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Mostrando postagens de outubro, 2021

Dez passagens de Clarice Lispector nas cartas dos anos 1950 (parte 1)

Clarice Lispector (foto daqui ) “O outono aqui está muito bonito e o frio já está chegando. Parei uns tempos de trabalhar no livro [‘A maçã no escuro’] mas um dia desses recomeçarei. Tenho a impressão penosa de que me repito em cada livro com a obstinação de quem bate na mesma porta que não quer se abrir. Aliás minha impressão é mais geral ainda: tenho a impressão de que falo muito e que digo sempre as mesmas coisas, com o que eu devo chatear muito os ouvintes que por gentileza e carinho aguentam...” “Alô Fernando [Sabino], estou escrevendo pra você mas também não tenho nada o que dizer. Acho que é assim que pouco a pouco os velhos honestos terminam por não dizer nada. Mas o engraçado é que não tendo absolutamente nada o que dizer, dá uma vontade enorme de dizer. O quê? (...) E assim é que, por não ter absolutamente nada o que dizer, até livro já escrevi, e você também. Até que a dignidade do silêncio venha, o que é frase muito bonitinha e me emociona civicamente.”  “(...) O dinheiro s

Ildegardo Rosa, 90 anos

Ildegardo Rosa em 1961 e 2011 Hoje, 22 de outubro , para mim, sempre será o dia do meu pai. Neste 2021 , caso estivesse vivo, estaríamos celebrando 90 anos da sua existência. Mas ele permanece. Enquanto vida houver em mim, permanecerá. O meu pai é a pessoa mais importante para mim. Uma multidão dos mais especiais. Um monte de gente reunida num só sorriso e afeto. Fico até encabulado de comentar, pois há tanta desgraça por aí, mas é preciso ser correto com o seu legado e registrar: sempre amigo, sempre irmão, pai o tempo inteiro, sempre esteve ao meu lado, parceiraço, me incentivando, investindo em todas as propostas que apresentei; nunca me tolheu, sempre me apoiou; seguro, amoroso, disposto, presente, engraçado, carinhoso e conselheiro, quando permitido (nunca invasivo ou descompensado), foi o homem mais generoso, honesto, honrado, íntegro, solidário e de coração imenso que já presenciei nessa existência. Ildegardo Rosa (1931-2011) nasceu no último dia de Libra , em Tobias Barreto ,

Dez passagens de André Lemos no livro de contos Desastres

André Lemos “(...) Certa vez, um escritor austríaco, que tem um busto na avenida Oceânica, entre o Porto e o Farol da Barra, disse que o Brasil é o país do futuro. Diagnóstico equivocado, levado a sério por ufanistas. Exterminam o presente, aniquilam o futuro, revelando um país conservador, excludente e violento. (...) O que se tira do povo desse país é, além das oportunidades materiais, a esperança, a alegria de viver e de lutar por melhores condições de vida. Não se acredita em mais nada. E tudo iria piorar muito nos próximos anos. País de ladrões, de todas as estirpes, desde os miseráveis ladrões de galinha, que podem matar por um celular vagabundo, até os que escondem e circulam milhares de reais em cuecas, malas transportadas de pizzarias ou estocadas em apartamentos em bairros de classe alta. Canalhas de todas as espécies. Não, o Brasil não é o país do futuro.” “Mais crianças, sem máscaras, com seus respectivos adultos adentram meu campo de visão. Uma delas é empurrada em um carr

Cinco poemas e três trechos de Martha Galrão no livro Maturando pernas em rabo de peixe

Martha Galrão (foto: Haroldo Abrantes) [sem título] Martha Galrão Chove Não resiste acesa nenhuma fogueira Noite austera escura, erma nem uma fogueira acesa Cumpro a sina de nomear tochas para iluminar meu enigma O silêncio torna a encobri-lo Tudo é noite não posso dizer mais do que posso. -------- [sem título] Martha Galrão Somos muitas mulheres que sentiram as mãos do tio, pai, padrasto entre as coxas e o sussurro indecente no ouvido: papai pode vi o olho roxo da minha amiga pintado por um murro de seu pai as que apanharam dos irmãos, namorados, maridos, são muitas, são todas, sou eu e é você são putas somos todas putas e quem não é está à beira de ser. -------- [sem título] Martha Galrão Vento frio, mãos frias, coração apertado, reverberação de palavras se pudesse escreveria um poema, agora, a poesia me olha de lado: fique aí com sua agonia pois não estou aqui pra isso. -------- Urdidura Martha Galrão se vou cair no corpo sem fundo a palavra me ampara -------- [sem título] Martha Ga

Cinco poemas de André Lemos no livro Coisas

André Lemos (foto: Dudu Assunção) Janela André Lemos Abriu a janela no quadrante E viu a estrela (planeta?) acima. Abaixo, o vizinho cabisbaixo. Sol, nascente, cegando o horizonte E seu corpo o pulo Freando Da janela da sala Dava para ver o mar; Do quarto, Apenas outras janelas; Da cozinha, para apaziguar, Tinha a visão das copas das árvores. Da cobertura, Sem janelas, Apenas o céu azul. “Onde vai engomado nesse terno preto?”, Diz, mas não ouve o vizinho cabisbaixo. Por que se esconde sob as árvores, Esbelto? Qual seria a sua estratégia? Vai para outra janela Para mudar o ângulo de visão, Ampliar a extensão do olhar Que participa da ação. Naquele silêncio da manhã, Algo passa ao sabor do vento Tirando-o do torpor. Mas, agora, não era A janela do computador. Na cobertura, ajustou o telescópio. É noite e vê muitas estrelas. Atesta, esta não é uma Máquina do visível. É certamente telecronos, Que do tempo é dono. Nessa abertura para o infinito, Livre do confinamento, O tempo passa, present

