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Quinze passagens do romance Paraíso, de Abdulrazak Gurnah

Abdulrazak Gurnah
(foto: Joel Saget - AFP/Getty Images)


“Aonde quer que fossem agora, eles descobriam que os europeus tinham chegado antes e instalado soldados e oficiais que diziam ter vindo para salvar aquelas pessoas de seus inimigos, que só queriam escravizá-las. Falavam como se ninguém soubesse o que era comércio antes deles. Os mercadores falavam dos europeus com espanto, admirados com a ferocidade e crueldade deles. Levam as melhores terras sem pagar nem uma miçanga, forçam as pessoas a trabalhar para eles usando alguma manobra enganosa, comem de tudo, mesmo que seja duro ou esteja podre. O apetite deles não tem limite nem decência, parecem uma praga de gafanhotos. Imposto para isso, imposto para aquilo, senão o inadimplente vai para a cadeia, ou para o chicote, ou até para a forca. A primeira coisa que eles constroem é uma prisão, depois uma igreja, depois um galpão para o mercado assim não perdem o controle das vendas e depois podem cobrar impostos. E isso antes mesmo de erguerem suas casas. Alguém já ouviu uma coisa dessas na vida? Eles usam roupas feitas de metal, que apesar disso não irritam o corpo, e conseguem ficar dias e dias sem dormir e sem tomar água. O cuspe deles é peçonhento. Wallahi, eu te juro. Se espirrar em você ele queima a carne. O único jeito de matar um deles é dar uma facada embaixo da axila esquerda, e tem que ser ali, mas isso é quase impossível porque eles usam proteções pesadas nessa parte.”


          “‘Onde é que fica esse jardim?’, Kalasinga perguntou. ‘Na Índia? Eu vi muitos jardins com cataratas na Índia. É esse o paraíso de vocês? É lá que mora o Aga Khan?’
          ‘Deus criou sete Céus’, disse Hamid, ignorando Kalasinga e virando a cabeça de lado como se quisesse se dirigir apenas a Yusuf. Aos poucos sua voz ia ficando mais baixa. ‘O paraíso é o sétimo nível, que também se divide em sete níveis. O mais alto é o Jennet al Adn, o Jardim do Éden. Eles não deixam nenhum blasfemador cabeludo entrar lá, nem que o sujeito saiba rugir que nem mil leões selvagens.’
          ‘A gente tem desses jardins na Índia, com sete, oito níveis e até mais’, disse Kalasinga. ‘Quem construiu foram os bárbaros mongóis. Eles faziam orgias nos canteiros e criavam animais no jardim para poderem caçar quando desse vontade. Então deve ser o paraíso, e o paraíso de vocês fica na Índia. A Índia é um lugar muito espiritual.’
          ‘Você acha que Deus é doido?’, perguntou Hamid. ‘De pôr o paraíso na Índia!’
          (...)
          ‘Eu vou estar no paraíso, trepando com tudo o que aparecer na minha frente, Allah-wallah, enquanto o seu deus do Deserto ficar te torturando pelos seus pecados todos’, Kalasinga replicou animado. ‘Pra esse seu Deus quase tudo é pecado. Enfim, vai ver que o rapazinho só quer aprender. Está de saco cheio de ficar preso aqui nesse seu cortiço. Se ele tem miolos na cabeça, eles já devem estar virando mingau a essa altura. Você só faz ele ficar aqui à toa escutando as suas histórias mentirosas ou catando aquelas frutas-pão que não valem nada pra levar pro mercado. Até um macaco ia virar religioso com esse tipo de tortura. Manda o garoto pra mim que eu ensino ele a ler no alfabeto inglês, além do trabalho de mecânico. Pelo menos vai ser uma habilidade útil em vez dessa coisa de vendeiro.’”


