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Mostrando postagens de janeiro, 2022

Quinze passagens de Elisa Lispector no livro de contos O tigre de Bengala

Elisa Lispector “Cérebro de um movimento que depressa ganhou os mais ardorosos adeptos, via-se reduzido à inação. Fizera-se lema, transformara-se em mito, e tinha excedido a grandeza em que ele próprio e os outros o haviam enquadrado. Não mais se pertencia. A máquina que ele montara, acionavam-na agora seus sectários, cujas decisões já se antecipavam às suas. E nesse instante o homem projetava seu pensamento para além da contenda que se tratava, a considerar o quão pouco requeriam sua participação, e até que ponto os demais se encarregavam de conduzir os acontecimentos. (...) Melancolicamente percebia ser apenas um motivo em torno do qual seus companheiros se afanavam, mas um motivo tão impessoal e destituído de interesse quanto o seria um objeto inanimado. Nenhum laço de afeto os unia, empenho algum, senão o da autossuficiência e o desejo de supremacia de uns sobre os outros. E de repente teve uma extrema sensação de isolamento.” “Ele anuíra. Deixava-se ir e vir, afanar-se até não mai

Seleta: Sigur Rós

Eu sou fã da islandesa Sigur Rós , tenho todos os discos, sempre escuto quando quero me isolar para transcender ou me concentrar. Conheci o som élfico há dez anos, quando ouvi o recém-lançado “ Valtari ” e mergulhei na galáxia de dentro. Escolhi como trilha para escrever o livro “ oroboro baobá ”; sem o som dos islandeses, não teria escrito uma linha sequer do meu primeiro romance. Junto com Bob Marley & The Wailers , Legião Urbana , Pink Floyd e Radiohead , forma o panteão sagrado do que há de mais importante na música para mim. Sigur Rós foi a porta para o gênero “ post-rock ” (e o “ ambient ” também), que desconhecia até então. Fã das habitações psicodélicas erguidas pelo Pink Floyd , foi uma gratíssima descoberta, pois o post-rock é o que há de melhor para criar a ambiência de claustro que o ato de escrever literatura exige. A partir do Sigur Rós , passei cinco anos pesquisando e divulgando 600 bandas do gênero na série “ Música para Escrever ”, donde fiquei fã da japonesa

Dez passagens de Jorge Amado no livro Navegação de cabotagem

Jorge Amado em 1948 “Não demora uma semana e Maria Vice-Almirante se despe no Hotel Leblon onde, levado por ela, entro pela primeira vez. Deslumbra-me a juventude do corpo da balzaquiana (...) aspiro o perfume de fêmea, de mulher civilizada, os seios fartos, um corte de bisturi dá-lhe graça ao ventre, os pelos ruivos da xoxota (...) atiro-me sobre ela, fauno, sátiro, machão, vou comê-la como ela nunca foi comida. Em dois lances a executo, tenho-a no pau desde a noite do teatro, saio dela em gala e glória, todo eu canto vitória, espero expressões de regozijo, o louvor da tesão, tenho dezenove anos, julgo-me o maior. (...) Maria Vice-Almirante desata na gargalhada, olha para minha cara, para a estrovenga a meio mastro, quanto mais olha mais ri (...) — Que machão, não é? Tolo! Que pensas que eu sou? Vim aqui para quê? Sou um objeto, um buraco de meter, ou uma mulher apaixonada? Tu não sabes de nada, pobre ignorante. (...) Melhor assim, vou te ensinar, ser tua professora, quando voltar par

Dez passagens de Vitor Miranda no livro de contos O que a gente não faz para vender um livro?

Vitor Miranda (foto daqui ) “– você não fala, não? – às vezes. – o que você tá fazendo aqui? não vai comer ninguém. – como você sabe? – você tem estilo. não precisa pagar. – quer ir embora comigo? – não. acabei de meter. tô muito doida. – tomou o quê? – rivotril. – normal. também tomo, às vezes. – quer me comer? – quero. mas sem pagar. sou poeta. não tenho dinheiro. vim só pra conversar. – veio usurpar nossas histórias. – tipo isso. – cuzão.” “(...) papo acadêmico me broxa. um casal de amigos terminou o relacionamento porque virou um namoro acadêmico. não trepavam mais. só disputavam quem tinha o ego mais bonito.” “– nem me fale. me apaixonei de novo. tô com medo. – por quê? – você me entende. primeiro as pessoas se apaixonam pela poesia que é nossa vida e depois vão embora porque nossa vida é uma poesia.” “(...) quando o dia começa com uma foda ele só pode ir piorando.” “despertador. o casal acorda. ela coloca os óculos e pega o celular. ele tem vista boa. pega o celular direito, ela

Seleta: Radiohead

Eu sou fã da inglesa Radiohead , desde que fui abduzido pelo clipe de “ Karma Police ” em 1997 . Da minha geração (jovem nos anos 90), é a predileta, que botou o hino “ Creep ” pra resumir tudo: “ I wish I was special, but I’m a creep, I’m a weirdo, what the hell am I doing here? I don’t belong here ”. Tenho todos os discos, vou ouvir sempre, curtindo todas as faces: da eletrônica experimental ao cancioneiro folk/piano, da música para desaparecer ao rock que não pertence a nenhum lugar por ser esquisito. Thom Yorke é um dos vocalistas mais incríveis que amo, um timbre diferente, miado, dolorido, que me embala no desconforto da existência e que sempre escuto com satisfação. Formado na cidadezinha de Abingdon , beira-rio, junto com os geniais irmãos Greenwood , o bom camarada Ed e o elegante batera Phil , o Radiohead é uma referência na arte, um deleite para um esteta. Depois de Bob Marley & The Wailers e Pink Floyd , é o que há de mais importante na música para mim. A cabeça de

Seleta: Pink Floyd

Pink Floyd (foto: Michael Ochs Archives) Eu sou fã da inglesa Pink Floyd . É a banda de rock que mais gosto, tenho todos os discos, vou ouvir sempre, a contemplar com gosto e admiração. David Gilmour é o guitarrista que mais amo, os solos que me fazem esquecer da matéria, a recriar o espaço & tempo. Roger Waters é a mente brilhante, o poeta ácido, que contesta e expõe as feridas, contra as guerras e os muros. Pink Floyd me ensinou fundamentos valiosos, que apliquei nas minhas composições e produções: o progressivo de ambientes a conduzir as músicas cinematograficamente; o experimentalismo cancioneiro de contrapor e fundir opostos; a psicodelia que transcende e eleva, conduz a mente nas ondas do sublime. Depois de Bob Marley & The Wailers , é o que há de mais importante na música para mim. O fluido rosa coloriu de laranja o meu poema: conduzi a sonoridade da Orange Poem querendo permanecer o Pink Floyd vivo em mim.   Na Seleta de hoje, as 145 músicas que mais gosto, g