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Dezoito passagens de Carlos Barbosa no blog Minicontos em 2013 e 2014



“Trabalhamos no escuro. Fazemos o que está ao nosso alcance. Damos o que temos. Parece ser esse um conjunto primordial da atividade do escritor. O resto é a loucura da arte, o extrato em que é preciso atuar e alcançar como resultado. E para tanto, acredito eu, não deve ser suficiente ao escritor abrir o peito e despejar o que dele escorrer ou escapar, mas, sim, descer a nossas zonas mais sombrias, aos nossos infernos íntimos, em busca do ramo de ouro, para consagração de sua própria entrega à aventura da escrita, para a devida oferta a quem, por ventura ou desventura, vier a conhecer seu trabalho. Pois é fato que nossa dúvida é nossa paixão e nossa paixão, nosso ofício.”


“A gente faz a viagem pra raiz. Um mergulho no tempo, na memória das coisas. Até mesmo das não vividas. E acaba por comer demais. A prosa em volta da mesa, na emenda das refeições. (...) Estou com a família de minha amada, na Colônia 13. Um lugar novo em que já se fala em ‘já teve’, bem Brasil. Vou atrás de umbu na feira. (...) Minha irmã foi até nossa raiz comum, na beira do Velho Chico. De lá, espero umbus cabeludos das várzeas do rio Paramirim, do Brejinho da Serra Negra, quem sabe? E extrato de pimenta de Barra do Choça. (...) Pois raiz tem essa qualidade: se ramifica, se espalha, se conecta com outras raízes. E assim nos fincamos mais firmes na instabilidade do terreno da vida.”


“(...) entrei no ginásio aos 11 anos e já era um leitor compulsivo, apaixonado pela literatura e tudo o mais que pudesse ler. Minha professora de português, Vitória Rodrigues, me franqueou o acesso aos livros de Jorge Amado. Então, li, reli, treli, tudo que Jorge havia publicado até então. (...) Pouco compreendi do que li à época, em particular dos livros que Jorge escreveu sob o peso ideológico. Mas isso não importa. O que ficou foi a emoção das leituras, dos mundos revelados, das possibilidades do fazer humano até então desconhecidas de minha miudeza de gente. (...) depois de tanta leitura, a gente forma um grupo de amigos escritores, se filia a esse grupo por valorar o trabalho desses autores e que, ao me tornar também autor, procuro defender os princípios desses meus amigos, adotando assim o entendimento do escritor norte-americano Jonathan Franzen, em oposição aos dos meus inimigos (aqueles autores de uma literatura a que não concedo valor). E que Jorge Amado é um desses meus amigos mais queridos por ter sido o primeiro autor em cuja obra mergulhei várias vezes. Ainda, que absorvi dele bens preciosos: a compaixão pelo povo e o amor por sua terra. Em minha literatura procuro dar conta disso, não sei se consigo fazer bem ou à altura desses meus amigos. Mas me esforço.”


“Assim, Santo Reis, singular e plural. (...) Cresci ouvindo noite adentro o batuque do reisado de Mestre Biscoito. E acompanhando, sempre que possível, a bandeira de Reis em visita às casas. Em algumas, o reisado alongava a cantoria entre comes e bebes. Ritmo hipnótico, fascinante o sapateado e o rodopio das mulheres dentro do círculo. (...) As chulas de louvação e de saudação aos donos da casa não me interessavam muito, gostava mesmo — e ainda gosto demais — era daquelas improvisadas sobre temas do cotidiano da comunidade (...) sempre cantadas pela rapaziada de Ibotirama, em qualquer cantoria de bar ou em volta de churrasqueira. Gostaria de saber mais delas, suas letras inteiras, sempre modificadas ou ampliadas pelos cantadores. São letras que expõem a vitalidade criadora do homem simples e uma beleza, uma sabedoria, que dificilmente se alcança pelo esforço intelectual: são pura emoção, potência vital a lembrar a importância e o inestimável valor da cultura popular. (...) Mestre Biscoito, pescador, passou o comando do reisado para seu filho Mes’Curuta, pescador e ponta-direita do Bahia, time da rua de Baixo. Isso, num tempo quase encoberto por ervas daninhas.”