“O ar estava cortante no pé da montanha, e a luz tinha um matiz púrpura que Yusuf nunca vira antes. Nas primeiras horas da manhã o cimo da montanha ficava escondido pelas nuvens, mas quando o sol ia ganhando força as nuvens se dissipavam e o pico revelava ser de gelo. De um lado, a planície lisa se estendia na distância. Atrás da montanha, quem lhe disse foram homens que já tinham ido até lá, morava o povo guerreiro coberto de terra que criava gado e bebia o sangue dos animais. Achavam que a guerra era uma atividade honrosa e se orgulhavam de seu histórico violento. A grandeza dos líderes era medida pelos animais que tinham obtido saqueando os vizinhos, e pelo número de mulheres que haviam raptado. Quando não estavam lutando, eles enfeitavam o corpo e o cabelo com a dedicação das rainhas dos bordéis. Entre suas vítimas tradicionais estavam os plantadores que moravam nas encostas da montanha onde a chuva empapava a terra. Esses plantadores vinham ao vilarejo várias vezes por semana para vender a safra, e pareciam broncos e lentos, não o tipo de gente capaz de se afastar muito de sua terra.”


          “‘Na Índia eles estão no controle faz séculos’, disse Kalasinga. ‘Aqui vocês não são civilizados, como é que eles podem fazer a mesma coisa? Até na África do Sul, são só o ouro e os diamantes que fazem valer a pena matar todo mundo e pegar a terra. O que é que tem aqui? Eles vão discutir, bater boca, roubar isso e aquilo, talvez travar umas guerrinhas pequenas, e quando cansarem eles vão pra casa.’
          ‘Você está sonhando, meu amigo’, disse Hussein. ‘Olha como eles já dividiram as melhores terras das montanhas entre eles. Na região montanhosa ao norte daqui eles expulsaram até os povos mais violentos e tomaram a terra. Tiraram eles dali como se fossem crianças, sem nenhuma dificuldade, e enterraram alguns dos líderes deles vivos. Você não sabia? Eles só deixaram as pessoas que transformaram em criados. Uma ou duas batalhas com aquelas armas deles e a questão da posse da terra fica resolvida. Parece que eles estão só de visita? Eu estou te dizendo que eles são determinados. Eles querem o mundo todo.’
          ‘Então aprenda quem eles são. O que é que vocês sabem deles fora essas histórias de cobras e de homens que comem metal? Vocês conhecem a língua deles, as histórias deles? Então como é que vocês vão poder aprender a lidar com eles?’, disse Kalasinga. ‘Resmunga, rezinga, e pra quê? Nós somos iguaizinhos. Eles são nossos inimigos. Até por isso nós somos iguais. Aos olhos deles nós somos bichos, e nós não temos como impedir essas ideias por muito tempo. Você sabe por que eles são tão fortes? Porque estão predando o mundo faz séculos. Esses resmungos não vão servir pra nada.’
          ‘Nada do que a gente possa aprender vai ser capaz de parar os europeus’, disse Hussein num tom desanimado.
          ‘Você só está é com medo deles’, disse Kalasinga com delicadeza.”


          “‘Por que você jogou fora?’, ele perguntou.
          ‘Tinham dito que o amuleto ia me proteger do mal, e ele não protegeu. Espero que o seu amuleto tenha mais poder que aquele que eu joguei fora, e que ele te proteja melhor do que o meu me protegeu.’
          ‘Nada pode nos proteger no mal’, ele disse, e começou a seguir em direção à sombra que estava na porta. Amina deu um passo atrás e fechou a porta enquanto ele ainda estava a metros de distância.”


“‘Com a gente, se o culpado dá mostras de que se arrependeu, a gente acha difícil aplicar um castigo, ainda mais se a sentença é dura. Vem alguém pedir piedade por ele, e nós todos temos entes queridos que vão ficar de luto. Mas com o alemão é o contrário. Quanto mais duro é o castigo, tanto mais firme e mais implacável ele fica. E os castigos deles são sempre duros. Acho que eles gostam de dar castigos. Quando ele decide a sentença, você pode implorar até a língua inchar, mas o alemão vai ficar ali parado na sua frente, rosto seco e sem sentir vergonha. Quando ele cansa de você, você sabe que não tem mais escolha, só resta aceitar o castigo. É assim que eles conseguem fazer tudo o que a gente vê eles fazerem. Eles não se deixam distrair por nada?’”


