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Mostrando postagens de julho, 2013

Como ficar sozinho, de Jonathan Franzen — Parte 04

Jonathan Franzen Foto: Divulgação | Arte: Mirdad "Tudo o que quero de um passeio é que as pessoas me vejam e deixem ser vistas, mas mesmo esse modelo objetivo é ameaçado pelos usuários de celulares e o pouco-caso que fazem da sua privacidade. O isolamento é algo que se alcança sem esforço comparativamente. A privacidade é protegida como mercadoria e direito; os espaços públicos, não. Como as matas virgens, esses espaços são poucos e insubstituíveis e todos deveriam ser responsáveis por eles. O trabalho de mantê-los só aumenta, à medida que o setor privado se torna cada vez mais exigente, confuso e desanimador. Quem tem tempo e energia para defender a esfera pública? Que retórica pode competir com o amor americano pela 'privacidade'?" "Em 1998, observava, sentado no metrô, as pessoas abrindo e fechando nervosamente seus celulares, mordiscando as anteninhas, que lembravam mamilos e que todos os aparelhos tinham. Ou apenas os segurando como se

Espalitando, de Paulo Bono — Parte 03

Paulo Bono Foto: Divulgação | Arte: Mirdad "Como uma formiguinha que resiste à morte. Você dá uma chinelada, ela finge a própria morte, e quando você pensa que não, lá está ela, a formiguinha, andando outra vez. Você dá outra chinelada, e mais outra, ela sente o golpe, mas continua mexendo as perninhas. Então você dá mais outra chinelada, e mais outra, e mais outra, você espanca a formiga e pensa que venceu. Porque se você olhar de perto, bem de perto, ela está lá, mexendo nem que seja uma anteninha, arrastando seus últimos segundos de vida. Isso para mim é poesia" "O que tem para falar de alguém que toca triângulo? Eu estava observando. Dinheiro fácil do caralho. Acho que a maior injustiça desse universo é um tocador de triângulo ganhar o mesmo que o resto do grupo. Aquele sacana bebia mais licor que tocava. Mas o que tinha para tocar? Era tinguinlinguinlim e licor para dentro, tinguinlinguinlim e licor para dentro. Enquanto o sanfoneiro e o zabumb

Como ficar sozinho, de Jonathan Franzen — Parte 03

Jonathan Franzen Foto: Divulgação | Arte: Mirdad "É longo o caso entre literatura e mercado. A economia de consumo adora um produto que vende com boa margem de lucro, fica logo obsoleto ou é suscetível de melhoras constantes, e oferece a cada melhora um ganho marginal em utilidade. Para uma economia assim, a novidade que permanece novidade não é apenas um produto inferior; é um produto antitético. Uma obra clássica de literatura é barata, infinitamente reutilizável e, o pior de tudo, não pode ser melhorada" "Percebi que minha desesperança no romance era menos resultado da minha obsolescência que do meu isolamento. A depressão se apresenta como um realismo em relação à podridão do mundo em geral e à podridão da sua vida em particular. Mas o realismo é apenas máscara para a verdadeira essência da depressão, que é uma dolorosa alienação da humanidade. Quanto mais convencido estiver de que você é o único com acesso à podridão, mais medo terá de se relac

Vamos ouvir: Qualquer Frágil Fio de Fantasia, do Lise

Qualquer Frágil Fio de Fantasia (2011) - Lise Não consegue visualizar o player? Ouça aqui Release disponível no site  do projeto: " O Lise, projeto do multiistrumentista mineiro Daniel Nunes (também integrante da banda instrumental Constantina), lança em 2011 o CD “Qualquer Frágil Fio de Fantasia”, no qual consolida seus experimentos sonoros que absorvem elementos da música contemporânea aliados ao pós-rock, eletrônica de vanguarda, música ambiente e até hip hop. No novo CD as composições do Lise absorvem a música contemporânea, eletrônica e ambiente, partindo de temas instrumentais e experimentação de novas sonoridades. Participam do álbum artistas da cena musical alternativa de BH como o multiinstrumentista Barulhista, Dedig e Matéria Prima (os dois últimos, integrantes da banda Zimun), cuja participação resulta em uma inusitada canção de rap experimental (na faixa "Cuando el tiempo es la poesia", também conhecida com o título alternativo de "Pa

