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Composições de Emmanuel Mirdad: Wideness


Blues progressivo, com tempero psicodélico, espaço democrático de improvisação dos músicos da Orange Poem e uma diva bluesy na voz. Foi a primeira composição de Emmanuel Mirdad, iniciada em julho de 1997, e só concluída agora, após diversas versões e mudanças de melodia (a 1ª estrofe é a única que se mantém idêntica à versão original). O poema fantasia um diálogo entre um psicólogo e seu paciente, que introspectivamente é ele mesmo, o reflexo de um espelho quebrado e agonizante.



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Wideness
(Emmanuel Mirdad)
BR-N1I-14-00008

In this wideness of elements
I’m a burning surgeon
Claimed to materialize your body
In the holy name of the land, water and air

In this wideness of puppets
I’m the surgeon with news
Claimed to set free your soul
In a crazy murder of your desire

And now there are just black holes
in your mind...

In this wideness of firmaments
I’m surgeon in tyranny
Claimed to purify your body
In the holy name of Messiah or glory

In this wideness of words
I’m surgeon in an orange poem
Claimed to immortalize our mankind
In a music and illusion

And now there are just white holes
in your mind...


Faixa 01 - EP Wide (2014) | Faixa 04 - Orange Poem (2021) | Composta e Produzida por Emmanuel Mirdad | Nancy Viégas - voz | Mirdad - violão 12 cordas | Zanom - guitarra | Tadeu Mascarenhas - órgão e sintetizador | Fábio Vilas-Bôas - guitarra | Hosano Lima Jr. - bateria | Artur Paranhos - baixo | Gravado, mixado e masterizado por Tadeu Mascarenhas no Casa das Máquinas, Salvador-BA | Encarte EP Wide: Glauber Guimarães | Capa 2021: Meriç Dağlı (foto) e Emmanuel Mirdad (design)



CONTEXTO

Experimentei maconha pela primeira vez aos quinze anos. Cigarro e álcool também (e virei careta aos 19 anos, parando com tudo, até hoje). Apresentado às ruas, estava viciado no som de Bob Marley & The Wailers que ouvia o dia inteiro num walkman; no decorrer de 1996, comprei a coleção do grupo (CDs importados) mesmo sem ter um CD player para tocá-los (cada um custava R$ 25,00 e, por mês, comprava dois deles, restando apenas cinquenta reais de mesada para gastar pelo resto dos 30 dias) – o tão esperado aparelho só estreou na minha vida como presente de aniversário em outubro e os álbuns mais tocados foram "Survival", "Kaya" e "Uprising".

Meu pai me trocou de escola; saí do Colégio Drummond, onde sofri como um nerd de filme norte-americano dos anos 80, e fui cursar o 2º grau no recém-inaugurado Colégio PhD, que ficava na Praça Marcondes (na época ainda era de barro e escombros), também no bairro da Pituba. Poucos alunos, turma M, vespertino. Algumas patricinhas, nerds e maconheiros, mas a maioria eram estudantes comuns. Cheguei meio autista, perdido, querendo virar monge e ir pra São Paulo estudar Zen budismo. Não era mais o nerd babacão da primeira fileira, agora tachado de doido; ficava tocando reggae em bancos de concreto, ouvindo Bob o dia inteiro e conversando sobre teorias esdrúxulas e devaneios espirituais.

Local onde funcionava o antigo Colégio PhD.
Imagem do Google Street View de 2013.


1996, sala do 1º M, intervalo de uma aula. Sozinho numa carteira do fundo, colada na janela, com vista para um resquício do mar da Pituba, escrevi "Solidão", o meu primeiro poema. Versos ingênuos, rimas pobres do tipo "amor/dor", um marco: fundei-me poeta, meses antes de completar 16 anos. "Emmanuel Mirdad, poeta". Paixão à primeira poesia. E agora queria tocar Bob Marley (tinha tido visões em diversas meditações, transes e experiências psicodélicas apenas ouvindo o som, sem auxílio de nada). O que fazer? Montar uma banda.

Seu nome era Gildo Bezerra, uma figura de cabelo grande com cara de músico. Ele disse gostava bastante de reggae e gravou pra mim uma K7 do "Live" de Alpha Blondy – que abriu o leque para outros artistas como Peter Tosh, Burning Spear e Gregory Isaacs. Convidei-o para montar uma banda cover de Bob Marley e que pudesse ter também músicas próprias. Gildo topou e escalou Aloísio, Paulo "Jacaré" e Durval "Mike Tyson", outros colegas do 1º M, além de conhecidos seus (que eu nunca conheci).

A banda foi formada sem um ensaio ou reunião. Fui escalado pra tocar teclado (arranhava quase nada no instrumento de minha mãe musicista e queria mesmo era tocar violão, mas não conseguia colocar os acordes da maldita pestana) e batizei-a de Salassié. Gildo ficou à frente da produção, tentando confirmar os músicos e estúdio para ensaio. Para controlar a ansiedade, batizei-me de Besouro Marley e escrevi dez letras que serviriam ao repertório autoral da Salassié, com títulos como "Metáfora", "Imensidão Azul", "11 de Maio", "Dinamarca" e "A Lua Paira Sobre Julius Caesar" – foi a minha primeira experiência de escrever letras para serem utilizadas em canções, sonhar em ter uma banda e seguir carreira de músico.