“O vilarejo à beira do lago era banhado de uma luz de suavidade impossível, violeta com matizes carmesins graças aos grandes picos e colinas que formavam as margens. Barcos iam sendo puxados à toa na beira da água e uma fileira de pequenas casas marrons contornava o lago. Ele se estendia para bem longe em todas as direções, fazendo com que todos os homens falassem mais baixo pela sensação despertada pela vista. Os viajantes ficaram esperando do lado de fora do vilarejo como de costume, até receberem permissão para entrar. Havia um santuário logo ali, cercado de cobras e pítons e animais selvagens. Só se o espírito permitisse é que a pessoa podia chegar em segurança ao santuário, e sair dali em paz. Mohammed Abdalla lhes disse isso enquanto esperavam, apontando para um arvoredo não muito distante de onde descansavam. ‘É ali que mora o Deus deles. Os selvagens acreditam em qualquer coisa, desde que seja sem pé nem cabeça’, ele disse. ‘Não adianta dizer a eles que isso ou aquilo é infantil. Não dá pra discutir com eles. Eles só te contam umas histórias intermináveis sobre as superstições lá deles.’ Ele tinha atravessado o vilarejo na última jornada, disse, e foi naquele ponto que para o outro lado. Também foi ali que deixaram dois homens feridos na jornada de volta. Na outra vez pararam ali durante a pior parte da estação seca e acharam que seria mais seguro deixar os homens do que carregá-los numa jornada cheia de moscas até Tayari. Yusuf pensou em como essas palavras tinham soado na varanda de Hamid, como pareceram solícitas e civilizadas. Lembrou que o tio Aziz dissera que os dois homens foram deixados num vilarejo à beira do lago, com pessoas com quem ele nunca tinha feito negócios mas que ele confiava que cuidariam deles. A rala fileira de casas à beira do lago e o fedor adocicado de peixe podre que lhes vinha dos limites da cidade davam um sentido diferente àquela explicação. Quando Yusuf espiou o mnyapara e viu seu olhar alerta e calculista, soube com certeza, envergonhado, que os dois homens tinham sido abandonados ali.”


Abdulrazak Gurnah com o seu Prêmio Nobel de Literatura 2021 (foto: Hugh Fox)


“O mercador esperou para ver se Yusuf ia dizer alguma coisa, e quando viu que não, continuou. ‘Você deve estar pensando: como foi que tantos árabes vieram pra cá em tão pouco tempo? Quando eles começaram a vir, comprar escravos destas regiões era como colher fruta da árvore. Eles nem tinham que se dar ao trabalho de capturar as vítimas, apesar de alguns deles acabarem fazendo isso, só pelo prazer. Não faltava gente disposta a vender os primos e os vizinhos por umas bugigangas. E os mercados estavam abertos por toda parte, lá no sul e nas ilhas oceânicas onde os europeus estavam plantando pra produzir açúcar, na Arábia e na Pérsia, e nas novas plantações de cravo do sultão em Zanzibar. Quem estava nisso ganhou muito dinheiro. Mercadores indianos davam crédito a esses árabes pra eles poderem comprar marfim e escravos. Os mukki indianos eram homens de negócios. Eles emprestavam dinheiro pra qualquer coisa, se desse lucro. Exatamente como os outros estrangeiros, mas esses deixavam os mukki agirem em nome deles. Enfim, os árabes roubaram o dinheiro e compraram escravos de um dos sultões selvagens não longe daqui e fizeram os escravos trabalharem nos campos e construírem casas confortáveis pra eles. Foi assim que a cidade cresceu.’”


