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Cinco poemas e três passagens de Alex Simões no livro Contrassonetos catados & via vândala

Alex Simões - Foto: Caio Lírio

urbi et orbi
Alex Simões

o muro é bom se você está em cima,
não só do muro mas dos outros outros
que, deslumbrados pela construção,
fizeram do silêncio o seu tijolo
e acreditaram no desenho como
se deles fosse a argamassa magra,
feita de baba e de deslumbramento
e outros materiais. e a vida passa
pra quem não vive por vivo não sê-lo
e acreditar que vai subir o muro
e é só uma peça dessa alvenaria.
morre e seus restos vão compondo a obra
pros donos do projeto enfim subirem
na escada cujos ossos se calaram.

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40
Alex Simões

e eu que pensava que não chegaria
aos 30, já cheguei naquela idade
em que, quando descobrem quanto tenho,
me dizem algo do tipo: “Nossa, como
você está conservado, a pele boa,
não aparenta a idade que diz ter.”
nessas horas me sinto envaidecido,
chamo Narciso e mando ele pro quarto
ficar lá no cantinho da reflexão
e rio muito porque ninguém sabe
que minha receita de jovialidade
consiste de um artifício muito simples:
o tempo vai me deixando imaturo.
se é bom ou ruim, aí são outros 40.

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breviário
                     (para Rosa Virgínia Mattos e Silva)
Alex Simões

se é triste o poeta, bem mais triste
é o mundo que o faz subversivo
para depois queimar todos os livros
como se inventasse o que não existe.
se é triste o poema, quem insiste
em fazê-lo é um réu cativo,
desafia a morte para os vivos
atentarem que ele não desiste.
se é triste a poesia, por que lê-la
se não há tristeza igual em si
mesmo. não eras antes de vê-la?
se é triste a palavra que a ti
digo, eu vou, calado, ouvir estrelas.
mas reclamarás que emudeci.

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desencanto
Alex Simões

o meu amor me encharcou de pranto
despiu-me o ser de todo o sentimento
sugou-me a alma e o contentamento
deixou-me pura dor e desencanto.
o meu amor foi livre como um canto
como as palavras ditas para o vento
como a alegria plena de um momento
que se desfaz na brisa, no entanto.
o meu amor doído foi num grito
levando a minha dor desesperada
que foi lançada embalde ao infinito
e se encontrou perdida e embaraçada.
e ao fim de tudo isso que foi dito
concluo que foi dito para nada

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soneto para a Rua da Forca
Alex Simões

eu não quero morrer com medo, nem viver
achando que pisar na merda é natural
medo de andar na rua medo etcetera e tal
com medo de morrer de medo de morrer
medo de atravessar a rua e muito medo
de quem anda nas ruas de quem vive nelas
medo de quem do lixo vive, elas por elas
só peido vem de quem come feijão azedo
ou vai ou racha, aqui, nesta cidade escrota
feita pra andar de carro e com vidro blindado
enquanto se pensar que adiantando o seu lado
no cada um por si, se desviando do esgoto,
longe do odor da urbe, que é só mijo e cu,
“quero morrer olhando o infinito azul”.

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“labirinto de espelhos, traz de volta
a minha imagem e me dá saída
da solidão que faz da minha vida
prisioneira da dor que não me solta.”


“quantos amigos seus terão morrido
quantas vezes foi salvo da paúra
entre fascínio e horror: vida às escuras
ou morte às claras? um negro abatido
ou um gay vivo? enquanto a turba agita
o fuzuê da multidão eterno
seu pensamento pra bem longe leva,
tropeça, cai, soluça, arqueja, grita
e lembra: quem sobrevive ao inferno
nunca sai dele e aonde vai o conserva”


“talvez por ser um ateu que vê milagres,
minha não-fé balança
nas matas, sobre o rio ou vendo os mares,
há sempre um deus que dança.”



Presentes no livro de poemas “Contrassonetos catados & via vândala” (Mondrongo, 2015), de Alex Simões, páginas 33, 111, 60, 96 e 29, respectivamente, além dos trechos dos poemas “o encontro no espelho III” (p. 80), “II” (p. 40) e “versos de preceito” (p. 124), presentes na mesma obra.

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