Repertório de canções de Emmanuel Mirdad para a banda Salassié.


Sonhei bastante com shows e o primeiro álbum, que batizei de "Meditação". Mas esse primeiro prazer foi também a primeira frustração. Salassié não saiu do papel e não fez sequer um ensaio. Fui surpreendido pelos colegas Aloísio e Paulo que avisaram que a banda não tocaria reggae; o ritmo do momento e do dinheiro era o pagode e ponto final. Durval foi na onda e Gildo, pra não ficar isolado, acabou concordando. Eu, que era um sonhador, não quis saber de tocar por dinheiro. Saí do grupo que idealizei sem ter conhecido os outros músicos e me afastei dos colegas, isolando-me.

Na madrugada de uma sexta-feira, 11 de outubro de 1996, Renato Russo morreu no Rio de Janeiro. À tarde, cheguei mais cedo no colégio e, como de costume, sentei-me no meu claustro, a última carteira do fundo, colada na janela, refúgio poético. A introspecção silenciosa e vazia foi rasgada por um giz arremessado com precisão bem na minha testa. O colega Marquinhos rumou o pedaço colorido só pra anunciar: "Porra, cara, Renato Russo morreu, morreu mesmo, sacanagem, eu curtia as músicas da Legião".

De novo só, em silêncio, processei a notícia. Sem o líder, o cantor, o poeta, acabou a Legião Urbana. Quais eram as músicas que eu conhecia da banda? Tentei recordar e só veio "Vento no Litoral" tocando na Globo FM – nessa época a minha família não tinha som com CD player e o que nós ouvíamos era fruto de K7 e rádios em um aparelhinho mono. Uma certa tristeza bateu e raciocinei: "É, como ele morreu, vão tirar seus discos de mercado, e eu não tenho nenhum... nossa, preciso comprá-los".

Coleção de Mirdad dos CDs da Legião Urbana e Renato Russo.


Essa lógica estranha, que por muitas vezes representa um aumento de vendas pós-mortis, gerou uma obsessão consumista que se apoderou de mim. Alguns dias depois, anotei a discografia completa da Legião Urbana, elaborando um plano para poder organizar uma compra simultânea, já que a ansiedade que estava a me consumir não iria conseguir esperar quase um ano para completar a coleção, assim como foi com os discos de Bob Marley & The Wailers.

Dezembro de 96 chegou. Economia na mesada somada a um dinheiro extra, dado de presente pelo gentil tio Djalma, garantiram os recursos e eu comprei sete CDs da Legião Urbana, entulhando o CD player de tanto tocar. Virei um legionário póstumo. O rei foi gradativamente sendo preterido, engolido por uma aproximação mais íntima. A relação com o reggae era espiritual, mas o som melancólico da Legião Urbana dialogava com meu contexto introspectivo e parteiro de poeta; uma referência em toneladas da fusão de versos doídos e melodias simples, com toda a força de uma adoração inevitável. Renato Russo era o guru que eu precisava. Bob Marley tratou meu espírito, mas o angustiado poeta iluminou meu caminho de poeta e letrista.



ESCOLA DE ROCK

1997 chegou e a turma mais legal do vespertino se apossou da delicatessen Albani, que funcionava ao lado do Colégio PhD, onde a galera se reunia pra curtir o intervalo. Era um ano mais nova que a minha, a turma de Mark Dayves, um grande amigo, e do loiro louco Álvaro M. Valle, o astro principal. Compositor punk, sempre com um violão em punho, tocava suas músicas, que eram sucessos entre os amigos (que tinham outros tocadores e até um cover perfeito de Zé Ramalho, o Aquiles), além de clássicos do rock baiano, nacional e Ramones.

Sacerdote da maior banda punk de todos os tempos, Álvaro catequizou todo mundo a ouvir Joe & cia, inclusive eu; impressionado pela simplicidade evidente e grude instantâneo das canções, gravei três fitas K7 só com as que mais gostava (um apanhado de "Loco Live", "All the Stuff", "Mondo Bizarro", "Acid Eaters" e "Ramones"), passando a ouvir o tempo inteiro, como foi com Bob Marley e Legião Urbana. Pois foi o punk de Ramones que de fato me catequizou para o rock "mermo" (até então era apenas um legionário das músicas depressivas).

Capas dos álbuns dos Ramones que Mirdad selecionou para gravar as fitas K7.


Álvaro me apresentou a porra louquice da atitude rock e punk. Aquela visceralidade foi me materializando, dando a real, saindo da fluidez do reggae para o chão cru do rock. Comecei a me interessar mais pelo barulho, pela sujeira, pela distorção e, mais ainda, pela atitude de compor e vomitar suas próprias canções, fazendo você mesmo a porra. E enquanto o loiro louco ampliava meu repertório musical, outro amigo mostrou o caminho, pacientemente, da transposição do reggae para o rock.