“‘De idade! Segundo quem? Eu já passei por ela e sei que ela não é velha. Juro, eu dormi com ela’, disse Khalil. No silêncio Yusuf ouvia a respiração suave de Khalil, e então uma risada súbita de desprezo. ‘Você achou nojento, não foi? Mas eu não fiquei com nojo nem com vergonha. Eu fui atrás dela porque precisava, e usei o corpo dela como pagamento. Ela também tinha as suas necessidades. Pode ser cruel, mas ninguém ali tinha escolha. O que é que você queria que eu fizesse? Ficar esperando uma princesa se apaixonar por mim quando passar pela venda pra comprar uma barra de sabão? Ou uma jinneyeh linda me levar embora na noite do meu casamento pra me guardar num porão como escravo sexual?’”


“Mzee Hamdani soltou um suspiro. ‘Você não sabe nada?’, ele perguntou ríspido, e depois fez uma pausa como se não fosse mais falar. Depois de um instante voltou a falar. ‘Eles me ofereceram a liberdade como um presente. Ela ofereceu. Quem foi que disse que era algo que ela tinha em seu poder, e que podia oferecer? Eu conheço essa liberdade que você está falando. Eu tive essa liberdade desde que nasci. Quando essas pessoas dizem você é meu, eu sou seu dono, isso é como uma chuva que passa, ou o sol que se põe no fim do dia. Na manhã seguinte o sol vai nascer de novo, quer eles queiram quer não. É a mesma coisa com a liberdade. Eles podem te trancafiar, te acorrentar, impedir todas as suas pequenas vontades, mas a liberdade não é uma coisa que podem tirar de você. Quando eles acabarem com você, ainda vão estar tão longe de serem seu dono quanto estavam no dia que você nasceu. Você está me entendendo? Esse é o trabalho que me foi dado fazer, o que é que aquela lá dentro pode me oferecer de mais livre que isso?’”


“(...) Aceitavam o que o mercador lhes dava e recebiam outro pedaço de papel pelo que ele ficava devendo. Não receberiam a parte dos lucros que lhes tinha sido prometida, o tio Aziz explicava a cada um. No estado em que as coisas estavam, ele provavelmente teria que sair atrás de dinheiro em algum lugar para poder pagar os credores. Os homens não acreditavam nele mas só diziam isso entre si. Grandes mercadores tinham fama de fraudar os homens que trabalhavam com eles. Para o mercador eles eram só resmungo e adulação, e rogavam por mais. Nyundo pediu que seus valiosos préstimos como tradutor fossem considerados, e o mercador concordou com a cabeça, alterando portanto o pedacinho de papel. Depois que os homens assinavam o livro dizendo que tinham sido pagos, os papeizinhos recebiam as marcas de Mohammed Abdalla e Simba Mwene, que não sabiam escrever, nenhum dos dois. Alguns homens empurravam para a frente o momento de aceitar o papelzinho, guardando as discussões para mais tarde, mas todos acabavam tendo que concordar com o que o mercador oferecia, ou sairiam de mãos abanando. As famílias dos que tinham morrido na viagem receberam o que os parentes falecidos teriam ganhado. O tio Aziz mandava algodão branco suficiente para uma mortalha, mesmo que o corpo já tivesse sido enterrado a centenas de quilômetros dali, e acrescentava alguma coisinha de seu próprio bolso. ‘Para as orações fúnebres’, dizia ao homem a quem confiava a soma.”


“(...) Yusuf não conseguia entender como as pessoas podiam dormir de tarde, como se fosse uma lei a obedecer. Chamavam aquilo de repouso, e às vezes até a mãe repousava, desaparecendo no quarto e fechando a cortina. Quando ele tentou, uma ou duas vezes, ficou tão entediado que temeu nunca mais conseguir levantar. Na segunda ocasião, achou que a morte devia ser assim, ficar na cama sem conseguir dormir e sem poder se mexer, como um castigo.”


