Hosano, Rajasí, Mirdad, Zanom e Fábio;
a estreia da banda the orange poem
em 31/03/2001. Foto: Gutemberg
Bahia, Salvador, Pituba, tarde de sábado ensolarado, 31 de março de 2001, 10 anos atrás. Em frente ao matagal que muitos anos após se tornaria a Praça Ana Lúcia Magalhães, nos fundos de um pequeno condomínio comercial, havia um mofado e micro estúdio de ensaio, chamado então de JAM Studio, de posse de um cara carrancudo chamado Júnior. Ao custo de R$ 25,00, o período de ensaio seria de três horas, das 15h às 18h, mas devido a uma série de atrasos e arrumações dos músicos, só começou mesmo 45 minutos depois do programado.
O primeiro encontro pra valer
de Zanom e Fábio, os guitarristas
Jesus (aka Zanom) chegou de busú, vindo de Itapuã, vestido com uma camisa com estampa do xará famoso, e um short desses “de dormir” + sandália – visual mendigo nem aí. Fábio levou um amigo, Gutemberg, que além de motorista de todos até o estúdio, fez a única foto da banda completa, na máquina analógica emprestada pela minha namorada da época. Hosano chegou ao estúdio com sua Pampa velha, que tanto deu carona para os músicos laranjas no início, vindo do trampo na loja de fogões do pai. E o tímido Rajasí Vasconcelos, primeiro baixista do TOP, veio da Federação de carona com o baterista, após dar um chá de cadeira considerável que quase fez Hosano largá-lo por lá mesmo (a estreia perigou de ser sem baixista, esse eterno calo laranja).
O baterista Hosano Jr.
Os amigos Mirdad e Rajasí V.
O ensaio aconteceu sem o meu violão 12 cordas, que ninguém conseguiu afinar a tempo, mesmo com o afinador eletrônico disponível. Ensaiamos 7 músicas, na seguinte ordem: “Wideness”, “Last Fly”, “A Song to You, My Home”, “Diet of Dust”, “Dubious Question”, “New Help” e “What Would Be Tears Without Lies?” (canção punk-reggae, a única desta lista que não foi gravada no 1º CD do TOP). E o meu onipresente gravador AIWA de fita K7 registrou todo o ensaio, iniciando sua longa jornada de acúmulos fortuitos e quase inaudíveis do arquivo laranja.
Com a falta do violão (“Last Fly” teve a pior execução; inclusive o TOP demorou a compreendê-la – apenas a partir do 8º ensaio que ela foi acontecer), as músicas mais pesadas salvaram a harmonia entre os músicos, que surgiu logo de cara, principalmente entre Hosano e Fábio, que era o único a solar, por enquanto. Conforme escrevi no diário TOP em 2001, “todos estavam felizes e radiantes, tocando bem até nos erros; um ótimo começo e entrosamento entre tantos estranhos” e “final de ensaio, menos R$ 5,00 no bolso de cada um, mas com as almas preenchidas de um valor incalculável de emoção, o baterista encerrou o primeiro encontro do poema laranja dando carona para todo mundo; Raj ficou no Shopping Itaigara esperando o pai, Jesus no ponto de ônibus (deixando sua guitarra na mão de Mirdad, já que voltaria pra Itapuã, fato que se repetiu muitas vezes), e tanto o poeta quanto o pastor Fábio em casa”.
Com a falta do violão (“Last Fly” teve a pior execução; inclusive o TOP demorou a compreendê-la – apenas a partir do 8º ensaio que ela foi acontecer), as músicas mais pesadas salvaram a harmonia entre os músicos, que surgiu logo de cara, principalmente entre Hosano e Fábio, que era o único a solar, por enquanto. Conforme escrevi no diário TOP em 2001, “todos estavam felizes e radiantes, tocando bem até nos erros; um ótimo começo e entrosamento entre tantos estranhos” e “final de ensaio, menos R$ 5,00 no bolso de cada um, mas com as almas preenchidas de um valor incalculável de emoção, o baterista encerrou o primeiro encontro do poema laranja dando carona para todo mundo; Raj ficou no Shopping Itaigara esperando o pai, Jesus no ponto de ônibus (deixando sua guitarra na mão de Mirdad, já que voltaria pra Itapuã, fato que se repetiu muitas vezes), e tanto o poeta quanto o pastor Fábio em casa”.
the orange poem em 2001,
com Álvaro Maia no lugar de Rajasí V.