Vindo de Catu, interior baiano, para o 302 do prédio onde eu morava, Alan Freitas era um metaleiro que começava a ampliar seus horizontes musicais nessa época, colega de Mark Dayves e Álvaro na melhor turma do PhD. Vizinhos e flamenguistas, ficamos amigos; conversávamos prioritariamente sobre música e ele me empurrava uma porrada de bandas de metal, desdenhando de minha idolatria por Bob Marley. Guitarrista aprendiz, fazia um panorama do que era pesado, com Iron Maiden, Metallica e Motörhead, e também trazia as viagens psicodélicas de Pink Floyd.

Metallica - Foto: Elektra Records.


A escola de rock de Alan Freitas funcionou na homeopatia, porque de tudo que ele me apresentou, só curti, de leve, Metallica – engraçado que tinha achado Pink Floyd um porre (talvez por causa do vício em Ramones). Mas a chegada da MTV Brasil na minha TV ajudou muito, trazendo o novo mundo dos videoclipes, da construção visual de um artista enquanto rock star. De tudo que absorvi em 1997, duas bandas fizeram um estrago danado: The Wallflowers e Radiohead. Pirei completamente pelo som.

Depois de ver os clipes das músicas "The Difference" e "Karma Police", literalmente no outro dia, comprei o ótimo "Bring Down the Horses" e o espetacular e premiado "OK Computer" – os primeiros CDs que comprava, depois da coleção de Bob Marley e Legião Urbana. E a satisfação foi tanta que a partir daí passei a comprar discos apenas de rock; fora isso, apenas alguma cantora do tipo Fiona Apple e tal. E o Radiohead, com o passar dos anos, foi subindo no meu panteão musical, formando a tríade sagrada com Pink Floyd e Bob Marley & The Wailers (até hoje, o rei supremo pra mim).


A escola do rock precisava de um Google (era uma época sem internet). A solução foi virar assinante de banca da revista "Showbizz", principal fornecedor de informações e conhecimento sobre a história, os artistas, os movimentos, as bandas, CDs, as obras, etc. Devorava tudo como devorei os treze volumes da Enciclopédia Abril na infância – a obra foi o meu melhor amigo enquanto criança.

Pela "Showbizz" conheci o Led Zeppelin e fiquei fã. E por tanto ouvir o Zeppelin, abriu a percepção para a beleza dos solos de guitarra e a preferência pelo som setentista e a chegada de Jimi Hendrix, Creedence Clearwater Revival, Dire Straits e Black Sabbath, e pelo blues, que chegou forte com Muddy Waters, B.B. King e Eric Clapton. Engraçado que, de todos os cânones, The Beatles foi o único que nunca me impressionou; era algo "nem fede, nem cheira".

Revista ShowBizz Ed. 147 de 1997 que apresentou Led Zeppelin para Mirdad.


ENFIM, VIOLÃO

O curso intensivo da escola de rock transcorreu durante os meses de 1997. Era muito para ser apreendido em pouco tempo. Enquanto a maioria teve acesso ao universo do rock pelos LPs dos pais, tios, avós, primos ou irmãos, os meus avôhais gostavam de Bossa Nova e Forró, MPB e música brega. O rádio e seu pop de sempre foi o que ouvi desde a infância. Somente no final de 1995 que Bob Marley & The Wailers apareceu como primeira preferência e idolatria. Aí Renato Russo começou a transição para o rock, Ramones arregaçou e consolidou a chegada ao rock, Radiohead trouxe Pink Floyd, The Wallflowers o rock dos anos 90, Zé Ramalho a força do cantador e do folk, e Led Zeppelin a admiração pela guitarra, pelo som setentista e o blues.

Enquanto isso, primeiros meses de 1997, dezesseis anos borbulhando, recém-poeta, querendo fazer um som, mais ainda pelo faça você mesmo do punk, invejando a posição de rock star de Álvaro na galera que ia à Albani curtir o som, eu tinha que aprender a tocar violão de qualquer jeito (pensava: assim terei destaque e conquistarei garotas – o motor do rock). Aproveitando a facilidade harmônica das músicas da Legião Urbana, comecei a ensaiar no violão Alhambra de minha mãe e só tocava acordes simples, sem pestana, até conseguir tocar a primeira música: "A Montanha Mágica", do álbum "V". Eu nem curtia tanto a canção, mas foi a única que consegui tocar até o fim. Fiquei radiante, mas ainda tinha o problema da pestana.


O maior obstáculo para os iniciantes no violão são os acordes em que o dedo indicador tem que segurar todas as cordas e os outros se distribuem dependendo da formação dos acordes, e o som tem que sair limpo. A famigerada pestana. Das outras vezes em que tentei tocar violão, fui derrotado por ela. E só consegui com a dica valiosa do professor de rock Alan Freitas: a força da pestana não é no dedo indicador e sim no polegar, que tem de estar fixo e completamente firme, o centro e catalisador da força. Bingo!

Contrariando o caminho óbvio, ao invés de estudar música de fato, fiz questão de ficar segmentado, concentrando o esforço aprendiz ao mero acompanhar de acordes – só queria acompanhar meu canto para impressionar os outros e principalmente garotas. Não quis saber de teoria, resistindo com muita força aos "ataques" de minha mãe professora. Mas... Não virei um "rodinha de violão star". O que era pra ser uma afirmação ao externo, virou um sólido percurso a mais uma introspecção – só quis saber de tocar músicas da Legião Urbana.