“Conheci o José Domingos de Moraes em Brasília, por volta de 1992 ou 93, não sei precisar. Trabalhava na Comunicação Social de um banco público e o Dominguinhos foi lá apresentar seu projeto ‘Asa Branca’. Era assim o herdeiro de seo Gonzaga: queria cantar a música nordestina em praça pública, em tudo que é cidade, e arrastar consigo seus amigos artistas pelo prazer de cantar pro povo. O patrocínio foi concedido e o Asa Branca rodou o país. (...) Um dia ele me falou da carência de letristas. Então eu disse que talvez tivesse alguma coisa que servisse (...) Revirei minhas pastas de escritos, produzi algo novo. E mandei pra ele em São Paulo. E foi só isso. (...) Um ano ou mais se passou até receber um telefonema dele: tinha uma surpresa pra mim. E a surpresa me foi entregue por Codó, seu empresário: um cd e um LP, com dedicatórias, do novo disco ‘Nas quebradas do sertão’. E lá estava ‘Brincadeiras de rua’, com meu nome depois do dele, os autores. Foi um dia longo, arrepiado, até chegar em casa e ouvir aquela ciranda belíssima, com um arranjo impecável de flauta na introdução e a sanfona segura e brilhante de Dominguinhos a conduzir a melodia. (...) Descansou, enfim. Ficam a saudade, a honra de ter sido seu parceiro e o compromisso de manter viva sua música, divulgando-a e ouvindo-a sempre. Sujeito arretado de bom e generoso, maravilhoso artista, sertanejo firme e afetuoso.”


FLICH, trecho da palestra (09/09/2014),
post sobre ser escritor,
leia aqui

“Esteve em Salvador, faz um tempo, uma agente literária que, em palestra, admitiu a busca dos editores, e do mercado editorial, por escritoras jovens. Sim, o critério principal deixou de ser o valor literário dos originais e passou a ser a pessoa que escreve: mulher e jovem, segundo o que ouvimos. (...) Agora, leio em um texto produzido por outra agente literária que os editores valorizam as relações que o autor tenha no meio literário e entre os críticos universitários para publicá-los. Parece claro, então, que, além de ser mulher e jovem, é preciso ter boas relações no meio para despertar o interesse para o que se escreve. Isso explica a publicação de livros de autores homens não tão jovens. (...) Tive meu primeiro romance publicado, em setembro de 2002, oito meses depois de enviar os originais pelos Correios, a partir de uma pequena cidade do interior da Bahia, para uma editora do Rio de Janeiro, onde não conhecia pessoa alguma. Oito anos depois, a mesma editora publicaria meu segundo romance. Talvez por cometer esse equívoco a editora tenha fechado as portas. Hoje, não tenho o menor ânimo para enviar originais a uma editora do sudeste. (...) O óbito da literatura tem sido anunciado com frequência por seus principais agentes. No meu caso, talvez eu tenha morrido para essa tal literatura.”


“O sentido da vida merece descoberta? A que vida, das muitas que impulsionamos, atribuir sentido? Uma família e suas múltiplas máscaras rendem boas histórias, se conduzidas por quem conhece o riscado. (...) Cristovão Tezza demonstra, em seu mais recente romance [O professor], possuir a habilidade dos grandes prosadores na moldagem de personagens interessantes e de narrativas que exploram as profundezas d’alma e as possibilidades do desejo e da inação. O ser humano a se ver e a se interrogar face ao que fez e ao que lhe fizeram, em preparo de angústias e de gestos extremos. (...) Um mergulho na memória, o repassar de atos cruciais que o arrastaram até aquele precioso e temido momento. Um caminho marcado, também, pela investigação da linguagem. Tropeços, indecisões, incompreensões, desvios, surpresas diversas, perturbações de espírito, o sexo como fio condutor. O sexo tardio, mas provedor de delícias e confusões. A mulher o trai e o abandona, depois de também ser traída, o filho se rebela e escapa para outra vida, o trabalho finda com a aposentadoria. (...) O professor está só. Há uma morte antiga que o habita; outra morte mais recente o espicaça. O filho distante encarna o inimigo em seus piores pesadelos. E é esse o homem que se arruma para ser homenageado pelos colegas.”