Espalitando, de Paulo Bono — Parte 02

Paulo Bono Foto: Divulgação | Arte: Mirdad "Quando se é gordo, negro, anão, albino, aleijado ou coisa assim, esperam que você conte piadas, seja legal, passe a cola da prova, dê passagem, dê o lugar, faça silêncio, receba o soco, diga obrigado, aguente firme, tenha fé, comporte-se e seja feliz simplesmente por sobreviver com a caridade de quem é gente-bonita e faz o favor de sorrir para você" "Sempre admirei os derrotados, os feridos que não se entregam e resistem ao capricho da morte. Aqueles que, por questão de honra, princípio, raça ou pirraça, não dão o braço a torcer e estão cagando para os vencedores. O vencedor pode ter a medalha, mas ele não tem a menor graça. Sou mais o pugilista que foi à lona, que já não enxerga porra nenhuma e cospe sangue na cara do campeão mundial. Sou mais o samurai que não se entrega nem fudendo, o bêbado que resiste ao tombo, contrariando a vontade de todos, o cachorro sem perna que ainda luta por um pedaço de bife,

Alumia, Dominguinhos!

Ontem morreu um homem bom. Não o conheci pessoalmente, mas bastava vê-lo cantar para que o seu semblante sorridente, de bem com a vida, sertanejo que flui pelas adversidades com a rara sabedoria do ser bom por espontaneidade, sem pretensão, irrigasse a árida seca das relações contemporâneas com um dilúvio de bondade. Sua contribuição para o cancioneiro do país é importantíssima, reconhecida, um músico virtuoso, uma grande voz, mas nenhum dos seus dons musicais espetaculares foram maiores que o legado de seu sorriso, de seu desprendimento, de sua humildade e competência afetiva em encantar a todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo ao menos uma vez. Muito obrigado, mestre, tua luz é imensa e o teu descanso é merecido. Deus te abençoe, filho do Nordeste, alumia a quem fica, estrela sertaneja! Deixo aqui uma linda canção: Dominguinhos interpreta Preciso do teu sorriso , que amo! Não consegue visualizar o player? Veja no YouTube aqui

Como ficar sozinho, de Jonathan Franzen — Parte 02

Jonathan Franzen Foto: Divulgação | Arte: Mirdad "Grosseria, irresponsabilidade, má-fé e estupidez são marcas das relações humanas reais: o assunto de conversas, a causa de noites em branco. Mas, no mundo consumista da propaganda e das compras, nenhum mal é moral. Os males consistem em preços elevados, inconveniências, poucas opções, falta de privacidade, azia, queda de cabelo e estradas escorregadias. O que não é surpresa alguma, já que os únicos problemas para os quais vale a pena buscar uma saída são aqueles cuja resolução implica gasto de dinheiro. Mas o dinheiro não nos livra dos que não têm modos – a pessoa que conversa no escuro do cinema, a cunhada que nos trata com condescendência, a namorada que só pensa nela mesma – a não ser que nos ofereça refúgio numa privacidade atomizada. E o Século Americano se inclina exatamente a tal privacidade" "Imagine que a existência humana seja definida por uma Dor: a Dor de não sermos, cada um de nós, o cen

Espalitando, de Paulo Bono — Parte 01

Paulo Bono Foto: Divulgação | Arte: Mirdad "Sempre odiei licitações. A raiva aumentava quando eu lembrava das palavras do diretor de criação 'Bono, tem uma licitação pra gente participar. Parece que é coisa séria. Sem carta marcada'. Em que mundo ele vive? Estamos no Brasil. Por que participar se não vai sequer competir? Não é como chegar em último na maratona. Não existem aplausos. Não existe medalha de honra. Não existe honra. Existe, no máximo, uma pizza na madrugada. Porque eu sabia que não ia receber nenhum extra por me fuder dia e noite nessa farsa. Mas o que vale minha opinião? Eu sou apenas o redator. Pior, sou um redator gordo. Pior ainda, em tempos de licitação, eu engordo muito mais" "Uma roda de dominó é um verdadeiro fórum de economistas, sociólogos, políticos, técnicos de futebol e noveleiros. Já vi roda de dominó vir a baixo por causa da falta de ética de uma personagem da Renata Sorrah. Dominó na feira é um esporte pra machos