Resguardadas as devidas proporções, eu montei o TOP com a mesma intenção que Jimmy Page montou o Led Zeppelin. O problema foi que eu nunca tive um Peter Grant, além de que a origem nossa era baiana, e os anos 70 já tinham passado há 30 anos. Simples, não?
Meu portal indicava a wonderland britânica para migrar, e pra isso se concretizar, precisava estruturar o som laranja por aqui mesmo; mesmo se nenhum dos meus companheiros de banda fosse comigo, ao menos levaria o trabalho pronto pra arrumar uns gringos por lá e continuar o sonho. Isto porque, para Zanom e Hosano, tocar no TOP sempre foi diversão, e Fábio vivia em uma Neverland tão longínqua, que era difícil maturar o que de real ele buscava; sonhava muito mais que eu, e não sabia como buscar.
A Orange Poem foi na contramão do que as bandas normalmente realizam. Formada por desconhecidos do cenário e entre si mesmos, partiu para a construção de um repertório autoral, voltado à gravação de um CD, para então forçar a migração para Londres e, sabe-se lá como, fazer carreira e ter sucesso internacional. Ou seja, éramos os autistas do cenário rock dos anos 2000. Fato: eu era MUITO ingênuo.
Assim, passamos o ano de 2001 inteiro ensaiando o mesmo repertório. Rajasí saiu por motivos pessoais, e o amigo de colégio PhD, Álvaro Maia, assumiu o lugar (baixista com histórico de várias bandas). Gravamos uma demo horrorosa no finado estúdio Aquarius (Rua Umbaranas – Rio Vermelho), do camarada Herbert, e no início de 2002, por intermédio do recém-amigo faconiano Rogério Alvarenga, o então Brit Producer, fizemos o 1º show TOP, no também finado Café Cultura, Rio Vermelho. Dividimos o palco com outras bandas, entre as quais, a Starla, que ainda resiste, sazonalmente.
O diferencial desse show foi a noite “Syd Barrett” total de Álvaro, que inacreditavelmente se esqueceu de todas as músicas. Natural que depois disso, ele não quisesse ficar mais na banda. Para o seu lugar, eu encontrei por acaso e apostei todas as fichas em um menino promissor. Pois não é que Artur Paranhos estabilizou nosso eterno problema com baixistas, tocando por três anos seguidos na banda, gravando nos dois discos, e profissionalizando sua vida no meio musical por estímulo indireto da laranja? Ele, que entrou “piscando” num ninho de sagazes, pouco tempo e muito estudo depois, passou a ser o músico mais monstro do TOP.
Meu portal indicava a wonderland britânica para migrar, e pra isso se concretizar, precisava estruturar o som laranja por aqui mesmo; mesmo se nenhum dos meus companheiros de banda fosse comigo, ao menos levaria o trabalho pronto pra arrumar uns gringos por lá e continuar o sonho. Isto porque, para Zanom e Hosano, tocar no TOP sempre foi diversão, e Fábio vivia em uma Neverland tão longínqua, que era difícil maturar o que de real ele buscava; sonhava muito mais que eu, e não sabia como buscar.
A Orange Poem foi na contramão do que as bandas normalmente realizam. Formada por desconhecidos do cenário e entre si mesmos, partiu para a construção de um repertório autoral, voltado à gravação de um CD, para então forçar a migração para Londres e, sabe-se lá como, fazer carreira e ter sucesso internacional. Ou seja, éramos os autistas do cenário rock dos anos 2000. Fato: eu era MUITO ingênuo.