Garimpei as incontáveis revistinhas de cifras de Dona Martha e com a ajuda de alguns amigos violeiros, montei um caderno inteiro de músicas legionárias. De jeito algum eu tocava outro som. Passei a não me importar com a vaidade, e não invejava mais o amigo Álvaro. Minha mãe passou a me exigir que tomasse aula de canto, mas eu batia o pé que ainda não era o momento (que nunca chegou – discípulo fiel do faça você mesmo). O autodidatismo era regra e eu curtia cantar tentando imitar Renato Russo – foi assim que descobri o timbre grave de minha voz.

Rascunho original de "Vastidão", a primeira composição de Emmanuel Mirdad.


VASTIDÃO, A PRIMEIRA COMPOSIÇÃO

De tanto tocar, mas tanto mesmo, saturei de Legião Urbana. Passei então a explorar harmonias a esmo, dando vazão à sensação de sair cantando uma coisa qualquer, o parto do ato de compor. Eu não queria fazer solos, riffs, arranjos; não me interessava ser um guitar hero, e sim apenas tocar violão e cantar, muito simples, muito básico.

Um dia, em julho de 97, folheei as páginas de uma revistinha de cifra e parei em uma música chamada "Juventude à Vácuo". Que diabos de título é esse? Uma letra punk, ingênua, de uma banda chamada Não Religião. Comecei a tocar os acordes e a cantar a letra do jeito que quis, pois não conhecia a banda e nunca tinha escutado a música – ironicamente a cifra estava numa revistinha chamada "Sucessos". Parei por aí, não saí cantando mais em cima de cifra alguma. Uns dias se passaram.

O primeiro álbum da banda Não Religião,
com "Juventude à Vácuo" incluída.


Sexta-feira, 18 de julho de 1997. Escrevi "Vastidão", um poema lisérgico, meio nonsense, sobre um cirurgião, com poderes espirituais, invocado a resolver problemas do corpo de um alguém, com quatro estrofes de quatro versos (a forma mais usual de minha poesia nessa época), que bateu uma vontade de cantar. Violão em punho, mas a harmonia não veio. Travei. Não sei como, mas me lembrei dos acordes daquela cifra de "Juventude à Vácuo" e o jeito que eu a tinha tocado, um meio-termo pra frente de pop rock. Saí cantando o poema "Vastidão".

Nasceu assim a minha primeira composição, o parto do compositor Emmanuel Mirdad. Fiquei alucinado ao final da última nota; finalmente descobri algo que me completava, preenchia o vazio, tapava o buraco da existência. Finalmente algo pra acreditar, pra dar sentido à vida e evitar o suicídio da bomba relógio. Nunca mais tocar violão à revelia, ao banzo, à introspecção. Agora tinha uma meta: compor e tocar minhas músicas, meu trabalho, materializar e exorcizar minhas angústias. Não é que o cirurgião invocado trouxe a vastidão de sentidos para me firmar vivo?

Mas eu precisava testar, saber se outras pessoas aceitariam o meu som. Com muito receio da rejeição, tive que escolher um ouvinte padrão: um jovem que curtisse rock e que tivesse um pouco mais de cultura que os demais amigos que tinha na rua. Poderia ter sido Alan Freitas ou Mark Dayves, mas fui diretamente no meu referencial maior: Álvaro M.Valle. Ele fazia muito sucesso na galera dos intervalos na Albani com as suas próprias músicas, ou seja, seria o respaldo de um compositor avaliando outro. Além disso, tinha bagagem musical e representava muito bem a persona que tinha acabado de idealizar pra mim: band leader, rockeiro e letrista.

O baixista Álvaro M.Valle em 2001 por Mark Dayves.


Intervalo das aulas, Álvaro estava no portão da saída tocando alguma música de sua banda punk Raska. Não tinha mais ninguém por perto. O momento era aquele. Pedi o violão e expliquei que era uma música minha, tinha acabado de compor e queria saber a opinião dele. Toquei muito nervoso, mas consegui chegar ao fim. Álvaro foi a minha primeira plateia, o primeiro ouvinte e crítico. Resumiu assim: "Massa! Continue compondo". Não sei se foi por mera educação, ou se realmente tinha gostado, mas o comentário positivo vindo do cara que eu mais admirava era simplesmente o alvará. Enchi-me de orgulho, devolvi o violão e fui pensar num canto, sozinho. Afirmei: eu serei compositor.

Não sei se um comentário negativo provocaria uma reação de "nunca mais composição própria". Acho que não, pois ser compositor já estava gravado no meu caminho pela sincronia, mas o incentivo do ídolo daquele instante foi fundamental, agilizou o processo (passei a só querer violão para compor algo que eu pudesse assinar meu nome embaixo do título, o que dura até hoje), vingando uma safra de treze canções no primeiro ano de 1997. Destas, apenas duas se eternizaram na Orange Poem: "Osmose em Mão Dupla", cuja melodia e a ideia base do poema formaram "Dubious Question"; e "Vastidão", que alguns versos e a ideia base do poema formaram "Wideness".

Mirdad em ensaio fotográfico de 1999.


COMPUS WIDENESS

Embalado pela vontade de ter uma banda, tentei montá-la durante o ano de 1998, mas não consegui, optando estudar para o vestibular e concluir o 3º ano no Colégio PhD. Ao fim, compus 25 músicas no ano. "Vastidão" chegou a participar do primeiro repertório de 98, mas perdeu a vaga para as novidades que vinha criando. Foi pra gaveta.

