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Vinte passagens do livro de memórias Na orla do ocaso, de Ruy Espinheira Filho



“(...) Vários críticos já disseram que sou um ‘poeta da memória’. E, quando alguém me falava disto, eu sempre perguntava: e qual não é? Porque, segundo a minha vida e as minhas leituras, a grande força da qualquer poesia vem frequentemente da memória, do passado, da juventude, da infância. Quem lê os poetas sabe disso. E não só os poetas: todos os artistas vão sempre à memória. E não só os artistas: todos os seres humanos. Aos meus alunos da universidade, eu às vezes dizia que o que realmente temos é de nosso passado, porque o presente é uma iluminação fugaz, e o futuro mera especulação. O passado é algo que realmente houve e continua vivo em nós, embora possa também se transformar em ficção, ao menos parcialmente, porque a memória às vezes imagina... Conseguem conceber um ser humano sem lembranças da vida? O que terá ele de seu, sobretudo no avançar da idade? Vazio. Um grande vazio. Sim, o que fará dele um ser tristemente desabitado.”


          “(...) voltemos ao Colégio Estadual, onde me apaixonei por uma menina morena, paixão que acabou não sendo jamais resolvida — e por isso mesmo eterna —, impregnando secretamente a minha vida e as tentativas de poesia. Muitos anos depois dessa iluminação escolar, eu escrevi um poema sobre ela e o publiquei em Sob o céu de Samarcanda. Leiam a seguir.

          EPIFANIA

          Alguns anos não consigo
          deixar nas águas do Lete:
          os teus catorze morenos
          e os meus magros dezessete.
          Muitas coisas se afogaram,
          e rostos, e pensamentos,
          e sonhos, e até paixões
          que eram imortais...
          Porém,
          os meus magros dezessete
          e os teus catorze morenos
          não entram nem em reflexo
          nesse Rio do Esquecimento.

          (...)

          Em 1996, quando fiz lançamento de livro em SP, na Biblioteca Mário de Andrade, ela apareceu. Achei que continuava a mesma. Conversamos com alegria — e, recentemente, ela voltou a Salvador e entrou em contato comigo. Queria me ver. Eu também queria vê-la, mas estávamos em plena pandemia e seria imprudente.
          Assim, falamo-nos por telefone e e-mail — e, finalmente, enviei-lhe o poema, que ela nem sabia que existia. Ligou-me dizendo que estava comovida e que poderia ter sido diferente a história dos seus catorze morenos e dos meus magros dezessete. Bela história que acabou não acontecendo, mas que permanece, pois sei que a memória pode devolver a juventude quando desperta uma emoção e nos oferta um poema...”


“(...) É assim, com a imprensa: se aquilo que ela publica só vai encontrar o vazio da indiferença, nenhum resultado se produz. A imprensa, nesse caso, é tão inútil, tão sem sentido, como o livro para o analfabeto ou a beleza das cores para o cego. Vivemos, em teoria, numa sociedade organizada. A cumeeira de qualquer organização social civilizada tem que ser o direito, a lei, assegurando a liberdade e, ao mesmo tempo, limitando-a. Haverá autoridades constituídas para a guarda da lei e para a administração do direito. Por consequência, quando, de público, se faz denúncia e mais outra e outra mais, sem que uma voz ao menos se erga, sem que uma providência ao menos se tome, sem que uma única reação se esboce — ou a denúncia é mentirosa, ou o fato denunciado é licito, ou as autoridades são indiferentes. [Trecho do artigo Malhando em ferro frio, do pai do autor, Ruy Alberto de Assis Espinheira]”


“Não, viver não é brincadeira. Por isso, sempre me vou à primeira canção de Viagem, de Cecília Meireles, que é uma obra-prima. Nela, diz a poeta que pôs o seu sonho em um navio, o navio em cima do mar e, depois, abriu o mar com as mãos para o seu sonho naufragar. Bem, muitas vezes fazemos assim com os nossos sonhos que, com frequência, não podemos conservar conosco. Não conseguimos deixá-los em navegação. E, quando assim é, no fim, estaremos com os nossos olhos secos como pedras e com as nossas duas mãos quebradas — aquelas mãos que usamos para abrir o mar e fazer naufragar o sonho... Muito triste, sim, mas talvez a história mais frequente de nossa vida...”


