito bem acolhida no estúdio "Aquarius", que ficava na rua Macaúbas, no Rio Vermelho. No final de maio, a banda faria o décimo quinto ensaio no estúdio, do amigo Herbert Rangel (conhecemos o estúdio em 2001), celebrando a primeira "casa" da laranja de fato, após circular em dois ensaios no "Mutti Studio" (o primeiro estúdio que entrei na vida em 1997, conhecendo o que era ser uma banda de rock com a Raska de Álvaro M. Valle, que viria a ser o 2º baixista TOP), três ensaios pelo caro com poucos recursos "Sonar" e dez ensaios e muita história para contar no "JAM Studio" do final de linha da Pituba (a estreia da banda, rotatividade de três baixistas, ensaios madrigais e as confusões das caronas e horários – deixamos de ensaiar lá porque o baterista Hosano reclamou do aumento no preço do ensaio sem nenhuma melhoria nos equipamentos).

O "Aquarius" sempre tinha uma energia positiva no ar, que deixava a banda tranquila para fluir a psicodelia do som laranja. Era a casa do poema mesmo, adorávamos tocar por lá! E, na sincronia precisa, ainda ajudou a solucionar o nosso recorrente problema com baixistas. Depois das idas e vindas de Rajasí Vasconcelos e Álvaro M. Valle, do fracasso com Cedric Romano e da falsa esperança em Paulo Suzart, fora os diversos contatos perdidos e negados (Caio Mutti, Maurício Uzêda, etc.), a vaga da vez do baixo laranja estava com um rapaz bem mais novo que os demais músicos (na verdade livrou-me da alcunha de caçula do poema, pois Hosano é de 1974, Fábio de 1976 e Zanom três dias mais velho que eu, librianos de 1980), mas promissor. Seu nome era Artur Paranhos, nascido em julho de 1983.

Mirdad e Fábio Vilas-Boas no estúdio Aquarius em out/2001.
Foto: Mark Dayves


Sábado, 4 de maio de 2002. Como sempre, eu e Fábio na saga de resolver o problema do baixista TOP. A indicação da vez era Miguel Hoisel, conhecido do guitarrista. Fomos até a reservada casa dele em Alto do Coqueirinho, perto de onde morava Zanom. Ao apresentarmos o som, Miguel não curtiu. Ao saber do projeto, discordou:  "Os gringos querem que uma banda de brasileiro toque as influências do seu país, como misturar com percussão e temas tribais, assim como o Sepultura fez em ‘Roots’". Pra sacramentar o abismo, concluiu: "O baixista que não for groovento é um péssimo baixista... não se pode pensar baixo sem groove... se não tiver groove, é primário". Não era o que eu buscava. Queria transcendência, não balanço.

Muito chateado, queixei um almoço na casa do companheiro de luta Fábio (Hosano e Zanom apenas tocavam e nada mais) e fui quebrando a cachola até à Pituba, em busca de uma nova opção. Ao chegar no apt 101 do Edf. Cosdam, onde morava o guitarrista, liguei decidido a convocar de novo a indicação de sub de Álvaro, que Zanom vetou enfaticamente após testá-lo em um ensaio. A sincronia impediu; tanto o telefone da casa, quanto o celular de Felipe "Barão" chamou até cair. Desânimo pra mim, uma estranha calma de Fábio, talvez pelo calejamento de fracassos com testes para baixistas.

A seta vermelha indica onde ficava a entrada do estúdio Aquarius, que deve ter sido incorporado ao estabelecimento ao lado e a porta virou parede.
Imagem: Google Maps


Depois do almoço, fui operado pela sincronia. Abruptamente, bateu-me a ideia sem noção: telefonei para Herbert do "Aquarius"e perguntei se tinha alguma banda ensaiando. O amigo confirmou, ensaio até às 18h. Perguntei: "e o baixista toca bem?". Herbert disse que o menino era de uma banda de uns "meninos raivosos" de cover, e que tinha uma boa pegada. Wow! Pra mim, ao ouvir "de cover", foi a chave – pensei: é uma banda sem futuro, sem sonhos, pois um trabalho próprio é que vincula o músico jovem à banda, e não uma brincadeira de colégio. Catei Fábio e chegamos ao "Aquarius" às 17h – o guitarrista surpreendeu, pois ele normalmente falaria "vá lá você e ajeite tudo sozinho porque eu estou cansado".

Surpresa: a tal banda de "meninos raivosos" era a Blind, power trio do vocalista e guitarrista Thiago Ereias, primo de Bruno, meu vizinho no Edf. Bilbao. De vez em quando a gente se encontrava no play e conversava sobre rock e os caminhos das nossas bandas. O engraçado é que a Blind sempre estava à frente da laranja (gravaram um demo primeiro, já faziam shows) e Thiago tirava sarro: "Não gravou o CD ainda? Não fez show ainda? Que moleza é essa?". Aproveitei a intimidade e assisti a hora restante do ensaio dentro do estúdio. Brinquei bastante com os músicos, agitando, pulando, tudo para disfarçar uma criteriosa análise do baixista. Notei que o menino magro tinha uma boa postura (lembrou-me Stefan Lessard, baixista da Dave Mathews Band) e não errava nota alguma, sempre constante e sem esmorecer as bases.

Zeco (o Boni da Falsos Modernos, 3º na foto) ficou sem banda pra tocar num festival em 2002 e a Blind (da esquerda pra direita, Thiago e Artur) quebrou o galho (completando a banda, Henrique Britto, que foi baterista da Pangenianos).