“Um dos protagonistas mais interessantes que conheci: Robert Grainier, o que se omite ou o que não se importa. Quando criança, foi despachado para a família de um tio e jamais se preocupou em perguntar quem eram ou foram seus pais. Quando rapaz, topou na mata com um moribundo que lhe passou informações sobre os motivos e o sujeito que o ‘matara’, e voltou a pescar sem nada contar depois ao xerife. E assim pela vida afora, incluindo suas mulher e filha desaparecidas em um incêndio florestal — passado o choque inicial, montou acampamento na margem de um rio e ficou por ali meses a pescar. (...) A vida de Grainier possuía o limite dos seus braços e passos. Um homem a cortar madeira, fincar dormentes em estradas de ferro, estender pontes sobre abismos e a sonhar com trens, sempre de volta à cabana na floresta, onde também aprendeu a uivar em noites quentes. E nem mesmo seu encontro com a menina-lobo, que assombrava os moradores da montanha, e a absurda verdade que se desvenda a seus olhos, move-o para além dos limites do seu terreiro, por onde elas (a menina-lobo e a verdade que lhe segue de arrasto) escapam mais tarde. (...) Delicioso romance curto [Sonhos de trem, de Denis Johnson] desse autor nascido na Alemanha, filho de pais americanos”


“A potência de certos acontecidos requer cuidados no trato da memória. Eu sempre quis escrever sobre aquele almoço fraturado, aquela segunda-feira de luz, sombra e pavor. Hesitei, como sempre, ao receber o convite. Mas no fundo sabia que o conto já estava pronto, em alguma gaveta cerebrina. Não foi fácil espanar poeira e teias, realinhar os passos, emoldurar e colorir o causo. No entanto, quem escreve ficção sabe que o ofício reserva prazeres parecidos ao preparo de um banquete, com direito a experimentar desse e daquele prato, dessa ou daquela compota, e a alterar a seu gosto o cardápio e os temperos. É uma festa particular, onde se pode quebrar sem remorso taças e derramar vinho em brancas toalhas. E chorar escondido, também. Em ‘Jogo de cintura’ homenageei um casal amigo prestes a ter o primeiro filho, revisitei meu tempo de bancário e paleteiro pelas ruas de Salvador e me entoquei novamente atrás de uma porta para assistir ao final da tragédia da seleção de Telê. Elis Regina e Moraes Moreira disseram presente na narrativa e obtive assim o ritmo que julguei adequado ao conto. Estou convencido de que a coletânea ‘82’ será um golaço editorial, daqueles que resultam da participação de toda a equipe, com dribles curtos, passe em profundidade, corta-luz e tirambaço na rede adversária.”


A literatura e seus agentes (26/06/2014),
post sobre o mercado editorial,
leia aqui

“(...) Mais de duas mil páginas de prosa irretocável. Um monumento literário inquestionável. Passos nos apresenta em profundidade a vida dos trabalhadores do campo, dos das cidades, e dos magnatas; a indústria produzindo bens populares, os milhões de dólares, o proletariado; os grandes inventores, os banqueiros, os artistas; a grande guerra, o caipira no velho mundo, o preparo do império; as negociatas da guerra, as relações públicas imprescindíveis, o saber viver; a revolução bolchevique, as greves e os comícios, o jogo da bolsa de valores. (...) Segmentado em ‘o jornal da tela’ (flashes jornalísticos da época), ‘o olho da câmera’ (o lirismo de vozes desconhecidas), perfis biográficos e as aventuras cruzadas de personagens emblemáticos, a trilogia USA expõe as vísceras daquele país em seu processo de construção interna, de afirmação no cenário mundial, de expansão imperialista. E revela a luta intestina de classes que produziu muita miséria e mortes e, também, o tecido devorador de almas da corrupção cotidiana. Descendente de portugueses, John dos Passos afirmou-se com a trilogia USA como um dos mais importantes escritores do séc. XX.”


“A família Incandenza movimenta o enredo: o pai, cientista e cineasta; a mãe, linguista e reitora de uma complexa escola de formação de tenistas; Orin, filho mais velho, ex-tenista de futuro, atual chutador numa equipe de futebol americano; Mário, o do meio, deficiente muito especial, cinegrafista em tempo integral; e o mais novo, Hal, gênio drogadito, aluno da escola de tênis, em estado depressivo aos 17 anos. Junte a eles uma garota inefável, de beleza suprema coberta por um véu, que estrela filmes do pai e namora um dos filhos. Um desses filmes torna-se objeto de terrorismo por hipnotizar quem o assiste, a um ponto de provocar letargia mortal. Um filme assassino, que leva serviços secretos e, em especial, uma falange canadense de matadores em cadeiras de rodas a um jogo de dissimulações, propaganda e muito sangue derramado. Ouve-se o rangido das rodinhas (...) E há uma nova América do Norte, composta por USA, Canadá e México, sob o comando do primeiro, claro, presidida por um ex-crooner de banda de cassino. Ventiladores sopram poeira tóxica para a Grande Concavidade, onde antes fora um dos estados sulistas. (...) E mais: há um novo tempo, que serve para capitular o romance, agora patrocinado anualmente por uma grande empresa, que impõe seu nome a cada virada de calendário. Colado à escola de tênis, há um centro de recuperação de drogados, e isso não é gratuito. (...) A imaginação de DFWallace parece infindável neste romance. Seu conhecimento científico, espantoso. Impressionante a descrição minuciosa de tudo, ou praticamente tudo, que encorpa o cotidiano de seus personagens (...) Dá certo desespero ler A piada infinita, não por sua extensão, que chega a ser prazerosa, mas pela crueza da realidade que o jorro de talento criativo do Autor engendra.”