“(...) A vida, todos sabem, é algo muito complicado. Tanto que, na verdade, jamais somos sempre a mesma pessoa. Nem de um segundo para outro. Agora, imaginemos da primeira infância à idade madura — quantos fomos nessa tão longa travessia. Eu mesmo, às vezes, me recordo e não me reconheço. Sim, naqueles tempos, eu não era o homem de hoje, de forma alguma. Tinha meu nome, minha história familiar, mas era outro. Não discuto se melhor ou pior: era outro. (...) Quem era aquele eu? Não faço ideia. Tanto mudamos, mudamos, mudamos.”


“Roberto Scania era um cantor inteiramente convencido do seu talento — pois não percebia que desafinava, como sempre acontece com os desafinados, o que é uma bênção para eles e uma maldição para quem tenha um mínimo de ouvido. Assim, não percebendo as desafinações, exibia os seus dotes sempre que tinha oportunidade.”


“Muitos anos depois, em uma de minhas voltas a Poções, vi um dos meus antigos ‘inimigos’. Ele não me reconheceu, ou fez que não. Fingi não reconhecê-lo, mas observei que, ao contrário de mim, ele não havia estudado, estava condenado a duros trabalhos pela sobrevivência. Há pouco tinha sido um garoto bom de bola e bodoque, mas agora era o exemplo realizado do que a vida faz com os mais pobres. Antes éramos apenas dois meninos daquela cidade, participantes do mesmo tempo de infância, mas agora... Senti-me incomodado. O que poderia fazer? Nada. O que estava feito estava feito. Dei-lhe as costas e parti. Mas não o esqueci jamais. Ele, de cujo nome nem me recordo, sempre estará comigo. Tristemente.”


“(...) Com todos os defeitos e todas as limitações que possa ter tido aquele tempo, que era bem melhor do que os horrores que a ditadura viria nos impor, por mais de vinte anos, com perseguições estúpidas, as mais hediondas torturas e os infames assassinatos (como também aconteceu na Argentina e no Chile, que, felizmente, quando desfeitos tais governos, saíram em busca dos criminosos, fardados ou não, e os puniram, ao contrário do Brasil, que aprovou anistia para todos, o que ainda hoje fragiliza a democracia e fortifica muito os fascistas civis e militares).”


“Já em Jequié, o golpe militar acabou em prisão de meu pai — que assumira como suplente de deputado estadual e estava devolvendo o cargo ao titular — por mais de cinquenta dias, devido à delação de um comerciante fascista, um latifundiário idem e mais uns dois da mesma escória. (...) Por que meu pai foi delatado? Por ser um homem decente e corajoso a ponto de desagradar a alguns. Os igualmente decentes o admiravam (por essa época, as melhores pessoas se juntaram para assinar um documento em seu favor). Mas a escória, que desde os primeiros sinais do golpe correu para denunciar pessoas bem melhores do que ela, não poderia deixar escapar a grande oportunidade. E, travestida de salvadora da pátria, logo se pôs a exercer o sórdido ofício da delação. O que essa gente tinha mesmo contra o advogado? Ora, tratava-se de um livre pensador que costumava dizer o que pensava e de um democrata convicto. Assim, só podia ser subversivo...”


“Pois não há, nesta bela cidade, associações representativas — Sindicatos, Associação Rural, Associação Comercial, Loja Maçônica, Rotary Club, Clubes Sociais? Não há Diretórios de partidos políticos? Não haverá, sobretudo, um legislativo municipal? Tantas tão diversas agremiações hão de permanecer indiferentes a tais desrespeitos, a tantas violências, a tamanhas barbaridades? Sendo, como não podem deixar de ser, entidades representativas, refletem, sem qualquer dúvida, o caráter do povo que representam. Se, pois, não falam, se não protestam, se não reagem, com serenidade, mas com firmeza, é que representam gente submissa, gente amorfa, gente amedrontada, gente egoísta, gente indiferente — bom material para um rebanho, mas absolutamente imprestável para constituir sociedade democrática, por isto mesmo livre, por isto mesmo corajosa, por isto mesmo consciente dos seus direitos e generosa, em consequência. [Trecho do artigo Malhando em ferro frio, do pai do autor, Ruy Alberto de Assis Espinheira]”