Assim, passamos o ano de 2001 inteiro ensaiando o mesmo repertório. Rajasí saiu por motivos pessoais, e o amigo de colégio PhD, Álvaro Maia, assumiu o lugar (baixista com histórico de várias bandas). Gravamos uma demo horrorosa no finado estúdio Aquarius (Rua Umbaranas – Rio Vermelho), do camarada Herbert, e no início de 2002, por intermédio do recém-amigo faconiano Rogério Alvarenga, o então Brit Producer, fizemos o 1º show TOP, no também finado Café Cultura, Rio Vermelho. Dividimos o palco com outras bandas, entre as quais, a Starla, que ainda resiste, sazonalmente.
O diferencial desse show foi a noite “Syd Barrett” total de Álvaro, que inacreditavelmente se esqueceu de todas as músicas. Natural que depois disso, ele não quisesse ficar mais na banda. Para o seu lugar, eu encontrei por acaso e apostei todas as fichas em um menino promissor. Pois não é que Artur Paranhos estabilizou nosso eterno problema com baixistas, tocando por três anos seguidos na banda, gravando nos dois discos, e profissionalizando sua vida no meio musical por estímulo indireto da laranja? Ele, que entrou “piscando” num ninho de sagazes, pouco tempo e muito estudo depois, passou a ser o músico mais monstro do TOP.
the orange poem antes de tocar na Facom (2002),
com Artur Paranhos no lugar de Álvaro M.
Continuamos então ensaiando o mesmo repertório pelo ano de 2002 inteiro, até que um novo show aconteceu, apenas em outubro, por pura vaidade minha. Era um festival promovido pela nova gestão do centro acadêmico da Facom, com “grandes” nomes do cenário alternativo, como Karuara, The Honkers e Radiola, e expectativa de grande público. Exibicionista, quis mostrar ao mundinho alterna que eu tinha uma banda de rock “foda”. E fizemos um bom show, “filmado” numa incrível e contemporânea linguagem cinematográfica de vanguarda pelo amigo irmão Rodrigo Minêu – a banda é apenas um borrão longínquo a metros de distância, por trás de diversas cabeças da plateia (a partir desta, meu caro amigo prestou inúmeros favores de registro audiovisual para o TOP).
the orange poem em 2003
Foto: Mark Dayves
2003 chegou e passou e o repertório continuou o mesmo. A única novidade foi mais um show TOP produzido pelo amigo Rogério Alvarenga; desta vez, no badalado Havana Bar, Rio Vermelho. Era a festa de lançamento do site Music Box, e a hypada Soma iria tocar, e a ‘Titãs’ (pela quantidade de componentes) de Salvador também: A Grande Abóbora, da musa dos indies Nanda, e do amigo de todos, Borrão. De boa, foi a resenha pós-show de Luciano Matos, que tachou a TOP de “instrumental bacana, com vocalista afetado”. Não fui tirar satisfação pessoalmente com ele nos corredores da Facom? Isso depois virou uma piada interna. Também pudera, né? Cheguei ao ponto de quase (quase MESMO) me atirar janela pra Dinha abaixo. Arrependo-me; deveria ter feito!
Ainda em 2003, cheguei a produzir um DVD demo, com uma bisonha entrevista com os laranjas. Aliás, este trabalho é a síntese de nosso autismo em relação a qualquer coisa do meio musical, amador ou profissional. Ao menos em 2004 a ficha caiu; chega de demos, vamos juntar grana pra gravar profissionalmente o nosso 1º CD – inacreditavelmente com o mesmo repertório since 2001. Como fazer isso? Vamos tocar – ô, ilusão!
Ainda em 2003, cheguei a produzir um DVD demo, com uma bisonha entrevista com os laranjas. Aliás, este trabalho é a síntese de nosso autismo em relação a qualquer coisa do meio musical, amador ou profissional. Ao menos em 2004 a ficha caiu; chega de demos, vamos juntar grana pra gravar profissionalmente o nosso 1º CD – inacreditavelmente com o mesmo repertório since 2001. Como fazer isso? Vamos tocar – ô, ilusão!
the orange poem em 2004
temporada no Tangolomango Bar
foto: Rui Rezende
Não seria mais um show produzido por outros; na megalomania de sempre, a produção seria minha, shows da TOP com convidados e mais uma parafernália de cultura, exposição, vídeos, literatura, artes em geral, transformando o micro Tangolomango Bar, na Pituba, em um “gueto cultural”, fervendo e bombando de gente hypada. AHAHAH. Tá, sei. Ao menos quando saí da casca, vislumbrei uma ação coletiva, explorando a interação entre as artes. O mais engraçado foi que convenci Bruno, o então dono do bar, a investir (leia-se fazendo os cartazes e abrindo o bar no domingo à tardinha) nessa doideira de um produtor com experiência ZERO na área – muito pior: em multi-áreas.