1999 chegou e eu passei o ano todo tentando montar uma banda, com várias formações, nomes, repertórios, frustrações e o único objetivo: tocar minhas músicas. Consegui ao menos estrear em estúdio como vocalista no único ensaio do Pássaros Urbanos (nome de então do meu projeto musical), com o guitarrista Beef, o baixista Itã Teodoro e o baterista Rafael Fraga, no sábado, 07 de agosto de 1999 (relembro aqui). E consegui parir minha carreira de produtor começando a gravação do álbum "O Primeiro Equilíbrio" em 23 de setembro no estúdio de André Magalhães, com a alcunha de Poema de Pássaros – que virou Pássaros de Libra quando firmei parceria com Beef (o apelido de Juracy do Amor na época) em dezembro.

Compus 32 músicas em 1999. Dentre elas, doze canções em inglês, compostas em novembro – a vontade de compor no melhor idioma pro rock surgiu em 97, quando compus a grunge "Osmose em Mão-Dupla", a origem de "Dubious Question". De boresta no dia 24/11 (tinha abandonado o curso de Psicologia na Ufba e acabado de ser vetado como cantor no álbum "O Primeiro Equilíbrio" pelo arranjador e midiman André Magalhães), gravei as doze em uma fita K7 com a intenção de arquivar o projeto batizado de the poem – o álbum seria "Flower of Cross". Acreditava que com a profissionalização do projeto principal, poderia tocar o paralelo com mais recursos e eficiência.


"Vastidão" se tornou "Wideness" em novembro de 1999. Quando me motivei para montar o repertório em inglês, sondei as letras do arquivo e resolvi valorizar minha primeira composição, dando uma nova chance pra ela; não me lembrava mais como tocar a melodia feita em julho de 97 (não tinha a gravado em fita) e tive que compor uma nova, que foi feita nas coxas, de improviso poucos instantes antes da gravação caseira, numa harmonia qualquer coisa no tom de G (sol). A fita "Flower of Cross" foi arquivada.

"O Primeiro Equilíbrio" foi concluído no 1º semestre de 2000 e o projeto Pássaros de Libra foi arquivado. Tive que reformular minha vida, abandonei o sonho da música e entrei num cursinho pré-vestibular. Porém, ao compor "Last Fly" em agosto e "Flowers in My Way" em setembro, a mente fertilizou, muitas ideias surgiram e o desejo de seguir carreira musical retornou com força total; decidi formar uma banda de rock inglês depressivo, no estilo do Radiohead (o progressivo psicodélico só viria no ano seguinte), e cair fora do país.

Querendo formar repertório para o novo projeto, recorri ao arquivo e fui ouvir a fita "Flower of Cross". Decepção; músicas primárias, muito ruins, mas o nome ficou: the poem (colori logo depois). Aproveitei apenas "One and Three" (a primeira versão, ainda sem a harmonia de Fábio), "Ownership" e a letra de "Wideness" – por ser originária de minha primeira composição, quis aproveitar o fato histórico e insistir na presença dela em minha carreira.

Hard Again (1977), de Muddy Waters.


Setembro de 2000. Nessa época, estava ouvindo muito blues, especificamente o álbum "Hard Again" (1977), do mestre Muddy Waters, que tocava em repeat eterno. E de tanto ouvir o clássico "Mannish Boy", me inspirei para compor a base blues da nova melodia de "Wideness", que ganhou uma variação rock com cadência de valsa implícita para o refrão. Assim, compus a segunda e definitiva melodia para a versão final da primogênita preciosa. Uma pena que não tenho a data precisa, só o mês. Assim que foi composta, entrou no repertório para nunca mais sair, junto a "Last Fly" (agosto) e "Clouds, Dreams" (dezembro).

Na terça, 7 de novembro (mesmo dia em que ao invés de jogar fora, guardei o papelzinho com o telefone de Fábio Vilas-Boas – iria acertar a entrada do guitarrista somente em janeiro de 2001), fiz decisivas modificações nas letras de "Last Fly" e "Wideness" (só foram sutilmente mexidas na gravação final de 2014). O blues perdeu versos sem sentido e ganhou um enredo mais rebuscado, amarrando melhor o sentido do poema. Mas a estrofe que abre "Vastidão" de 1997, "Nesta vastidão de elementos, sou cirurgião em chamas, invocado a materializar seu corpo em nome sagrado da terra, água e ar", é a mesma da versão final de "Wideness" eternizada em 2014.

Mirdad em setembro de 2000 - Foto: Leila K.


APRESENTANDO O BLUES

Coincidentemente o primeiro laranja a conhecer "Wideness" foi justamente Álvaro M.Valle, aquele que me apresentou o rock pelo punk e aprovou minha primeira composição. Na terça, 31 de outubro de 2000, eu estava na sala de aula da turma H-5 2000/02, do cursinho pré-vestibular PhD, matutando como conseguir o telefone do loiro louco (queria convidá-lo para ser o baixista do poema laranja), quando foi surpreendido pela entrada repentina dele na sala. Estava à procura do irmão Francisco, o Chicão – que acabou se tornando meu amigo nessa turma.