“(...) Ainda publica, à beira da morte, quatro anos depois da partida de sua mulher, Memorial de Aires, mas sempre abatido, mesmo tentando manter seus compromissos e relações pessoais, sempre escrevendo aos amigos e não deixando cartas sem resposta, mas sabendo que a morte estava com ele a todo instante. E houve um relato dramático no primeiro relato de Dona Francisca de Basto Cordeiro, em 1839, Machado de Assis que conheci menina. O moribundo se alegrara com a visita do Barão do Rio Branco, que lhe disse estas palavras: ‘ ‘Então que é isso, Machado? Está melhor, não é? Amanhã voltarei a vê-lo de novo.’ E, esquivando-se ao último abraço, apertou-lhe a mão e, sem demorar-se, retirou-se.’ Já no segundo relato, publicado em 1961, Machado de Assis que eu vi, o drama é bem maior. Sim, o barão se retirou às pressas. Mas logo que saiu, foi a uma pia que havia no corredor, justo na parede junto à cama, para lavar as mãos. E Machado escutando tudo. ‘No rosto esquálido se fixara com trágica expressão a dolorosa máscara. Voltou-se para a parede num último gesto de pudor. Não falou mais. A matéria corpórea continuava, palpitante ainda, mas Machado de Assis deixara de existir.’ Ele morreu mesmo logo, poucas horas depois, na madrugada de 29 de setembro.”


“(...) E fui relendo os trechos que marquei das [Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke] e que muito me ajudaram naquele momento. Este, por exemplo: ‘O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer. (...) Ninguém o pode aconselhar ou ajudar — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo.’ E este: ‘Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas.’ (...) Rilke já dissera: se alguém pode viver sem escrever — não deve escrever. Noutro trecho: ‘As obras de arte são de uma infinita solidão; nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica. Só o amor as pode compreender e manter e mostrar-se justo com elas.’ (...) Na última carta, de 1908, ensina o poeta: ‘A arte também é apenas uma maneira de viver. A gente pode preparar-se para ela sem o saber, vivendo de qualquer forma. Em tudo o que é verdadeiro, está-se mais perto dela do que nas falsas profissões meio-artísticas. Estas, dando a ilusão de uma proximidade da arte, praticamente negam e atacam a existência de qualquer arte. Assim o faz, mais ou menos, todo o jornalismo, quase toda a crítica e três quartos daquilo que se chama e se quer chamar literatura.’ Belas lições para quem, como eu, ainda estava nos princípios da literatura. E para qualquer um, esteja em que altura estiver da vida — ou da arte.”


          “No meu tempo, a Bahia era mágica. Na vida boêmia, então... Recordo um bar-restaurante que havia no Pelourinho que eu sempre visitava: O Tempo. Na sua parede de entrada estavam estes versos:

          O tempo perguntou ao tempo
          quanto tempo o tempo tem.
          E o tempo respondeu ao tempo
          que o tempo tem tanto tempo
          quanto tempo o tempo tem.

          Não sei quem escreveu versos tão sábios, mas sempre os líamos na entrada e na saída daquele espaço humilde e maravilhoso, que também nos apresentava algo espantosamente original: um urubu em uma gaiola. Não cantava, o grande pássaro, mas meditava muito. E tão profundamente que não dava a menor atenção aos passantes. Como se sabe, o urubu é um dos pássaros de voo mais bonito de nosso país. Não chega a ser um albatroz, mas são poucos os que voam em tais alturas e tão grande serenidade. Esperei muitas vezes que alguém chegasse e abrisse a gaiola, mas ninguém o fez. Eu até pensei em fazê-lo pessoalmente, mas a altura da gaiola estava acima da minha breve estatura. Sim, bem que eu o queria ver liberto, abrindo as asas e reconquistando o céu, o que seria um belo espetáculo. Sem retorno, sem dúvida, mas eu gostaria muito de vê-lo voando e revoando acima da nossa triste condição pedestre...”