Xereta, pedi que tocassem um hardcore bem pesado para testar a velocidade. O "sequinho" passou bem no teste, sem perder o ritmo. Continuei interferindo e pedi para que tocassem uma balada. O baixista passou também; tinha um feeling sensível, melodioso, excelente indicativo para as músicas viajandonas da laranja. Por fim, captei que ele aprendia fácil as músicas novas. Por mim, aprovado. Fábio, que ficou do lado de fora o tempo todo, nem um pouco a fim de estourar os ouvidos com o som raivoso do power trio, deu uma pequena olhada pelo aquário e aprovou Artur somente pelo visual – segundo o pastor, com uma vasta experiência filosófica, um olhar já basta. Herbert profetizou que o magro era promissor, seria um excelente músico em um futuro próximo – acertou.

18:15h. Em menos de cinco minutos, convidei Artur Paranhos para ser o baixista do Orange Poem. Expliquei que o projeto era profissional e para exportação, que os músicos eram tarimbados e se ele fosse tocar com a laranja, iria evoluir muito mais do que na Blind – banquei o escroque capitalista. Um discurso agressivo, que fez Artur ponderar: "Na segunda, você me mostra o som". Deu o telefone de sua casa e se mostrou profissional ao conversar sem nenhuma empolgação de "menino raivoso" – ganhou muitos pontos com isso (a ausência de deslumbre sempre conta muito para mim).

Artur Paranhos em 2003 – Foto: Mark Dayves.


ARTUR, LARANJA

Segunda, 6 de maio de 2002. À noite, depois de um dia puxado na Facom/Ufba (era a última semana do semestre, cheia de trabalhos e provas), ia rolar a audição do som laranja para Artur, que morava na Pituba, assim como eu. Estacionei meu carro na saudosa praça Igaratinga (em meados de 1996, às vezes ficava distante dos amigos, tocando sozinho nos bancos dessa praça canções de Bob Marley) e subi ao apê 1301. Encontrei o baixista ouvindo a banda baiana Inkoma (origem da cantora Pitty).

Artur estava com a farda do [hoje extinto] Colégio Drummond (o mesmo em que fiz todo o ginásio, de 1992 a 1995, nerd de óculos no meio de pichadores, maloqueiros e alguns marginais – e eu sofri tal qual um filme norte-americano), onde fazia o terceiro ano em 2002. Disse que estava procurando um vocalista para um projeto que estava montando, pra tocar em formatura, num repertório que misturava forró, pagode, pop, axé e até Blink 182.  Ou seja, em 2002, já era o mesmo eclético músico e produtor da atualidade.

Artur Paranhos psicodélico – Arte: Mirdad.


Alertei que o som laranja não tinha nada a ver com o que ele estava ouvindo (Inkoma), e que era mais suave e às vezes pesado. "Last Fly" no play bastou. O som foi muito bem aceito por Artur. Mas nesse primeiro contato com o repertório, percebi que ele curtiu mais as pesadas, especialmente "One and Three". E não houve uma pergunta formal. De violão em punho, ensinei para Artur (de baixo em punho) os arranjos de Rajasí Vasconcelos para "Wideness" e "Last Fly" (obriguei todos os baixistas a tocarem esses arranjos criados no começo de 2001).

Das 20h às 22h, Artur Paranhos conheceu o som e o projeto laranja. Aceitou sem problemas as condições do poema, afirmando que estava assumindo um compromisso importante e que não iria sacanear como o titular anterior tinha feito, ou desistir por motivos de estudo como o sub mais recente (e de fato cumpriu, desistindo por motivos profissionais em 2005 e retornando em 2006). Na maluquice da época, alertei que ele precisava de um codinome curto, como os demais (Fábio era saint, eu era lunes, Hosano era howl e Jesus era zanom – o único que vingou). Artur informou que tinha muitos apelidos, tais como "tutu", "tutuzinho", "Artur do cavaco", "calango" e outros mais esdrúxulos e prosaicos. Contive a risada e decretei: "Você será o lord" – talvez pela postura ereta, magra e de nariz protuberante, pensei nos lordes, mas debochado como sempre foi e legitimamente um xibiateiro baiano, o apelido nunca serviu.

Artur Paranhos no 3º show da Orange Poem no Havana Bar em 2003 – Foto: Gabriel Franco.


No dia seguinte, passei de surpresa no apê de Artur e fiquei surpreendido: ele estava estudando as músicas laranjas e já tinha tirado três do repertório! O eclético (na estante, CDs de Pixinguinha, tango, rap, Soulfly, Pink Floyd, Chico Buarque, Harmonia do Samba, etc.) contou que tinha se encontrado com um colega que ficou muito impressionado: "Porra, véi, você vai tocar com aqueles monstros? Tu não vai aguentar, a galera toca muito!". Adorei! Era a confirmação de um excelente pressuposto: o menino que tocava em uma banda colegial é promovido a uma banda profissional e dá o máximo de si porque seu trabalho foi reconhecido. Pois foi o que realmente aconteceu. Artur entrou na laranja como o músico mais limitado e se tornou o músico mais técnico, o único que seguiu carreira profissional na música, até mesmo na universidade.

Nos ensaios preparatórios, emprestei meu baixo quatro cordas para Artur, para que ele o ajustasse e desse vida para o instrumento (encalhado no meu armário). Foi o início de uma longa relação, em que o amigo tocou com ele em vários ensaios e shows, chegando a comprá-lo de mim por uma pequena quantia. E Artur Paranhos estreou no Orange Poem na quinta, 23 de maio de 2002, 29º ensaio TOP no estúdio Aquarius.

Artur Paranhos toca no baixo que foi de Mirdad no 57º ensaio TOP em 2004.