Vamos ouvir: Unhas de Novembro, de Heitor Dantas

Unhas de Novembro (2013) - Heitor Dantas Unhas de Novembro by Heitor Dantas Não consegue visualizar o player? Ouça aqui Experimente no bandcamp: " Novembro. Membro sem unha. Contrapunha, mesmo sem punho, lúnula convexo. Complexo. Membrana, lâmina ungueal, sobrepunha á sobra, punha-se completo. Compunha de queratina: aspargito, ácido glutâmico e aspártico. Explêndido! Enquanto novembro expunha o trânsito. Testemunha em transe. Transpunha a réplica. Paroníquia ímpar, impunha à aspargina, unha sem membro. Depunha sem medo, depois de Novembro. Depois do eponíquio: polegar oposto, opunha ao médio. Médico sóbrio, sobra da alcunha, contrapunha ao mínimo à sombra da República. Dia indicador, pressupunha opôr, onicofagia e pressa ao comparsa jus. Justapunha impressa, expunha o supérfluo. Membro. Novembro sem unha. Novo computar. Unhas de Novembro? Espinho Anelar. "

Como ficar sozinho, de Jonathan Franzen — Parte 01

Jonathan Franzen Foto: Divulgação | Arte: Mirdad "Nossas vidas parecem muito mais interessantes quando filtradas pela interface sexy do Facebook. Estrelamos nossos próprios filmes, fotografamos incessantemente a nós mesmos, clicamos o mouse e uma máquina confirma a sensação de que estamos no comando. E, já que nossa tecnologia é apenas uma extensão de nós mesmos, não precisamos desprezar suas manipulações, como faríamos no caso de pessoas de verdade. É um movimento circular sem fim. Curtimos o espelho e o espelho nos curte. Ser amigo de uma pessoa significa apenas incluí-la em nossa lista particular de espelhos elogiosos" "Posso imaginar as doentias veredas mentais pelas quais o suicídio surge como uma substância subjulgadora da consciência que ninguém pode nos tirar. A necessidade de ter algo só pra si, a necessidade de um segredo, a necessidade de uma derradeira validação narcísica da sua primazia, e então a volúpia da raiva de si mesmo provocada

O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar

Julio Cortázar interferido por Mirdad No final do mês passado, a obra-prima " Rayuela ", publicada no Brasil como " O jogo da amarelinha ", do mestre argentino Julio Cortázar , completou 50 anos de sua primeira publicação. O jornal Clarín criou uma página especial para as comemorações (veja aqui ). A imprensa mundial fez diversas matérias destacando o livro com um dos mais importantes romances latino-americanos. Com 640 páginas, proporciona uma experiência maravilhosa seguir os passos indicados, pulando pra lá e cá no jogo do Cortázar . Como é que não adaptaram ainda pro cinema? Dois filmes, assim como suas duas partes. Mais completo destinar a uma trilogia. Aqui, seguem as pílulas da obra prima nos links abaixo. Parte I Leia aqui “Os dois o sentiram no mesmo instante e escorregaram um pelo outro como para cair em si mesmos, na terra comum onde as palavras e as carícias e as bocas os envolviam como a circunferência envolve o círculo” -------