          “Sim, é o que eu sinto ser o escritor: aquele que cumpre uma missão

          para que a vida
          seja um pouco menos
          obscura e breve.

          Assim somos nós.”


          “(...) Dias depois, ele me disse:
          — Você é escritor. Se ficar na Bahia, vai desaparecer por aqui. A Bahia não tem ar para você respirar. Todo mundo vai para o Rio, como Drummond, Rubem Braga e eu. Não tem jeito. Imagine a gente ficando em Minas, Cachoeiro de Itapemirim ou Vitória, ninguém ficaria sabendo de nós. Você tem que ir para o Rio. Eu lhe hospedo por lá e lhe apresento a todos que conheço. Não tenha medo dessa aventura. Vai dar tudo certo.
          Aventura... Bem, 1972 estava sendo um ano difícil. Eu ganhava muito pouco (apenas pagamento das crônicas) e nem havia ainda terminado o curso de Jornalismo. Sempre atrasado na vida, como poderia chegar de mãos abanando no Rio? A família não poderia ficar me sustentando (já eram sete filhos... além de mim, Tuna, Gey, Pedro, Duquinha, Paulo e Chico), e eu ainda teria que terminar o curso. ‘Não tenha medo’, me disse ele. Mas como não ter medo em tais circunstâncias? Rubem fora ainda muito jovem, Carlinhos ainda não fizera 20 anos ao se lançar na aventura, Drummond tinha emprego seguro e, bom, Vinícius e Cecília já estavam lá... E eu não tinha nada, nem o curso de Jornalismo. A chance era de passar fome e morrer na sarjeta. Sim, eu tinha medo — e não fui. Se me arrependi? Várias vezes. Mas o fato é que não me achava preparado. É, eu já percebia que seria difícil respirar ficando na Bahia. Mas, enfim, quem pode mesmo saber? Talvez... Cada história é uma história.”


“(...) Certa vez, em período eleitoral, um grupo de cidadãos foi pedir a ele que inaugurasse e garantisse um ponto de votação, pois sobre ele pairava uma ameaça. Ou seja: quem ali votasse estava se arriscando. Havia quem não queria votação ali. Meu pai ouviu a história e aceitou a tarefa. Então saiu, foi ao local, organizou as urnas, orientou os funcionários responsáveis e abriu bem as portas para os eleitores. Como era ainda cedo, voltou à casa, que ficava nas proximidades, mas logo retornou ao ponto, onde ficou perplexo: nenhum eleitor votara ainda. Todos estavam com medo de desagradar um fazendeiro da região, homem conhecido como valente, de voz alta e revólver na cintura. E, ali por perto, devia haver algum pistoleiro dele ou talvez a quadrilha inteira... Meu pai se indignou, foi à porta e falou para os que hesitavam nas proximidades que viessem e fossem votar, que ali haveria votação, sim. Estavam em um país livre. Ninguém deveria temer ameaças. Ele estava ali para garantir o direito do voto. (...) Uns menos medrosos se aproximaram e votaram, o que deu coragem a mais alguns, que também se adiantaram e votaram, transmitindo mais coragem. Então, outras pessoas foram chegando, chegando, chegando... Nenhum pistoleiro à vista. Um dos eleitores até perguntou a meu pai se ele não tinha medo de que o homem aparecesse com a quadrilha. ‘Bom’, respondeu meu pai, ‘eu não estou aqui para ter medo, mas para cumprir minha obrigação.’ E cumpriu, permanecendo no local até o final. E o homem temido não apareceu. Nem qualquer dos seus pistoleiros. A eleição transcorreu tranquila.”


“Estávamos morando no Rio Vermelho, rua Oswaldo Cruz, edifício Nasser Borges, e lá havia um apartamento alugado por militar, diante do qual não falávamos de nada. Aliás, naquele tempo, havia militar por toda parte, assim como civis que trabalhavam para eles, prestando-se a espionagem e delações, além de norte-americanos em penca, abrindo cursinhos de sua língua, badalando o american way of life, já que os Estados Unidos estavam por trás do golpe. Logo depois do Rio Vermelho, no sentido Itapuã, ficava o quartel de Amaralina, com velhos canhões apontados para o mar. E então, um dia, não tendo mais o que fazer, os militares resolveram utilizar os canhões para acertar alvos puxados nas ondas e, claro, homenagear a ditadura. Certa vez, de um morro próximo, fiquei acompanhado a operação, e não vi acerto nenhum. Péssima pontaria. O pior é que, às vezes, começavam essa brava operação quando as pessoas ainda estavam dormindo, e os prédios estremeciam, acordando todo mundo. Eu mesmo fui despertado mais de uma vez com a cama tremendo.”