O clima estava bem descontraído, Artur bem à vontade. Tirei um sarro de Zanom: "Você é irmão de Artur, são muito parecidos fisicamente, inclusive esse nariz de papagaio-tucano". O guitarrista não fez cara feia e rebateu a la Itapuã: "O que é, seu Freddie Mercury frustrado, sem voz, mas com viadagem?" – herança da perturbação de Álvaro. E o repertório foi revisado pela ordem. O baixista não errou nenhuma nota, aprendeu "The Green Bee" e "Child’s Knife" com incrível rapidez e deixou os guitarristas bem à vontade, para entupirem as músicas de improvisos. Até Zanom, o encrenqueiro de sempre, aprovou veemente o garoto pródigo.

PS – Na época de pré-ensaios com Artur, reencontrei o Thiago da Blind, e foi minha vez de tirar um sarro: "Não se chateie não, vou mandar um abraço à sua banda nos shows, agradecendo o baixista que nos forneceu ... se você quiser, para compensar a perda de Artur, indico a Blind para a gravadora ou lhe forneço a vaga de roadie do TOP".

Artur e Zanom em 2004.


ORIGEM

Noite de uma terça-feira, 28 de maio de 2002, 30º ensaio da Orange Poem no estúdio "Aquarius" – segundo ensaio com a presença de Artur Paranhos. Nessa época, a banda tinha o repertório do 1º CD afiado (mesmo com a entrada recente do novo baixista), ansiava por fazer shows (o 2º show nosso só rolou em outubro!) e eu já começava a formular o embrião do próximo CD, esperando que os companheiros laranjas compusessem em conjunto, algo inédito no projeto – a exceção era "One and Three", feita com o guitarrista Fábio Vilas-Boas.

O ensaio foi sensacional: satisfação geral, aprovação sincera e muitos aplausos para a ótima performance do novato Artur. Revisamos o repertório por completo e ainda faltava uma hora para terminar o período. Zanom sugeriu para tocarmos de novo o repertório. Fui contra e o bluesman de Itapuã assumiu o microfone e puxou, perfeitamente acompanhado por Artur, vários blues consagrados instaurando a tradicional jam blues laranja. Até Fábio, que não curtia tocar covers, solou certinho e se divertiu muito – clima fantástico nesse 30º ensaio!

The Orange Poem em 2003 – Foto: Mark Dayves.


E tome-lhe covers! Nessa época, estávamos montando o repertório para show, e reservamos cinco vagas para os covers. Eu sugeri uma inusitada versão para "Daddy" (amo esta canção) da cantora canadense Jewel, Fábio propôs "New Year’s Day" do U2, Zanom veio de "Since I’ve Been Loving You" do Led Zeppelin, Hosano ficou indeciso (bem característico dele: "Qualquer uma, cara, qualquer uma tá bom") e Artur pediu um blues desconhecido. Nunca tocamos nenhuma delas.

Quando os músicos se cansaram de tanto blues (até a plateia de hoje – José Bonifácio, amigo de Artur, o Zezinho da SG ou Zeco [da foto em que a Blind salvou sua pele em 2002], guitarrista conhecido meu e de Zanom, curtidor do bom rock’n’roll e música de qualidade em geral, letrista, que veio a fundar a Pedradura junto a mim, Artur e Edu, e hoje é o Boni da Falsos Modernos, vocalista e guitarrista – cantou "Rock das Aranhas" de Raul Seixas), eu fiz uma inédita sugestão: "Vamos compor uma música agora, todos juntos, aproveitando esta ótima harmonia/energia; chega de tirania do vocalista, vamos lá, comece Jesus" – como eu chamava Zanom na época.

Artur e Zanom em ação no 3º show TOP em 2003.


Eu sabia que o guitarrista era um ótimo compositor de riffs. Assim que pedi, ele tocou um riff novo. Artur compreendeu a mensagem e criou toda a base, acompanhado por Fábio, que ficou solando. Hosano sacou o groove e puxou um funk, mas eu intercedi e pedi pra rockar mais, estilo anos 70. A aura blues apareceu e eu criei uma melodia em cima de palavras sem nexo, só para marcar a métrica. Surgiu um groove blues rock’n’roll e eu dividi a canção em quatro partes. As duas primeiras estrofes e a última eram iguais, e a terceira deveria ser totalmente diferente, no estilo da caída louca do poema progressivo, tipo a parte jazz de "The Green Bee".

Artur compreendeu a mensagem experimental e trouxe uma harmonia jazz. Zanom acompanhou o improviso do baixista e Hosano sacramentou a batida jazzística. Perfeito! Fábio fez solos contundentes e, ao meu comando, nasceu a primeira composição da banda Orange Poem no repertório laranja. Brilhante! Batizei-a de "Shining". O único revés foi que não gravei esse momento único, deslize crasso.


Não lembro a data precisa de quando escrevi a letra. Nem sei se foi antes de maio, ou se foi a necessidade de letrar a nova composição em conjunto que me fez fazer o poema. Algo raro essa falta de documentação. Mas o que me lembro é que escrevi a letra na Facom em 2002, não sei se em aula ou no intervalo, mas é a única lembrança que tenho de ter escrito uma canção na sede do curso de Jornalismo da Ufba. Lembro-me de estar no banco próximo ao Centro Acadêmico e um "às vezes eu me sinto" surgiu pela sincronia, guiando a materialização da mensagem do poema "Shining".

Antes do 2º show The Orange Poem em outubro de 2002, na Facom/Ufba – estreia de Artur em shows laranjas. Foto: Rodrigo Minêu.