Fora da sala, expliquei o projeto a Álvaro, que esperou pacientemente meu lero-lero pra dizer que estudava em duas faculdades, tocava na banda punk Franca Potente e arranjaria um trabalho que ocuparia de vez o resto do tempo disponível. Como nunca desisto, insisti mais e consegui que o amigo fosse conhecer pelo menos as músicas. O baixista topou e eu apresentei sete músicas; "Last Fly" e "Terrible Life" (nome original de "My Agony") foram as que ele mais curtiu. Ironicamente "Wideness" foi um pouco estranhada, bem diferente de anos atrás. Tempos depois, Álvaro topou o projeto, enrolou, desistiu dele e só foi estrear na banda no ano seguinte, substituindo Rajasí Vasconcelos.

O guitarrista Zanom em 2001 por Mark Dayves.


Na primeira audição de minhas músicas pelo guitarrista Zanom, na terça 14/11/00, "Wideness" ficou entre as três prediletas do cinéfilo e bluesman (que mais à frente seria o responsável pelos solos incríveis da música), que deu preferência a gravar primeiro do que fazer shows. Sem saco pro projeto, interessado apenas em passar no vestibular (também fazia o cursinho PhD, só que em outra turma), só voltaria ao poema laranja no primeiro dia de março de 2001.

A primeira música laranja que o guitarrista Fábio Vilas-Boas ouviu foi "Wideness". Na quinta, 11 de janeiro de 2001, ele veio em meu apê para conhecer o repertório do projeto. Estava todo desconfiado e incrédulo de mim. Mas bastou que eu tocasse o blues para tudo mudar. O guitarrista se impressionou, passou a ouvir atentamente as outras canções e topou entusiasmado a proposta laranja.

O baixista Rajasí Vasconcelos em 2001 por Mirdad.


Rajasí Vasconcelos, que resolveu nosso enorme problema em acertar o baixista para o Orange Poem em 2001, conheceu "Wideness" numa quarta, 07 de fevereiro, nosso primeiro ensaio de cordas, em que ele não quis criar nada em minha frente, me deixando um pouco chateado. Pobre de mim. Mal sabia que o amigo iria criar uma linha especialíssima, que catapultou o refrão e entranhou-se na harmonia como se já existisse desde a criação da música (forcei todos os baixistas que vieram depois a tocarem esse arranjo); idêntico ao que aconteceu com o arranjo de Zanom para "Child's Knife".

O baterista Hosano Lima Jr. só conheceu "Wideness" na quinta, 29 de março de 2001, dois dias antes do primeiro ensaio da Orange Poem. No seu cafofo de ensaio no quarto da despensa, tirou de letra o blues, que tinha sido transcrito para a partitura por minha mãe no início do mês e registrado na Biblioteca Nacional no caderno "Shining Life, Confuse World" sem "One and Three" junto a outras nove canções minhas.

Trecho inicial da partitura de "Wideness", transcrita de punho pela mãe de Mirdad, Martha Anísia, registrada na Biblioteca Nacional no caderno "Shining Life, Confuse World".


CONSTRUÇÃO

No segundo ensaio de cordas do Orange Poem em 27/03, Zanom criou o solo do refrão de "Wideness", inspirado no arranjo de baixo de Rajasí. Foi o começo de sua entrada como solista no blues laranja (e na banda também). Mas na primeira vez que a banda completa tocou "Wideness" em estúdio (inclusive foi a primeira música a ser tocada no primeiro ensaio TOP em 31/03/2001), a canção foi pouco explorada (foi tocada sem o meu violão 12 cordas que não houve quem o afinasse) e totalmente solada à revelia por Fábio Vilas-Boas.

Durou pouco. No ensaio seguinte, sábado, 21 de abril, Fábio faltou (a “Romarice” do pastor começou cedo – aliás, ele já tinha faltado ensaios de cordas antes). A Orange Poem aproveitou para testar a capacidade do guitarrista Zanom, que arrasou nos solos e surpreendeu a todos. Hosano ficou fã de imediato: "você toca pra porra, cara!". Assim, conquistou a exclusividade dos solos em "Wideness" – esse ensaio foi bala, muito divertido, com uma homenagem especial ao ídolo recém-falecido Joey Ramone, em uma série de covers como "Blitzkrieg Bop", "Sheena is a Punk Rocker" e "I Wanna Be Sedated" puxadas por Zanom e instintivamente tocadas e cantadas por todos com muita emoção; Ramones forever!

Joey Ramone (1951-2001) - Foto: Melanie Edwards.


Essa exclusividade também durou pouco. No terceiro e quarto ensaio TOP, Zanom ficou meio perdido e sem criatividade para tantos solos. Fábio aproveitou e retomou na marra seu espaço, metendo solo por cima do solo do outro guitarrista. Organizei a bagaça e deixei dois espaços pra cada. No 10º ensaio, em 19 de julho de 2001, o último com o baixista Rajasí Vasconcelos, sugeri que Hosano fizesse um solo de bateria antes da quarta estrofe de "Wideness", por achar que Fábio tava fazendo uns solos metais demais para um blues.

