Pular para o conteúdo principal

Realizei um trabalho e não recebi o crédito

Mirdad e Tuzé no lançamento de "Impressões"


Dez anos atrás, começo a acompanhar os textos do músico e médico Tuzé de Abreu que ele publica no seu Facebook. Crônicas e memórias revelando bastidores da música, além de reflexões, opiniões, dicas de leitura, causos engraçados, surpresas da vida de legista, etc. De 2015 a 2017, sigo como leitor fiel, sempre comentando “dá pra lançar num livro” ou “tem que virar livro”.


Peço o seu contato, telefono para o fixo da sua residência e tento agitar essa publicação. Nada feito. Daí, chego a fazer a ponte entre a editora Caramurê e o artista, que até se movimentam, rascunham um original, mas o projeto é interrompido. Tuzé continua com muitos leitores no Facebook e nenhum livro.


Como eu costumo não desistir, volto para a pilha. Em 2024, encantado com mais um texto do figuraça discípulo de Smetak, boto a faca nos dentes e afirmo: Tuzé em livro VAI ACONTECER!!!


Numa sexta à tarde, 09 de agosto de 2024, Tuzé abre a porta do seu colorido e artístico apartamento e me leva ao quartinho dos fundos. Está lá o PC em que ele escreve, com uma pasta em que ele reuniu vários de seus textos numa maçaroca de arquivos de Word. Eu, peneira do caos, quero trabalhar logo, mas decido não assinar como organizador. Então, peço para que ele releia tudo e faça uma seleção do que quer ver publicado.


Uma semana depois, 16 de agosto, noutro sextô à tarde, boto a maçaroca no meu pendrive e levo uma listinha feita a lápis, escrita num papel pautado de um velho caderno. Tuzé, pilhado e na onda, havia devorado os textos e organizara a sua seleção. Agora, é a vez do mestiço peneirar: a jornada começa na segunda, 19 de agosto.


Pois entre agosto e dezembro de 2024, durante 28 dias, nas brechas que a vida permite, trabalho de graça na preparação do livro “Impressões” (título escolhido por Tuzé).


Primeiro, insiro cada arquivo selecionado pelo autor num arquivo único, o original, num mesmo tipo de fonte e tamanho, consertando erros de formatação e dando unidade ao texto. Reviso os nomes de pessoas, de álbuns, de ruas, etc.; faço pesquisa para verificar se estão corretos, conserto, faço toda a primeira revisão. Daí, em reuniões virtuais via zapfone com o amigo Tuzé, vamos lendo juntos e vou tirando dúvidas, lapidando o original. Como o autor não cria uma ordem, resolvo meter o bedelho na organização de “Impressões” e escolho uma ordem para as crônicas/memórias – baseado apenas no meu gosto.


Em novembro de 2024, sugiro e Tuzé topa pagar o trabalho da revisora gramatical Acácia Melo Magalhães (que revisou os meus livros e é a profissional que sempre indico e contrato). Pois Acácia faz o serviço rapidamente; eu & Túzeas seguimos para as reuniões finais. O original do livro “Impressões” fica pronto na quarta, 04 de dezembro de 2024.


Ofereço à Caramurê, que até se interessa, mas teria que mexer nas crônicas, diminuir o tamanho do livro. Tuzé não aceita. Nem eu. Daí, me aproximo da editora P55 e ofereço o livro de graça. Não, não quero ganhar nada. É tudo pro bono. É por amizade ao grande Túzeas. É pela memória e cultura do nosso país. Basta só me creditar e tá tudo certo.


29 de novembro de 2025. Quase um ano depois que o original ficou pronto, chego para o lançamento de “Impressões”. Gentilmente, recebo um exemplar de presente. Tuzé autografa com muita alegria: “Mirdad, você é o culpado de tudo. Muitíssimo obrigado”. E ainda me apresenta ao restante da fila como o responsável pelo livro existir.


Pois bem. No belo exemplar de 300 páginas, meu nome não consta em lugar algum. Esqueceram de mim. Segundo me falam no lançamento, não foi de má fé. Mas é um estrago imenso, uma dor que me corta até agora.


Eis os créditos que faltaram na última página:


Organização e preparação do original: Emmanuel Mirdad

Revisão: Acácia Melo Magalhães e Emmanuel Mirdad


Viva Tuzé! Leiam “Impressões”!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: R.E.M.

Foto: Chris Bilheimer A “ Seleta: R.E.M. ” destaca as 110 músicas que mais gosto da banda norte-americana presentes em 15 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Out of Time ”, “ Reveal ”, “ Automatic for the People ”, “ Up ” e “ Monster ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 15 álbuns participantes desta Seleta 01) Losing My Religion [Out of Time, 1991] 02) I'll Take the Rain [Reveal, 2001] 03) Daysleeper [Up, 1998] 04) Imitation of Life [Reveal, 2001] 05) Half a World Away [Out of Time, 1991] 06) Everybody Hurts [Automatic for the People, 1992] 07) Country Feedback [Out of Time, 1991] 08) Strange Currencies [Monster, 1994] 09) All the Way to Reno (You're Gonna Be a Star) [Reveal, 2001] 10) Bittersweet Me [New Adventures in Hi-Fi, 1996] 11) Texarkana [Out of Time, 1991] 12) The One I Love [Document, 1987] 13) So. Central Rain (I'm Sorry) [Reckoning, 1984] 14) Swan Swan H [Lifes Rich Pageant, 1986] 15) Drive [Automatic for the People, 1992]...

Dez passagens de Clarice Lispector no livro Laços de família

Clarice Lispector (foto daqui ) “A mãe dele estava nesse instante enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro, e lembrou-se do que uma cozinheira lhe contara do tempo do orfanato. Não tendo boneca com que brincar, e a maternidade já pulsando terrível no coração das órfãs, as meninas sabidas haviam escondido da freira a morte de uma das garotas. Guardaram o cadáver no armário até a freira sair, e brincaram com a menina morta, deram-lhe banhos e comidinhas, puseram-na de castigo somente para depois poder beijá-la, consolando-a. Disso a mãe se lembrou no banheiro, e abaixou mãos pensas, cheias de grampos. E considerou a cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz. Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que mataremos por amor. Então olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho. E teve horror da própria alma que, mais que seu corpo, havia engendrado aquele ser apto à vida e à felici...

Dez passagens de Jorge Amado no romance Capitães da Areia

Jorge Amado “[Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava ‘meu padrinho’ e que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, u’a mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um animal perseguido por outros mais fortes. A...