NO REPERTÓRIO... COMO LADO B

Em 2001, ao compor novas músicas como "The Unquietness" e "Rain", mexi no 1º repertório e incluí as novatas excelentes. Não conseguimos gravar um demo que prestasse em outubro e só iríamos tentar de novo em julho de 2002. Pois me impressiona que a euforia da criação conjunta de "Shining" não me fez incluí-la no repertório de "Shining Life, Confuse World" (e nem os músicos laranjas solicitaram isso). Se as doze eram imutáveis, bastaria acrescentar mais uma. Mas não. A única composição da Orange Poem foi direto pro 2º repertório. Junto à pesada "Excited Happiness", foram as únicas presentes em ensaios preparatórios para os shows que tentamos fazer em 2002 depois da estreia de janeiro – no único que rolou, não tocamos nenhuma das duas.

Meados de 2003, estávamos registrando ensaios em vídeo para um DVD demo. Resgatei "Shining" para encerrar o tal DVD, na hora da rolagem dos créditos finais. No 48º ensaio TOP de 25/07, a banda foi pega de surpresa com minha indicação, inclusive eu próprio, que só me lembrava de um verso da letra – em cima deste, cantou três, no maior improviso cara de pau. Mas quando estava editando o bicho na terça 26/08, tive de limar "Shining", porque o tempo total estourou tudo e a canção acabou pagando o pato. Nessa mesma data, registrei no escritório da Biblioteca Nacional em Salvador o caderno de partituras "Innocent Child in a Dangerous Quest", com "Shining" e mais dezessete composições.

Trecho inicial da partitura de "Shining", transcrita de punho pela mãe de Mirdad, Martha Anísia, registrada na Biblioteca Nacional no caderno "Innocent Child in a Dangerous Quest".


BRILHANDO NOS SHOWS

"Shining" continuou a aparecer nos ensaios do primeiro semestre de 2004. Com a série de shows "Agente Laranja Gueto Cultural" agendada para os domingos no Tangolomango Bar, a agitada canção do grupo foi escalada no repertório – era uma das poucas com cara totalmente de show, crua e direta (era difícil executar a face psicodélica em um show comum em barzinho; precisávamos de uma elaboração maior, em teatro, com projeção, etc.).

Por ser democrática, com espaço de solos para todos, "Shining" foi utilizada para apresentar os músicos. No DVD demo "Live at Tangolomango Bar", contendo o melhor que rolou nos sete shows do "Agente Laranja Gueto Cultural", "Shining" ficou registrada na versão do 7º show (29/08/2004). Segundo o repertório, a canção abriria uma parte pesada do show, seguida de "One and Three" e "Dubious Question", mas naquele momento não havia clima algum para peso ou bate cabeça. Então, gastei preciosamente o tempo restante do show apresentando a banda. No final de "Shining", conduzi a exibição de cada músico.

7º show The Orange Poem em 29/08/2004 - Foto: Jamille Magalhães.


Com Fábio, brincamos de subir e descer escalas; fiz floreios horríveis com a voz tentando acompanhar as notas da guitarra. Com Zanom, deixei-o à vontade, e o itapuãzeiro fez um longuíssimo solo blues crazy (uma enorme versão do que ele registrou na gravação final). Como foi um solo sem muita inspiração, pedi que ele mostrasse ao público sua faceta João Bosco. Zanom fez um bom floreio voz & solos a la MPB e o clima amistoso no bar continuou a fluir. Passei a bola pra Artur que, um pouco inibido, mandou um groove interessante, mas muito aquém do que poderia ter feito. Terminei a papagaiada em Hosano, que assumiu o posto de melhor músico laranja da noite, destruindo no solo como nos velhos tempos.

PS - Essa interminável "Shining" consumiu 15 minutos.


CONSTRUÇÃO

Groove. A ausência dessa palavra mágica na laranja evitou qualquer possibilidade do baixista Miguel Hoisel tocar na banda em 2002. E, ironicamente, 24 dias depois, definiu o gênero da única música composta pela banda Orange Poem. O som do poema sempre foi psicodélico progressivo, com pitadas de blues e rock’n’roll. Como produtor, sempre cortei qualquer lembrança de swing, mesmo que os músicos laranjas, principalmente Artur e Hosano (Zanom também) sempre deram um jeitinho de passar som nos ensaios ou shows tocando algum groove. Mas "Shining" surgiu, naquela alegria toda de final de 30º ensaio, e foi ficando.

10º show The Orange Poem em 10/10/2004 - Foto: Jamille Magalhães.


Revelou-se fundamental para a temporada de shows, perfeita para ser tocada ao vivo, enérgica. E foi um trunfo nos ensaios, sempre bem tocada pela banda, elevando o astral dos músicos ou acordando-os de alguma maresia provocada pelo cansaço do dia a dia. Mas não entrou no repertório do nosso 1º CD, que foi gravado no verão de 2004-2005. E ficou ali, de lado B, como uma carta na manga.

No desenrolar de 2005, bateu uma grande frustração com o 1º CD que, aliado ao cansaço da face pesada da banda, confirmou meu preconceito com "Shining", mesmo ela sendo a única feita pela banda (na verdade, único motivo dela não ter sido descartada como sua colega de agitação "Excited Happiness" foi porque era [e é] o resultado concreto de nossa união enquanto banda, algo que sempre quis que fizéssemos mais, e nunca consegui desenvolver). A sonoridade da canção nunca me pegou de fato, sendo uma das que menos curti, ainda mais quando entrei na fase "só presta a psicodelia na Orange Poem".