“Ali está a fieira de livros. Conto 11, daqui. Estou neles, sempre estarei. A narrativa prenhe de verdade, nascida do que mais importa da vida do nosso povo, da nossa história privada, até daquela que se diz pública, lavada em suor, sangue e muito forrobodó. Coisa boa de ler, sempre. (...) O primeiro, há tanto tempo, os arroubos do sargento, sua odisseia sertaneja, sua obstinação, tão minha conhecida de outro-mesmo sertão. O último, um voo de albatroz, tão estranho ao sertão quanto natural aos da costa e mar. Leituras que se acumularam, os amores de Benedita, as artes, os feitiços, maratona de delícias. E assim ficamos, nós, os que ainda sofrem. (...) A literatura não perde, já ganhou desde o início. Perdem a lucidez, o brilho da inteligência e da criatividade, a cultura brasileira. Não o conheci pessoalmente, mas o conheci de verdade. Grande João [Ubaldo Ribeiro]”


“A leitura de certos romances pode ser muito dolorosa. Ler ‘Patrimônio’, que tem como subtítulo, ‘uma história real’, levou-me a um passado não tão distante ainda, no qual vivenciei experiência semelhante à que [Philip] Roth narra: acompanhar a decrepitude física do pai até a morte. Terminei hoje pela manhã e até agora ando sorumbático, agindo maquinalmente e pensando em meu pai, que se foi após um longo tempo de prostração e agonia. Pais cuidam de filhos, filhos cuidam dos pais, esta a lei natural, esta a obrigação que o sangue determina, acima de qualquer dificuldade ou veleidade humana.”


A piada infinita, David Foster Wallace (24/08/2014),
sobre a obra volumosa,
leia aqui

“Guardar num dedo a memória de uma mulher. Voltar a essa mulher, aprendiz de gueixa em uma estância termal no País das Neves, noutro inverno, como se construísse a cada passo um poema amoroso. Kawabata conheceu certa gueixa chamada Komako e a fez borboleta nesse intenso romance [O país das neves] de neve e fogo. Komako flutua em volta de Shimamura, e de outros clientes, envolta em quimonos alados; o pano de baixo é vermelho, por inevitável. Komako vai quando quer ficar; fica, quando quer partir; canta, quando dói; silencia, quando feliz. Nada se realiza por completo na narrativa. O desejo move essas personagens, mas escapa como floco de neve numa poça d’água. A solução, partir; mas retornar à hospedaria faz mais sentido para Shimamura, que em sua cidade deixou mulher e filhos. A neve a se acumular nos beirais como improváveis peônias brancas. (...) O texto de Kawabata explora o cenário de forma apaixonada, faz o mesmo com o cortejar mútuo entre Komako e Shimamura, até revelar a tragédia que pontuou desde o início esse idílio. A tecnologia macula o cenário com fogo e a Via-Láctea invade o coração de Shimamura para dizer-lhe que a loucura talvez seja o que verdadeiramente dá sentido à vida.”


“Houve uma infância brasileira, uma juventude, e de lá saltamos para o caquetismo atual, sem passar pela maturidade. Queimamos madeira, poluímos a água, produzimos sonhos sem valor algum até serem apropriados por alienígenas. Um padre, um homem que sonhava, que amava a escrava que comprou e libertou, um que inventou a máquina de escrita antes de ela ser patenteada pelos gringos. História mais brasileira, impossível. Romance histórico [A máquina de madeira, de Miguel Sanches Neto], painel de uma época, interessante viagem ao que nunca deixamos de ser. Nós, os que jamais sabemos o valor do nosso produto, do nosso sonho.”