“(...) Era Mohammed Abdalla quem contratava carregadores e guardas, e combinava com eles sua parte dos lucros. Era ele também quem os controlava. Em geral eram pessoas do litoral, que às vezes vinham até de Kilifi e Lind e Mrima. O mnyapara deixava todos eles com medo. As carrancas, os olhares ríspidos e a luz impiedosa que tinha nos olhos prometiam apenas dor a quem ousasse ficar no seu caminho. Os gestos mais simples e mais comuns eram realizados com a consciência e o prazer de exercer esse poder. Era um homem alto, de aparência forte, que andava a passos largos com a coluna muito ereta, esperando ser desafiado. Seu rosto tinha zigomas altos e era calombudo, fervilhando de desejos irrequietos. Carregava um gravetinho fino com que enfatizava as palavras usando-o para cortar o ar quando estava exasperado e acertar uma nádega preguiçosa quando a ira era maior. Tinha a reputação de ser um sodomizador impiedoso e com frequência era visto distraído com a mão na virilha. Diziam, e muitas vezes quem dizia eram as pessoas que Mohammed Abdalla tinha se recusado a empregar, que ele escolhia carregadores dispostos a se pôr de quatro para ele durante a viagem.”


“Uma vez Yusuf roubou uma moeda do bolso do paletó do pai. Não sabia por que fizera aquilo. Enquanto pai se lavava após voltar do trabalho, Yusuf meteu a mão no paletó fedido que estava pendurado num prego no quarto dos pais e pegou uma moeda. Não foi algo planejado. Quando olhou para a moeda depois, viu que era uma rupia de prata e ficou com medo de gastar. Ficou surpreso por não ser pego e sentiu a tentação de devolver a moeda. Pensou várias vezes em dá-la a Mohammed, mas tinha medo do que o pedinte podia dizer ou do que o acusaria. Uma rupia de prata era a maior quantia de dinheiro que Yusuf já tivera nas mãos. Então escondeu a moeda numa rachadura na base de uma parede, e às vezes cutucava com um pauzinho para ver aparecer uma pontinha dela.”


“(...) Com a partida dos homens, foram embora também os mascates e os quiosques de comida, deixando apenas os corvos que ciscavam no lixo que ficava para trás. ‘Não esqueça da gente na próxima viagem’, os homens diziam a Mohammed Abdalla quando estavam de saída. Diziam isso por bondade, pois era mais do que claro que o mnyapara estava doente e cansado, sofrendo com a fraqueza. ‘Nós não trabalhamos bem pra vocês? Foi só Deus que não abençoou a nossa jornada. Então não esqueça de nós, mnyapara.’ (...) ‘Próxima viagem? Participar de outra viagem? Não vai ter próxima viagem’, dizia o mnyapara, com o rosto orgulhoso tornado cruel pela maldade e pela zombaria. ‘O europeu tomou tudo.’”


Presentes no romance “Paraíso” (Companhia das Letras, 2023), de Abdulrazak Gurnah, traduzido por Caetano W. Galindo, páginas 95-96, 105-106 + 134, 83, 113, 279, 150, 178-179, 172, 255, 287, 236, 21, 65, 20 e 236-237, respectivamente.


Aforismos de Abdulrazak Gurnah em “Paraíso”

“Se penso na verdade, vejo você na imaginação”

“Nós somos todos assim, criaturas mesquinhas enganadas pela ignorância”

“O tempo passa a perna em todos nós do mesmo jeito”

“Nada como uns meses entre os selvagens pra encontrar as fraquezas de um homem”

“Mantinham silêncio quanto a suas mentiras e suas crueldades, como todo mundo”

“As canções foram se tornando mais melancólicas noite adentro, até que no fim as pessoas da rua começaram a se dispersar em silêncio, expulsas pela tristeza anunciada pelas canções.”

Aforismos presentes no romance “Paraíso” (Companhia das Letras, 2023), de Abdulrazak Gurnah, traduzido por Caetano W. Galindo, páginas 73, 170, 187, 154, 43 e 70, respectivamente.

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