"Sleep in Snow Shape", o 2º CD TOP, entrou na pauta. "Shining", presente nesse segundo repertório desde maio de 2002, quando foi criada, continuou, lá embaixo, nas últimas tracks (um pouco perdida das demais canções, encontrou refúgio no final do álbum, algo parecido com o que aconteceu com "New Help" no 1º CD). "Foi ficando" define bem. Depois de uma breve passagem de Fabrício Mota como baixista TOP nos shows em Maragogipe e Laranjada Rock, Artur Paranhos estava de volta, como músico convidado, para gravar no 2º CD (topou fazer de boa, na camaradagem, só porque curtia o som e sentia que a Orange Poem era sua banda – voltou no 89º ensaio, em 16 de dezembro de 2005).

Orange Poem (sem os guitarristas) no canjão de despedida de Hosano Lima Jr. que rolou no Tangolomango Bar em 15/07/2006 (o baterista se mudou de Salvador para Jundiaí-SP).


2006 chegou e março veio veloz, com a gravação agendada de novo no "Casa das Máquinas" de Tadeu Mascarenhas (gravamos lá o 1º CD) e os ensaios 90, na última casa do Orange Poem, o estúdio das galinhas (ficava no quintal de uma casa antiga, única que permanecia em pé contra a especulação imobiliária que devorava o bairro até então residencial), do camarada Léo, no final da Paulo VI já no Caminho das Árvores – próximo à casa da família de Rodrigo Pinheiro, o cantor do Sad Child e Besouros do Sertão que gravou no EP Unquiet do TOP. Na terça 21/03, 92º ensaio, Artur apresentou um arranjo mais veloz para "Shining", com mais notas, mais gruvado, numa evolução técnica que surpreendeu os laranjas (foi a tônica de dois e mil e seis: "rapaz, Artur tá foda!") e que acabou registrando no álbum (hoje em dia considerado nota pra caralho, poderia ter sido menos).

"Shining" estava praticamente pronta e foi a música que menos exigiu preparação (o amigo Rajasí Vasconcelos, 1º baixista TOP, esteve presente ao 97º ensaio em 25/04 e conheceu as novas músicas. A que mais gostou foi o groove rock "Shining").

Hosano Lima Jr. grava em "Sleep in Snow Shape" em abril de 2006.


GRAVAÇÃO

Final de tarde de uma quarta-feira, 26 de abril de 2006, 1ª sessão de gravação do álbum "Sleep in Snow Shape". O baterista Hosano Lima Jr. tinha acabado de chegar quando o meu ford Ka "Black Bee" estacionou na ruela do primeiro endereço do "Casa das Máquinas", no Rio Vermelho. Sincronicamente o baixista Artur Paranhos surgiu andando – veio de ônibus diretamente da Escola de Música da Ufba. Sua presença foi requisitada para orientar e auxiliar no groove, principalmente em "Shining", que não tinha meu violão base.

Hosano estava "de rango", nem tinha almoçado. A sorte foi que eu tinha levado uns biscoitos, caso a fome batesse. Alguns pedaços depois, até que deu pra disfarçar. Já na antessala do estúdio (vide sobradinho da casa), os laranjas foram avisados pelo cantor Álvaro Lemos que teriam de esperar Tadeu terminar a gravação da bateria da banda que estava produzindo – foi um atraso de meia hora. Ruim? Nada disso! A outra banda estava gravando justamente a bateria. Ou seja, quando começasse nossa sessão, encontraríamos a batera toda montada e equalizada, sem precisar gastar tempo/dinheiro laranja pra isso. Pra passar o tempo, Artur ficou contando suas aventuras sexuais.

Hosano e Artur na gravação de "Sleep in Snow Shape" em 2006.


Devidamente instalados e com o som passado, perguntei qual era a música que o baterista queria gravar primeiro. "Aquela que a gente tocou com metrônomo ontem, a que Rajasí mais gostou" (a única canção que ele escolheu pra gravar foi esta; depois, deixou a ordem de gravação ao meu encargo). Respondi: "Vai, Artur, puxa aí "Shining", com muito groove". E o metrônomo (neste álbum rolou!) em que beat? Putz, esqueci o papel com os tempos. Adivinhar é preciso! Como me lembrava vagamente, pedi, com clareza e cagada de acerto, "132, Tadeu". Começamos o "Sleep in Snow Shape".  

O que aconteceu com a primeira música foi o resumo do que rolou em toda gravação: Hosano gravava as músicas por inteiro e errava algumas vezes. Ouvia o que tinha feito, pra todos analisarem e detectarem erros, e retornava à sala pra regravar pedaços aqui, pedaços acolá. Preocupado em não perder o ritmo, travou muito a criatividade. Foi um baterista exato, mas sem o brilho e inovações/surpresas dos ensaios e shows. Sua desculpa, que tinha um fundo de verdade, era que as músicas desse álbum eram mais quadradas, não forneciam o espaço experimental do primeiro álbum.

Artur Paranhos grava no "Sleep in Snow Shape" em 2006.


Artur Paranhos gravou "Shining" na quinta, 11 de maio, 5ª sessão do "Sleep in Snow Shape". Diferente de Hosano, foi a última música que gravou. Semelhante ao batera, fez no esquema de grava tudo e depois remenda, sendo econômico onde "deveria descer a mão" e exagerado onde devia ter se segurado. Na parte do seu solo, reprovei vários takes. Ao fim, ele não conseguiu superar o solo espetacular do 97º ensaio TOP, aquém do tão incensado e celebrado músico que arrasou nos ensaios preparatórios. Não tinha jeito; esse tipo de música, baseada no groove, tem que ser registrada ao vivo, todo mundo tocando junto, curtindo a energia, o feeling – só assim pra captar todo o brilho criativo dos artistas.