Dez passagens de Clarice Lispector nas cartas dos anos 1940 (parte 2)

Clarice Lispector por De Chirico (1945 ) “(...) sempre penso, com muita estranheza aliás, que talvez a vida seja a morte e quando a gente morre, acorda e vive, com medo de morrer, quer dizer, de tornar a viver” “(...) Você disse que não queria que a Marcia fosse artista de nenhum modo. Querida quem faz arte sofre como os outros só que tem um meio de expressão. Se você vê por mim está vendo errado. Eu sofro com o trabalho não é pelo trabalho só, é que além do mais não sou muito normal, sou desadaptada, tenho uma natureza difícil e sombria. Mas eu mesma, com esse temperamento e essa anormalidade de todos os instantes — se eu não trabalhasse estaria pior. Às vezes penso que devia deixar de escrever; mas vejo também que trabalhar é a minha moralidade, a minha única moralidade. Quer dizer, se eu não trabalhasse, eu seria pior porque o que me põe no caminho é a esperança de trabalhar. Mas quem faz arte não é como eu, querida. Qualquer pessoa que escreve, por exemplo, riria disso que eu sou p

Emmanuel Mirdad não é mais sócio da Flica e da Cali

Jomar Lima, Marcus Ferreira e Emmanuel Mirdad na Flica 2019 (foto Eli Cruz ) O produtor e empresário Emmanuel Mirdad não é mais sócio da Flica e da produtora Cali . O empresário cachoeirano Jomar Lima comprou a parte dele, assim como havia feito com a parte de Marcus Ferreira em 2019 ( Mirdad e Marcus criaram o evento em 2009 ). “Fico feliz que o amigo-irmão Jomar tenha feito isso, e desejo que cada vez mais a Flica e a Cali possam ser genuinamente de Cachoeira ”, comenta Mirdad , que agradece a oportunidade de ter participado da criação, gestão e execução de nove edições da festa literária mais charmosa do Brasil: “Agradeço ao mundo de gente que trabalhou no e para o evento, aos parceiros da Icontent/Rede Bahia , à cidade de Cachoeira e o seu povo & energias, aos autores, editoras e artistas, aos patrocinadores e apoiadores, e ao público que prestigia a festa desde 11 de outubro de 2011 ”. Jomar Lima se torna o sócio majoritário da produtora Cali , e está preparando no

1 ano de “oroboro baobá”

Hoje, 1 ano que lancei “ oroboro baobá ”, o meu primeiro romance. “Tá vendendo ainda, Mirdad?” Tá sim, e é facim comprar (e o envio é rápido): clique aqui Para testar se o livro é bom, tem o PDF disponível para leitura (e download) aqui Mais info aqui 1 ano. Sassinhora! Passa voando e ainda estamos vivos. Yeba! E hoje (também) começo um novo livro e um novo ciclo. Ô, sorte!

Dez passagens de Clarice Lispector nas cartas dos anos 1940 (parte 1)

Clarice Lispector (foto daqui ) “(...) O diabo é que naturalmente eu venho sempre por último, de modo que eu sempre estou no que já está feito. Isso muitas vezes me deu certo desgosto. Assim, eu estava lendo Poussière  e encontrei uma coisa quase igual a uma que eu tinha escrito. E agora que estou lendo Proust, tomei um choque ao ver nele uma mesma expressão que eu tinha usado no Lustre , no mesmo sentido, com as mesmas palavras.” “(...) Quanto ao diário, fiquei boba. Que maravilha! Só que eu fico sem jeito de escrever nele bobagens. Acho que vou copiar nele as poesias que me agradam, os pedaços de livro que me agradam. E assim, aonde eu for, terei uma biblioteca escolhida.” “(...) Diante de um começo de cena que eu fiz, horrivelmente magoada, ouvi de novo o que eu sabia desde sempre — sempre fui um pouco cínica —: a de que os homens são assim mesmo, que possivelmente a monogamia não seja o estado ideal, que naturalmente ele sente atração pelas mulheres; que a sensação é de deslumbrame

Os melhores versos de Renato Russo nos discos da Legião Urbana

Renato Russo (foto daqui ) A pandemia me fez revisitar a obra da Legião Urbana neste ano, em especial a vida e a obra de Renato Russo : li (e reli) biografias, escutei os discos, elaborei seletas, toquei as músicas em casa e até participei de lives com o amigo legionário Daniel . Daí, nas rosas do outubro que amo, finalmente fiz uma seleção com os versos que mais gosto do meu poeta predileto do rock nacional. Confira abaixo, divididos pelos oito discos de estúdio lançados pela Legião Urbana  (Quer saber qual é a música de cada verso? Escute os discos e encontre!). Viva Renato Russo ! Eterno! Dois (1986) “Quero ter alguém com quem conversar, alguém que depois não use o que eu disse contra mim” “Quem me dera, ao menos uma vez, explicar o que ninguém consegue entender: que o que aconteceu ainda está por vir, e o futuro não é mais como era antigamente” “Quem me dera, ao menos uma vez, que o mais simples fosse visto como o mais importante, mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente” “Q