Pular para o conteúdo principal

Cinco poemas e três passagens de Mariana Botelho no livro o silêncio tange o sino

Mariana Botelho - Foto daqui


afinação
Mariana Botelho

há que se aprender a tirar silêncio
das coisas

quando uma coisa produz silêncio
ela está
pronta

--------

cesariana
(para Pedro)
Mariana Botelho

seus pequenos olhos
cor de aurora represada
ainda que um dia se afastem
ficarão

nessa pequena cicatriz

--------

náufragos
Mariana Botelho

nossas bocas
nossas mãos
pequenos afluentes de silêncio

submersos

nem nas palavras que calamos
nos encontramos

--------

estação
Mariana Botelho

tenho um outono no corpo
de onde as
coisas
caem

vejo doçura nas roupas
espalhadas
pelo chão

--------

nascente
Mariana Botelho

córrego
cachoeira
ribeirão

eu choro
pra pertencer à paisagem

--------

“meu pai me deu esse olho de pássaro

pra mim o
tempo
voa”


“porque a palavra me pega de dois jeitos:
de um jeito que não basta sabê-la
de um jeito que me come

tudo o que me resta é dizer de um corpo que chora à margem
esperando a sede
enquanto ouve a palavra água”


“no corredor o vai vem das
saias onde eu me
agarrei

(...)

no canto da sala a cadeira da minha
avó onde um dia
a dor
me esperará”



Presentes no livro de poemas “o silêncio tange o sino” (Ateliê Editorial, 2010), de Mariana Botelho, páginas 7, 45, 15, 20 e 24, respectivamente, além dos trechos dos poemas sem título (p. 27), sem título (p. 25) e “casarão” (p. 35), presentes na mesma obra.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Oito passagens de Conceição Evaristo no livro de contos Olhos d'água

Conceição Evaristo (Foto: Mariana Evaristo) "Tentando se equilibrar sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho. Sabia que ali encontraria a sua igual, bastava o gesto contemplativo de si mesma. E no lugar da sua face, viu a da outra. Do outro lado, como se verdade fosse, o nítido rosto da amiga surgiu para afirmar a força de um amor entre duas iguais. Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras e com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça. Ambas aves fêmeas, ousadas mergulhadoras na própria profundeza. E a cada vez que uma mergulhava na outra, o suave encontro de suas fendas-mulheres engravidava as duas de prazer. E o que parecia pouco, muito se tornava. O que finito era, se eternizava. E um leve e fugaz beijo na face, sombra rasurada de uma asa amarela de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos poros da pele e da memória." "Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão

Seleta: Gipsy Kings

A “ Seleta: Gipsy Kings ” destaca as 90 músicas que mais gosto do grupo cigano, presentes em 14 álbuns (os prediletos são “ Gipsy Kings ”, “ Este Mundo ”, “ Somos Gitanos ” e “ Love & Liberté ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 14 álbuns participantes desta Seleta 01) Un Amor [Gipsy Kings, 1987] 02) Tu Quieres Volver [Gipsy Kings, 1987] 03) Habla Me [Este Mundo, 1991] 04) Como un Silencio [Somos Gitanos, 2001] 05) A Mi Manera (Comme D'Habitude) [Gipsy Kings, 1987] 06) Amor d'Un Dia [Luna de Fuego, 1983] 07) Bem, Bem, Maria [Gipsy Kings, 1987] 08) Baila Me [Este Mundo, 1991] 09) La Dona [Live, 1992] 10) La Quiero [Love & Liberté, 1993] 11) Sin Ella [Este Mundo, 1991] 12) Ciento [Luna de Fuego, 1983] 13) Faena [Gipsy Kings, 1987] 14) Soledad [Roots, 2004] 15) Mi Corazon [Estrellas, 1995] 16) Inspiration [Gipsy Kings, 1987] 17) A Tu Vera [Estrellas, 1995] 18) Djobi Djoba [Gipsy Kings, 1987] 19) Bamboleo [Gipsy Kings, 1987] 20) Volare (Nel

Dez poemas de Carlos Drummond de Andrade no livro A rosa do povo

Consolo na praia Carlos Drummond de Andrade Vamos, não chores... A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour ? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-te — de vez — nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho. -------- Desfile Carlos Drummond de Andrade O rosto no travesseiro, escuto o tempo fluindo no mais completo silêncio. Como remédio entornado em camisa de doente; como dedo na penugem de braço de namorada; como vento no cabelo, fluindo: fiquei mais moço. Já não tenho cicatriz. Vejo-me noutra cidade. Sem mar nem derivativo, o corpo era bem pequeno para tanta