Final de tarde da sexta 26/05, 10ª sessão e o guitarrista Fábio Vilas-Boas a postos para gravar "Shining". Investimos 12 minutos à procura do timbre perfeito. Tentamos os pedais de Tadeu. Nenhum funcionou por causa do tipo de som da guitarra Crafter de Fábio. O jeito foi gravar com algum timbre do velho (e eficiente) módulo Digitech RP-01 mesmo. Testamos vários timbres, até encontrar um bom. E Fábio gravou com facilidade o riff base da canção, que já conhecia e tocava bem desde 2002. Quinze dias depois, novo final de tarde de uma sexta, Fábio resumiu: "Essa eu já conheço de outros carnavais". Assim, com excelência e rapidez, gravou seus solos em "Shining".

Módulo Digitech RP-01 igual ao de Fábio Vilas-Boas.


Última música da 13ª sessão em 12/06, gravei num tapa a voz na velha conhecida, lascando a garganta nos lugares exatos, aproveitando que era o fechamento. Nada como reviver, mesmo que brevemente, o rock’n’roll de antes. E Zanom gravou sua guitarra base depois do São João de 2006, na quarta, 28 de junho, 15ª sessão. Na beira da pausa do almoço, indiquei "Shining". Uma escolha certeira de timbragem e efeito deu vida ao riff da introdução, o que originou a música. No restante, uma groove guitar e o solo do final criado hoje mesmo, no esquema funky de pouca nota e muito swing. Gostei! – principalmente pelo contraste enorme com o solo de muita nota de Fábio, essa diversidade excelente tão característica da laranja.

Na terça, 11 de julho de 2006, 17ª sessão, revi o rasta Fabrício Mota. Que felicidade reencontrar o amigo gente fina, tão inteligente e simpático! Não o via desde o último show TOP, em outubro de 2005 – o contato foi mantido por esporádicos scraps no Orkut. Escalado como participação especial no "Sleep in Snow Shape", veio gravar um pandeiro no final de "Shining". Pandeiro? Que maluquice é essa? Fabrício é baixista! Pois é, na maluquice daqueles dias, achei que ficaria interessante colocar uma percussão pela primeira vez no som laranja. Não estávamos gravando um groove pela primeira vez? Por que não colocar também um som legitimamente baiano? E Fabrício só foi escalado porque eu queria ter um registro dele no CD, não importava o que fosse.

Fabrício Mota grava no "Sleep in Snow Shape" em 2006.


O rasta ouviu rapidamente "Shining", pouco tempo para estudar algo. No improviso total, gravou vários takes. Por fim, o cirurgião Tadeu fez a edição e o solo ficou pronto. Na doideira, aproveitando o embalo, pedi para que ele gravasse o pandeiro em "Madness" também, a canção que ele tinha mais curtido do 2º CD. Como tinha um buraco na volta do 2º refrão, foi aí que ele gravou mais uma faixa. Mais improvisado que antes, com Tadeu sendo contra, Fabrício criou uma dinâmica ótima, que encantou e acabou ficando. Pronto. Mal sabíamos que esse arranjo de improviso foi o que ficou, não como "Madness", que foi descartada, e sim como a versão em português "El’eu" (uma das 50 selecionadas no Festival da Educadora FM em 2007), eternizada no EP ID (ouça aqui). Já o pandeiro planejado de "Shining" foi descartado na versão final de 2014.

Na manhã da quarta, 9 de agosto, rolou um ensaio só com Zanom em sua casa em Itapuã. Precisávamos acertar os últimos arranjos do laranja de libra para concluir sua participação no álbum. Depois de ensaiarmos e discutirmos sete músicas, veio "Shining". Zanom bateu pé firme que não tinha gravado o seu solo durante a música, e que a guitarra que eu ouvia era só base (o tal solo funky). Topei, então, o tal solo blues que eu não curtia tanto – aquele que bizarrou no 7º show TOP em 2004. Meio dia da quinta 17/08, 18ª sessão, Zanom estava cansado, satisfeito com o seu trabalho. Impressionante como o rendimento tava excelente, veio pra concluir mesmo sua participação no 2º álbum TOP. Sem pestanejar, início da sessão distorção. Pedi "Shining". Num tapa, o guitarrista fez o seu solo blues nervoso, a última gravina que faltava na canção.

Zanom grava "Shining" em agosto de 2006.


Terça, 29 de agosto de 2006, 7ª sessão de mixagem. Depois de uma extenuante mix de "Lost Mails" e uma limpada básica de erros em "Young Poet’s Song" (título de então de "8/8/88"), partimos para "Shining". Meus pedidos: a) na hora dos solos, riff base de Fábio; na hora da voz, só o swing da guitarra base de Zanom; b) por quase toda a 4ª e última estrofe, silêncio na guitarra de Fábio e no baixo de Artur (voltando no "Shining lightning"), deixando apenas voz e bateria, com pontas swing de Zanom. Com essa dinâmica, a música ficou bem melhor, mais limpa, o tapa final para que eu, o produtor, topasse a sua permanência no álbum – ficou por ser uma referência da essência do 1º álbum e por ser a única composição de todos os laranjas.

Uma pena que "Sleep in Snow Shape" não foi prensado e morreu na gaveta, poucos meses depois de ficar pronto em outubro de 2006. A Orange Poem acabou em março de 2007.