“Fui um dos milhares de delegados que ocuparam, durante alguns dias, o vão livre do Centro de Convenções, em Salvador. Após idas e vindas, com a proibição da entrada dos ônibus na cidade pelo ACM da época, discussões e votações a todo vento, no começo da noite de sábado, se não me falha a memória, uma bomba explodiu, cortando a luz do local e levando os participantes a um início de tumulto. Que não teve consequências trágicas por causa do Ruy César. (...) No escuro e sem som, Ruy César subiu na mesa e comandou a multidão com frases simples e diretas, que pedia para serem repetidas pelos presentes, como: ‘Companheiros, calma!’, ‘Fiquem em seus lugares!’, e mais. E foi assim, no gogó, que Ruy César controlou o pânico que ameaçava tomar conta do ambiente, informando o que havia acontecido e as providências que estavam sendo tomadas. Um líder. Um verdadeiro líder. Não podia ser outro o primeiro presidente da nova UNE, ali refundada. (...) Li ontem no jornal que Ruy César morreu aos 57 anos, vítima de um câncer. Que se tornou produtor cultural e era conhecido como fundador da Casa Via Magia. Não soube dele durante esse tempo todo, muito por conta de minha longa ausência de Salvador. Deixo aqui esse registro como uma pequena homenagem de um desconhecido, em cuja existência Ruy César plantou um momento inesquecível de grandiosidade humana. De arrepiar, até hoje.”


“(...) Mayrant Gallo é um dos mais expressivos, criativos e produtivos escritores baianos, simples assim. Fico também sabendo de episódios vividos por ele em sua passagem pela Fundação Pedro Calmon.  Triste, desanimador, o quadro. E assim lembro de uns versos de uma canção que escrevi tempos atrás ‘nosso futuro é tenebroso/ se o principal for rodapé’. Parece ser o caso. (...) As lições da passagem da jornalista cubana Yoani Sanchez pelo Brasil precisam ser internalizadas pelos mais jovens. A cena de Yoani autografando livros no porão da livraria, impedida que foi de fazê-lo no ambiente adequado, foi das mais constrangedoras para quem ama e defende a liberdade de expressão, e mais uma vez digo o mínimo. E uma das mais emblemáticas do que representa o autoritarismo e suas manifestações usuais. Os escritores são odiados, definitivamente, pelos autoritários de plantão, não importa a coloração ideológica nem o país em que estes últimos refocilam. (...) Perguntem ao passarinho qual o melhor lugar pra cantar.”


“(...) a quem se destina um estacionamento a 8 reais a hora ou fração? Talvez a uma pequeníssima fração de soteropolitanos. Para turistas? Ora, não sabia que turistas alugavam carros como quem compra fitinhas do Senhor do Bonfim. Sobra para quem necessita, de verdade, ir até aquelas plagas para algum compromisso. E aí tem que chimbar (ou será ximbar?) em 24 reais por 3 horas no Pelourinho. (...) Isto é liberalismo: não estamos aqui para promover bem-estar público, mas para arrecadar cada vez mais (e permitir que os nossos faturem mais, também) para, assim, realizar obras de superfície, obras que todos vejam, alavancando nossa carreira política. Quem tem carro que se vire para mover-se com ele pela cidade e para estacionar — isso não é problema do poder público. Essa é a cor de Salvador.”


Carlos Barbosa - Foto: Mário Espinheira

Presentes no blog Minicontos, de Carlos Barbosa, postagens FLICH, trecho da palestra (09/09/2014), Então é Natal (23/12/2013), Papo sobre Jorge Amado (12/12/2013), Santo Reis (06/01/2014), Dominguinhos, meu parceiro (23/07/2013), A literatura e seus agentes (26/06/2014), O professor, Cristovão Tezza (04/08/2014), Sonhos de trem, Denis Johnson (13/01/2014), Lançamento da coletânea “82, uma copa, quinze histórias” (26/06/2013), Trilogia “USA”, John dos Passos (25/05/2013), A piada infinita, David Foster Wallace (24/08/2014), João Ubaldo Ribeiro (19/07/2014), Patrimônio, Philip Roth (27/05/2013), O país das neves, Yasunari Kawabata (10/08/2013), A máquina de madeira, Miguel Sanches Neto (10/05/2013), Ruy César (29/06/2013), Yoani, liberdade, Mayrant (26/02/2013) e Salvador, Zona Azul (VII) (13/12/2013), respectivamente.

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