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Como ficar sozinho, de Jonathan Franzen — Parte 03

Jonathan Franzen
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad


"É longo o caso entre literatura e mercado. A economia de consumo adora um produto que vende com boa margem de lucro, fica logo obsoleto ou é suscetível de melhoras constantes, e oferece a cada melhora um ganho marginal em utilidade. Para uma economia assim, a novidade que permanece novidade não é apenas um produto inferior; é um produto antitético. Uma obra clássica de literatura é barata, infinitamente reutilizável e, o pior de tudo, não pode ser melhorada"


"Percebi que minha desesperança no romance era menos resultado da minha obsolescência que do meu isolamento. A depressão se apresenta como um realismo em relação à podridão do mundo em geral e à podridão da sua vida em particular. Mas o realismo é apenas máscara para a verdadeira essência da depressão, que é uma dolorosa alienação da humanidade. Quanto mais convencido estiver de que você é o único com acesso à podridão, mais medo terá de se relacionar com o mundo; e quanto menos se relacionar com o mundo, mais traiçoeiro parecerá o resto da humanidade sorridente, que continua a se relacionar com ele"


"O obsessivo interesse da mídia em minha juventude me surpreendeu. Da mesma maneira que o dinheiro. Ajudado pelo otimismo da editora, que imaginou que um livro essencialmente sombrio, o avesso do entretenimento, pudesse vender zilhões de exemplares, consegui recursos suficientes para financiar meu livro seguinte. Mas a maior surpresa foi que um livro culturalmente comprometido não teve impacto na cultura. Eu queria provocar; mas tudo o que consegui foram sessenta resenhas que caíram no vazio"


"Quando um escritor diz publicamente que o romance está condenado, pode apostar que seu próximo livro terá problemas; em termos de reputação, é como sangrar em águas infestadas de tubarões"


"O simples fato de uma criança ser 'isolada socialmente', no entanto, não condena o adulto em que ela se transformará a ter mau hálito ou a não saber se comportar numa festa. Na realidade, isso pode torná-lo hipersocial. A única coisa é que em algum momento você começará a ser atormentado por uma espécie de remorso, uma necessidade de ficar sozinho para ler sossegado – e assim se reconectar àquela comunidade. De acordo com Heath (Shirley Brice), leitores do tipo socialmente isolado têm muito mais chance de se tornar escritores do que aqueles que assimilaram desde cedo o hábito da leitura. Se a escrita era o meio de comunicação na comunidade durante a infância, faz sentido que, ao crescer, os escritores continuem achando a escrita vital para que haja uma sensação de vínculo"


"A mentira necessária de todo regime bem-sucedido, inclusive o otimista tecnocorporativismo sob o qual vivemos hoje, é que o regime fez do mundo um lugar melhor. O realismo trágico preserva o reconhecimento de que essa melhora sempre tem um custo. O realismo trágico preserva o acesso à sujeira que não se vê no sonho dos Escolhidos – às dificuldades humanas sob a eficiência tecnológica, à aflição por trás do torpor pop-cultural: a todos esses presságios nas margens da nossa existência"



Trechos extraídos do livro de ensaios "Como ficar sozinho" (Companhia das Letras, 2012), de Jonathan Franzen.

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