EM PORTUGUÊS

Em agosto de 2006, descontente e desacreditado do projeto do êxodo para Londres, transformei as letras das músicas do repertório Orange Poem para português. Na sexta 4, "Shining" tornou-se "Brilhante" e foi a transcrição mais fácil de todas, com apenas uma alteração. Quase que acabei regravando a voz do álbum "Sleep in Snow Shape" toda para essas versões em português – ainda bem que não fiz.

2007 chegou, meu diploma como Jornalista e trabalho como produtor na Plataforma de Lançamento também, e a evidência ficou ululante. Orange Poem, com Hosano morando em Jundiaí-SP e eu desistindo de ir morar na Europa, acabou. Imediatamente propus para Zanom formarmos um duo que se chamaria Pedradura. Não deu certo com ele, a proposta foi ampliada para uma banda e antes de procurar os músicos, fui montar o repertório. Em abril de 2007, catei as letras transcritas em agosto do ano anterior e fui modificando aqui e ali, acrescentando novas melodias, fundindo outras, e criei o repertório do meu novo projeto musical, de volta ao português (primeira experiência foi o Pássaros de Libra em 1999 e 2000).

Artur Paranhos no último ensaio TOP em 05/01/2007. Meses depois, seria o único músico laranja a fazer parte do novo projeto de Mirdad, a banda Pedradura.


A primeira versão criada foi a psicodélica "Emaluquiar-se", para "Clouds, Dreams", no sábado 14 de abril de 2007. Depois vieram: o blues "O Milagre", versão para o lado B laranja "Miracle of a Blind Fly" (15/04); o groove "Anti-Plástico", versão da letra de "Neither Gods, Nor Devils" e da melodia de "Dubious Question" (18/04); o groove "Armadilha", versão de "The Green Bee" (18/04); o samba-rock "Ela Gosta, Mas Não Assume", versão da melodia de "Neither Gods, Nor Devils" (19/04); a valsa/samba-rock "Petecas", versão da letra de "Homage" e da melodia de "Cuts" (21/04); a psicodélica "Fantoche", versão da melodia de "A Song to You, My Home" (29/04); o groove "El’eu", versão definitiva de "Madness" – que foi descartada para sobreviver apenas essa nova versão em português (06/06). Além dessas, rolaram mais três versões de músicas lado B da Orange Poem (como "At Least a Wish II" e "Flowers in My Way").

"Brilhante" foi finalizada na segunda, 23 de abril de 2007. Mexi bastante na segunda e terceira estrofes, melhorando significativamente o poema criado em 2002. Na verdade, foram adaptações necessárias à nova melodia – a criada em conjunto com a Orange Poem em maio de 2002 foi descartada. Com o fim da laranja, tomei o poema só pra mim, e fiz uma adaptação acidental da melodia de "Farewell Song"; ao tocar de forma nordestina a passagem dos acordes A9 pra Am, tive o estalo que transformou o blues em baião (no Nordeste é muito comum a associação de blues com baião). Criei uma nova passagem melódica para a 3ª estrofe e a canção ficou pronta.

Virou meu xodó. Foi a música que mais toquei nessa nova fase em português. Tenho muito amor pelo baião "Brilhante" e foi muito frustrante aceitar que a banda Pedradura, já formada, não conseguiu pegá-la de forma descente. Entrou no repertório, foi ensaiada, mas não deu tempo pra ficar pronta para a gravação do álbum "Universo Telecoteco" (a canção ficou de fora como "Petecas" e "Ela Gosta, Mas não Assume"). Engraçado que, no final das contas, o registro da Pedradura só levou duas adaptações da laranja: "Anti-Plástico" e "Armadilha" (as outras foram canções compostas por mim do zero e um cover).

Artur Paranhos seguiu carreira como músico profissional. Na foto, toca na banda Estakazero em 2013 com baixo "laranja" que foi de Mirdad.


VERSÃO FINAL

2014, o ano do recomeço. Retomei a Orange Poem com lançamento virtuais de EPs de três músicas, bancados do meu bolso mais uma vez. Em janeiro, lancei o primeiro, EP Ground, com a voz do cantor e compositor Glauber Guimarães, o melhor vocalista de rock do Brasil na minha humilde opinião. O segundo lançamento, do EP Unquiet, estava agendado para abril, com a voz do cantor Rodrigo Pinheiro, amigo de longa data. A gravação da voz rolou na sexta, 28 de março, no estúdio "Casa das Máquinas", de Tadeu Mascarenhas.

A cantora, compositora, produtora e múltipla artista Nancy Viégas (atual Radiola e ex-Crac! e Nancyta e os Grazzers), considerada uma das divas do rock baiano, mulher de Tadeu, trabalhava no estúdio também e já tinha presenciado a gravação de Glauber, seu amigo de longa data. Na época, tinha comentado que tinha curtido as músicas e ofereceu seu trabalho de preparadora vocal ou produtora, caso eu precisasse. Pensei: "melhor que isso, quem sabe ela não topa cantar num EP laranja?". Eu curtia bastante o timbre de Nancyta, ácido como Glauber, mas múltiplo com seu trabalho artístico, indo da fluidez à aridez, do sotaque folk à energia do punk. Pois de passagem pela sala dela, num intervalo qualquer da gravação de John (o apelido de Rodrigo Pinheiro), convidei-a.


Nancy foi super receptiva e pediu pra ouvir as músicas, avaliar se a voz dela caberia, já que as canções foram gravadas pro meu timbre, mais grave, de homem. Pois na terça, 1º de abril, mandei as três músicas que eu queria que ela gravasse: "Melissa" (a única que Mauro Pithon topou gravar quando o convidei em janeiro, mas como ele só quis fazer uma, acabei deixando pra lá o contato, retomando no meado de maio com nova proposta, que ele topou, gravando em junho o EP Balance), "8/8/88" (novo nome para "Young Poet’s Song") e o meu xodó "Lost Mails".