Pra deixar tudo certinho e a música funcionar como um cartão de visita da banda laranja, pedi para que o "novo" baixista, Álvaro M. Valle (retornou em agosto de 2001 e saiu de novo em abril de 2002), fizesse um solo antes da segunda estrofe. Assim, a canção se tornou democrática (mas o solo final continuaria com Zanom), com um solo pra cada músico (abertura com Zanom, antes da 2ª estrofe com o baixista, antes da 3ª estrofe com Fábio e antes da 4ª estrofe com Hosano), arranjo eternizado na sua versão final.

Os guitarristas Fábio Vilas-Boas e Marcus Zanom em 2001 por Mark Dayves.


De janeiro a setembro de 2001, reformulei o repertório dez vezes. Em todos, "Wideness" era a faixa um. Eu considerava "Last Fly" a melhor, mas o blues era a faixa que eu tocava primeiro para mostrar o som laranja. Mas isso mudou depois da gravação do nosso primeiro demo em outubro de 2001. "Last Fly" finalmente surgiu com a sua grandiosidade e imediatamente tomou o posto de faixa um, onde não saiu mais até a banda acabar em 2007. E "Wideness" foi despencando faixa abaixo com o passar dos anos, sendo precedida pela dupla pop "A Song to You, My Home" e "Diet of Dust" (hoje descartadas) e pela dupla pesada "Child’s Knife" e "The Green Bee", abrindo o bloco lindeza total, precedendo "Rain" e "The Unquietness" (essa foi a ordem registrada no nosso primeiro CD em 2005).

Entre 2001 e 2003, "Wideness" esteve presente em 48 ensaios (só não rolou no 11º em 2001), no CD demo de 2001, no DVD demo de 2003 e nos três shows da Orange Poem. No 3º show, que rolou em 30 de abril de 2003 no finado Havana Music Bar, o blues teve uma bela execução. Um bêbado chegou bem próximo ao palco e ficou imitando o solo base do refrão com os dedos, viajando mesmo no som que conhecia pela primeira vez – era a grande amostra que a laranja sensibilizava mesmo. A música desconhecida que trouxe um ser alcoolizado do fundo do bar até próximo ao palco, fazendo-o incorporar os solos e até dançar (relembrou a dança espontânea de Mark Dayves em "Last Fly" no 1º show TOP). Sensacional!

Orange Poem no show do Havana Bar em 2003.


Em 2004, a banda partiu para finalmente um processo de gravação profissional com o estúdio Casa das Máquinas, de Tadeu Mascarenhas. Mas antes, para levantar grana, produzi o "Agente Laranja Gueto Cultural" (meu primeiro evento), uma série de sete shows no finado Tangolomango Bar. Com isso, "Wideness" esteve presente em 21 ensaios (não rolou nos 60º, 64º e 66º ensaios (voltados aos covers) e no 70º) e em quatro shows [não rolou no 7º (29/ago) e no 8º show (12/set) – como estava no último bloco, acabou o tempo e não deu pra tocar, e no 10º show (10/out)].


GRAVAÇÃO

Sábado, 27 de novembro de 2004, primeira sessão de gravação do 1º CD TOP, "Shining Life, Confuse World", chegamos eu, Fábio, Zanom e o batera (vindo direto do trabalho na Mil Fogões, a loja da família) ao primeiro endereço do "Casa das Máquinas", de Tadeu Mascarenhas. Enquanto arrumávamos o set, Fábio fazia diversas piadas da figura ímpar e barbuda de Tadeu, prontamente apelidado de "profeta". O relógio marcou 11h30 quando o técnico começou a aprontar a bateria. Enquanto isso, faminto, saí pra comer em um restaurante a quilo no Largo de Santana. Fábio só comeu uma soja lá pelo meio da tarde, e os resistentes Zanom e Hosano não comeram.

Projetei gravar bateria, guitarras base e violão base (o baixista Artur Paranhos, que substituiu Álvaro M. Valle em 2002, tava de licença médica na época), mas só rolou mesmo a batera – a primeira versão do "Casa das Máquinas" não tinha espaço suficiente. E algo chamou atenção dos laranjas; inacreditavelmente não levei nada pra registrar o momento, nem câmera de vídeo, nem máquina fotográfica, muito menos o eterno gravador AIWA. Depois de tantos registros de ensaios, reuniões e shows, cansei – lamento muito hoje em dia essa equivocada decisão.

O baterista Hosano Lima Jr. em 2004.


Hosano Lima Jr. estava inspiradíssimo hoje. De uma só vez, gravou a bateria de todas as 12 músicas do álbum, mesmo sem o metrônomo (cortado por mim) e sem baixo. E a preferida da sessão foi "Wideness", com uma performance antológica; no momento do solo final de Zanom, eu estava guiando apenas com o meu violão e sugeri pelo microfone a Hosano um "quebra tudo", e ele literalmente quebrou, lascando uma das baquetas, tocando mesmo assim com força e técnica até o final. Foda!

O guitarrista Fábio Vilas-Boas gravou sua participação em "Wideness" na 2ª sessão em 30/11 (base e solo). O baixista Artur Paranhos gravou em dois dias: a base na 6ª sessão em 18/12 e o solo na 7ª em 20/12 – ele não gravou o solo de primeira, adiando, porque em mais de dois anos e meio de banda, nunca tinha definido um solo.