“Em suma, a mulher matara o marido com sete pancadas de mão de pilão. A promotoria a acusava de ter agredido o marido e, depois, o executado traiçoeiramente com uma pilãozada final. Ele já estaria até dormindo ou desmaiado quando ela terminou o serviço. Mas o que acontecera segundo a defesa? O marido a agredira durante a noite, como costumava fazer (havia testemunhas) e, na luta, a única luz, um pequeno candeeiro, tombou, e tudo ficou escuro. Mas ele continuou sua agressão até que ela, bem mais frágil, ao cair, encontrou a mão de pilão e começou a se defender. Pancadas para lá e para cá, em dado momento, acertou a cabeça do homem, que desabou. Para a acusação, ela acertara o homem diversas vezes pelo corpo e depois o executara. Ora, tudo no escuro. Argumentamos que ela acertara o marido em diversas partes porque estava se defendendo, nem sabia o que estava atingindo, até que, em dado momento, a cabeça entrara no caminho. E a luta acabara. Ela não fizera nada do que estava sendo acusada. O que acontecera ali fora uma luta desesperada na escuridão, com ela agindo em legítima defesa. Enfim, ele começara, a agredira, como já fizera outras vezes, e se não fosse a mão de pilão ela estaria morta. Sim, aquela frágil senhora apenas se defendera, nada mais. Não houvera luta? A coisa fora tão feroz que uma parede de taipa caíra. Uma parede. Como é que cai uma parede de taipa? Não teria caído por causa da chuva (sim, era noite chuvosa), como queria a acusação, pois a chuva não derruba parede de taipa. Pode derretê-la, mas não derrubá-la. Só na pancada. (...) Sim, nossa história era mais convincente. Resultado: sete a zero. A velhinha veio me agradecer chorando, ao lado de sua família. Jamais me esquecerei.”


“(...) pude, porque meu pai me dera uma mesada, ir ao lançamento de Os velhos marinheiros, de Jorge Amado, no foyer do Teatro Castro Alves, onde lhe pedi o autógrafo de um volume para meu pai. Um dos seus amigos presentes, que depois soube ser o contista Vasconcelos Maia, estranhou aquele jovem comprando o livro e me perguntou se eu era filho de pai rico. Os demais riram. Eu respondi que meu pai não era rico, não, mas me ensinara a apreciar as coisas de valor. Aí, baixou um silêncio respeitoso...”


“(...) Será mesmo um registro da minha vida? Sim, tenho que aceitar, é um dos registros que podem ser feitos de minha vida. Apenas um, pois muitos outros poderiam ser feitos. Tudo que lá está me aconteceu, ou eu fiz, ou perdi (inclusive amores e pessoas), ou consegui ganhar. No mais, como sempre, os sonhos, como alguns poderão perceber. Porque todos nós sonhamos. E também somos sonhos. Talvez até sonho de uma sombra, como dizia Píndaro (...) Quanto aos que talvez achem que não sou importante o suficiente para pretender escrever memórias, respondo que me acho tão importante quanto os demais humanos, pois penso que todo mundo deveria escrever suas memórias, como já escrevi em muitos textos de poesia e ficção, porque não há duas histórias semelhantes, duas vidas iguais, e todas, mesmo as mais humildes, têm coisas importantes para nos contar e ensinar.”


Presentes no livro de memórias “Na orla do ocaso” (Faria e Silva, 2025), de Ruy Espinheira Filho, páginas 26-27, 187 a 190, 68-69, 404-405, 186, 87, 124, 139, 67-68, 70, 51-52, 192-193, 210, 406, 228-229, 64-65, 75, 197, 226 e 23, respectivamente.

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