Precavido, para caso ela não curtisse as músicas, mandei mais duas opções: "Shining" e "Dubious Question" – escolhidas porque, na minha avaliação, eram músicas "Nancyta", a primeira por ela ter o groove e a pegada da banda Radiola, trampo atual da cantora, e a última por ela ter uma pegada mais experimental. E mandei também as três músicas ("Wideness", "Clouds, Dreams" e "Cuts") propostas para o cantor e compositor Tiganá Santana (que pediu um tempo para avaliar e nunca me deu uma resposta).

Nancy Viégas à frente da banda Radiola em 2012 - Foto: Carolina Bittencourt.


No sábado 5 de abril, Nancy respondeu o email assim: "Oi Mirdad, massa o trabalho! Psicodelia pura!! Gostei de Shining, abre pra interpretações, pode crescer a música. Lost Mails também, a tonalidade dela é pra voz masculina, mas cabe uma abertura de voz que pode ficar legal ... Sobre Melissa, massa a música. A tonalidade dela também é pra voz masculina, só que diferente da outra, na voz feminina o refrão muda muito, bem grave ou agudo demais ... As de Tiganá, se ele não quiser fazer Wideness, gostei dela também".

No final de abril, pela ausência de resposta do amigo Tiganá, deduzi que ele não iria gravar mais e liberei "Wideness" para Nancy. Marcamos a gravação para maio. Na sexta, 09 de maio de 2014, rolou a 1ª sessão do EP Wide no "Casa das Máquinas". Tarde histórica para mim: a primeira vez que uma voz feminina gravava minhas composições. Depois de investir um bom tempo em "Wideness", e fazermos umas fotos (eu, Nancy e Tadeu) para a matéria de Chico Castro Jr. no jornal A Tarde (no quebra-galho de brodagem total de Germano Estácio, que fez as fotos - leia a matéria aqui), Nancy concluiu a sessão gravando "Shining" tranquilamente.

Tadeu Mascarenhas, Nancy Viégas e Emmanuel Mirdad: uma parte da Orange Poem e sua ilustre convidada no EP Wide - Foto: Germano Estácio.


Na terça, 13 de maio, rolou a 3ª sessão do EP Wide, com a gravação do synth por Tadeu Mascarenhas. Quebramos cabeça pra encontrar um timbre e escolher o arranjo. Consumimos um tempão, Tadeu cogitou até não fazer, mas conseguiu timbrar no funky e Radiolizou o som laranja, criando arranjos excelentes e um solo bala! Não deu tempo pra mixar, e só concluímos a 1ª mix de "Shining" na manhã do dia seguinte, quarta 14/05, também com a gravação de mais arranjos do synth – a parte espacial do início, da 3ª estrofe (da saída dela também) e do final.

Se é pra ser uma nova música, resolvi mexer bastante em "Shining". A estrutura original de solos era: a) Saída da estrofe 1: Solo Fábio 01; b) Saída da estrofe 2: Solo blues de Zanom; c) Saída da estrofe 3: Solo Fábio 02; d) Final 01: Solo Fábio 03; e) Final 02: Solo funky de Zanom; f) Final 03: Solo baixo; g) Final 04: Bateria + pandeiro; h) Final 05: Pandeiro. De cara, eliminei o pandeiro, que não tinha nada a ver com o som laranja, e entrava de gaiato no navio no final, encerrando a música, sem noção ou justificativa, soando forçado. Na verdade, eu queria a presença do amigo Fabrício Mota no 2º álbum, mas como Artur já tinha gravado todos os baixos, improvisei essa participação, totalmente deslocada.

Tadeu Mascarenhas grava o synth em "Shining" no dia 13/05/2014.


Depois, avaliei que tinha muito solo de Fábio e só deixei um. Orientando a edição de Tadeu, remontei a música assim: a) Saída da estrofe 1: Solo Fábio 01; b) Saída da estrofe 2: Solo baixo e a criação de uma pausa na bateria pra entrar no clima da 3ª estrofe; c) Saída da estrofe 3: Solo blues de Zanom; d) Final 01: Solo funky de Zanom; e) Final 02: Solo Tadeu; f) Final 03: Solo Bateria + synth. Achando que tinha feito uma grande criação, mandei a 1ª mix para os músicos laranjas avaliarem (menos Fábio, retirado desse processo desde que desdenhou a nova fase laranja no primeiro EP ainda). Pois foi a 1ª mix que Hosano condenou veemente.

Tadeu Mascarenhas finaliza a gravação do synth em "Shining" no dia 14/05/2014.


Para o baterista, criar uma pausa para a entrada do clima diferente da 3ª estrofe estragava seu arranjo original, que mudava a bateria na correria, surpreendendo o ouvinte. No início, resisti, mas acabei compreendendo o arranjo de Hosano e na mix final, segunda, 19 de maio de 2014, refiz definitivamente a estrutura de "Shining" para: a) Saída da estrofe 1: Solo Fábio 01; b) Saída da estrofe 2: Solo funky de Zanom; c) Saída da estrofe 3: Solo blues de Zanom; d) Final 01: Solo Tadeu; e) Final 02: Solo baixo; f) Final 03: Synth.

O EP Wide foi lançado na segunda, 02 de junho de 2014, e a primeira (e até então única) música composta pela Orange Poem foi eternizada com brilho e suingue na voz de Nancy Viégas. Brilhe, "Shining"!

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