Poemas, de Daniel Lima

Daniel Lima Foto: Cepe/Divulgação | Arte: Mirdad Foi através de uma das melhores esquinas já publicadas na revista piauí (leia aqui ), em maio de 2012 , que eu conheci a figuraça do padre poeta pernambucano, que tinha falecido um mês antes dessa publicação. Corri atrás de sua obra e comprei a compilação de 400 páginas intitulada " Poemas ", lançada em 2011 pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco), que foi premiado em sua categoria pela Fundação Biblioteca Nacional no mesmo ano do lançamento. Não gostei da primeira parte, mas quando o poeta abandona a forma e os títulos, partindo para o verso livre, a poesia acontece. Aproveitei a leitura para pilular o livro, que você pode conferir nos links abaixo. Parte I Leia aqui "Nada aprendi na vida senão esta lição: que sou provisório e de passagem" ----------- Parte II Leia aqui "É na queda que se revela a escondida fraqueza do homem essencial. É no fundo do abismo que se d

Matéria sobre a Flisca no jornal Notícias do Dia de Floripa

ND Online - 10/07/2013 "Como alternativa e também como diferencial, a ideia é que a Flisca não tenha uma sede fixa, mas seja itinerante pelo Estado. Segundo Mirdad, o objetivo é aproveitar as diferentes regiões com potencial turístico no Estado e também lançar algo inédito e ousado, que vai atrair o público de outras regiões". Matéria sobre a Festa Literária Internacional de Santa Catarina no ND Online de Floripa, com entrevista com o curador local Carlos Henrique Schroeder e o curador e coordenador geral Emmanuel Mirdad , reverberando o comecinho do evento, uma realização da Mirdad - Gestão em Cultura  - clique aqui Versão impressa da matéria no jornal Notícias do Dia :

Entrevista sobre a Flisca

"Quando a Mirdad Cultura decidiu ampliar suas ações culturais pelo País, fizemos uma pesquisa e verificamos que Santa Catarina tinha um cenário muito interessante para o nosso ramo" Confira a entrevista com Emmanuel Mirdad , diretor da Mirdad Cultura, coordenador geral e um dos curadores da Flisca (Festa Literária Internacional de Santa Catarina) para a coluna/blog Orelhada , de Rubens Herbst , do jornal A Notícia , de Joinville - clique  aqui Versão impressa da coluna:

Poemas, de Daniel Lima — Parte 04

Daniel Lima Foto: Cepe/Divulgação | Arte: Mirdad "A vida é mais pressentimento, antecipação, sonho de profeta alucinado e sonâmbulo, que acontecida visão de olhos reais e limpos. É ser navio ao mar, mas é antes ser mais em tempestade que aos rochedos atira o desamparado navio; mas é ser antes a própria tempestade que açoita o mar, jogando-o aos rochedos; mas é ser antes rochedo aonde se esbatem as agitadas ondas e os náufragos que sobram desse açoite e os restos do navio" "As casas correram loucas pela rua afora derretidas de luz e de perfumes e o sol se liquefez em leite e som. Do céu caiu um jarro de agonias e do dedo um anjo distraído dois pedaços de anéis caíram ao chão. Realidade, filho meu, é isto. O resto é ilusão" "A noite é tão escura, tão escura que eu quase escuto o tempo pingando a minha vida gota a gota. E não posso dormir. Sinto a minha vida saqueada pelo som ritmado do relógio. Acendo a luz, fecho o relógio

Poemas, de Daniel Lima — Parte 03

Daniel Lima Foto: Cepe/Divulgação | Arte: Mirdad "Não é o mar que amo, é o infinito que ele sugere, são as paixões que lembra é a força que suscita – é isto que amo no mar, não o mar, mas o que ele representa, a paisagem interior aonde ele aponta, o mar em mim, as águas reprimidas no coração mais dentro" "O morto está só. Está sozinho o morto. Os que o cercam sentem essa distância intransponível. O morto não sente nada, já não lhe dói a vida. E essa carência de toda dor possível é a solidão maior. Os vivos que o velam olham com disfarçado temor seus olhos de pálpebras cerradas, suas cruzadas mãos, seu rosto pálido, sua gelada ausência tão bem posta, sua solidão. E é disto que eles têm medo" "Não sei se poderemos suportar a visão da verdade e a face das coisas quando cair o último véu que lhes oculta o segredo. Pelo menos se as palavras envolvessem a nudez dessas realidades tão duras, poderíamos dormir ainda à chegada