Gravei o blues com o violão 12 cordas emprestado pelo cantor e compositor Alex Pochat (o meu tinha sido condenado por um luthier, mas acabei gravando em 2006 o 2º CD TOP com ele assim mesmo) na 9ª sessão em 29/12 – foi fácil, bastou seguir o guia que foi o que ferveu no final da canção guiando o "quebra tudo" de Hosano. A voz registrei já em 2005, na 12ª sessão, em seis de janeiro. Não tinha curtido o pedido de Tadeu para dobrar a voz, mas ao ouvir um amigo dizer que todo mundo do rock faz ("você nunca ouviu “Ozzy Osbourne não?"), topei.

Zanom sola em "Wideness" em 2004.


Zanom começou a gravar sua participação em "Wideness" na 5ª sessão em 14/12/2004, que foi a última faixa do dia. Com um astral muito melhor que na sua sessão anterior, mais preparado e calmo, gravou na base o mesmo riff do baixo criado por Rajasí Vasconcelos. Na 8ª sessão, em 28 de dezembro, Zanom gravou o eficiente solo da introdução rapidamente, calejado pelos anos de ensaio (definiu o arranjo desde 2001). Gravou a base e parte em wah-wah com pedais emprestados por Tadeu – aliás, todos que ele usou foram emprestados pelo "profeta". E, por último, gravou vários solos para o final e eu montei-o (indicando o caminho para Tadeu que operava os cortes no Pro Tools) no esquema quebra-cabeça. Zanom não gostou do solo e pediu para regravá-lo. Teve sua chance na 13ª sessão em 11/01/2005, na verdade, cinco tentativas, mas nenhuma conseguiu superar o solo do final de dezembro. Decretei: já temos!

Mixamos "Wideness" em 21 de janeiro (junto a "Child’s Knife", foram as últimas do álbum). Neste dia, entrou um doidão pra visitar Tadeu (na época, barbudo como um Talibã) – essa de entrar um doidão no estúdio Casa das Máquinas é rotina, para-raios de maluco como sempre foi. Pois esse era um coroa figuraça, arquiteto (que depois Tadeu disse que devia muito a ele o seu conhecimento e aprendizado sobre o som setentista) que, ao ouvir o som laranja, largou o doce: "Eu sou do tempo do fumo e da vaca e esse troço é massa". Não tem preço. Ouvimos e avaliamos o álbum, passou o Carnaval, e no dia 14 de fevereiro refizemos a mix de "Wideness" reforçando o wah-wah, colocando um providencial drive no solo do baixo e dando mais ganho no solo final.


"Shining Life, Confuse World" foi lançado em setembro de 2005 numa temporada de quatro shows no World Bar. "Wideness" foi tocada em todos os shows e presente nos ensaios como sempre. Foi citada na única matéria em jornal (A Tarde) que saiu sobre a banda e o álbum: "Em "Wideness", entra um blues meio deslocado, cantado com sotaque da Transilvânia". Também foi citada pela única resenha que saiu na internet (site Drop Music): "Em outros momentos chega a soar como uma banda de metal (lembrando Metallica em Wideness)". A agressividade que exagerei no vocal pegou mal. Veja as matérias aqui.

2006 chegou, desistimos de trabalhar o 1º álbum e partimos pra produzir o segundo. Na verdade, era a banda agonizando na UTI. O baterista Hosano se mudou pra Jundiaí/SP e eu desisti do êxodo para Londres por amor. Resultado: a banda acabou em março de 2007 e "Wideness" foi para a gaveta.

O produtor Emmanuel Mirdad, a vocalista Nancy Viégas e o engenheiro de som Tadeu Mascarenhas na 1ª sessão do EP Wide.


VERSÃO FINAL

O percurso da minha primeira composição chegou ao fim em maio de 2014, ao ser gravada pela cantora e múltipla artista Nancy Viégas (atual Radiola e ex-Crac! e Nancyta e os Grazzers), considerada uma das divas do rock baiano, mulher de Tadeu Mascarenhas, dono do estúdio "Casa das Máquinas" e técnico de gravação do som laranja. Inicialmente projetada para ser regravada pelo cantor e compositor Tiganá Santana, acabou caindo no gosto de Nancy que pediu para fazê-la (liberei após ausência de resposta do amigo).

Na primeira sessão de gravação do EP Wide em 09 de maio de 2014, Nancy gravou a voz em "Wideness" investindo um bom tempo para deixá-la bem fluida, com a interpretação precisa para a música. Fiquei muito satisfeito com sua performance, feliz por ser a primeira vez que uma voz feminina (e que voz!) gravava uma composição minha (ainda mais a versão final da minha primogênita).

Tadeu Mascarenhas grava o órgão em "Wideness" no dia 12/05/2014.


Na segunda, 12 de maio, Tadeu Mascarenhas gravou o órgão na faixa e mixou-a. Após revisão e audição dos demais músicos laranjas, concluímos "Wideness" em 19/05 e lançamos o EP Wide em dois de junho de 2014. A lindíssima capa foi um presente de Glauber Guimarães à amiga de muitos anos Nancy Viégas. E "Vastidão", que me pariu enquanto compositor em 18 de julho de 1997, pode enfim se eternizar no blues "Wideness", quase 17 anos depois.

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