Aos trancos e improvisos e quebra-galhos depois, consegui produzir sete edições do projeto “Agente Laranja Gueto Cultural”, e nenhuma delas deixou de ter ao menos uns quadros ou ilustrações expostas nas paredes do bar (o primeiro show rolou até presença de Wladimir Cazé e suas Edições K). Em ordem, tocaram A Dama e os Vira-Latas, Besouros do Sertão, Indústria Cultural, Jimmy Six, Zero Kelvin, Pangenianos, Soma e Paladinos. E o TOP? Mais uma vez, apenas tocou, mesmo a contragosto de Fábio, que sonhava em palcos gigantescos de estádios, e acordava no chão do Tangolomango, já que o palco triangular e micro só cabia Hosano, Artur e Zanom espremidos.
O tal projeto ALGC foi o maternal das produções para mim; foi a primeira vez que conheci outras bandas do cenário, e passei a compreender o be-a-bá do modus operandi do mercado musical, trabalhando como agente de shows para bandas alternativas, principalmente no Tangolomango e World Bar.
Aos trancos e improvisos e quebra-galhos depois, consegui produzir sete edições do projeto “Agente Laranja Gueto Cultural”, e nenhuma delas deixou de ter ao menos uns quadros ou ilustrações expostas nas paredes do bar (o primeiro show rolou até presença de Wladimir Cazé e suas Edições K). Em ordem, tocaram A Dama e os Vira-Latas, Besouros do Sertão, Indústria Cultural, Jimmy Six, Zero Kelvin, Pangenianos, Soma e Paladinos. E o TOP? Mais uma vez, apenas tocou, mesmo a contragosto de Fábio, que sonhava em palcos gigantescos de estádios, e acordava no chão do Tangolomango, já que o palco triangular e micro só cabia Hosano, Artur e Zanom espremidos.
O tal projeto ALGC foi o maternal das produções para mim; foi a primeira vez que conheci outras bandas do cenário, e passei a compreender o be-a-bá do modus operandi do mercado musical, trabalhando como agente de shows para bandas alternativas, principalmente no Tangolomango e World Bar.
Capa do 1º álbum TOP
Shining Life, Confuse World (2005)
Com dinheiro emprestado de meu pai, mais o que tinha juntado com MEU trabalho (os 7 shows do “Gueto Cultural” não renderam nada, e os músicos laranjas não botaram dinheiro algum na gravação), paguei inteiramente o álbum, que registrou o mesmo repertório de 2001 – maior erro de minha vida como produtor. E, para concretizá-lo como álbum, encomendei a prensagem de 1.000 cópias, com arte do encarte idealizada por mim e feita por Minêu (a foto da capa é da amiga de infância Ananda Marson), e patrocínio de empréstimo maternal + as últimas economias que tinha.
the orange poem em 2005,
com Fabrício Mota no lugar de Artur
foto: Rui Rezende
A baixa de 2005 foi a saída de Artur Paranhos. Como tinha se profissionalizado, estava tocando em várias bandas (forró, axé, pagode, samba, etc.) como freela, e o tempo tinha ficado muito escasso. Isso me irritou na época; afinal, iríamos finalmente lançar um CD profissional, iniciando assim o ciclo mais próximo do real desse caminho das pedras da música. Anyway, obrigado e valeu. Quem substituiu o baixista mais laranja de todos foi o groove man rasta Fabrício Mota, o Big, amigo de Zanom da banda Solo Pedregoso, que topou fazer o som num esquema “só parece músico contratado” – não botaria dinheiro algum e nem teria custo, mas também só receberia se os shows dessem grana, entrando na divisão com os demais.
Para marcar o lançamento do Shining Life, Confuse World, montei uma “temporada” de quatro shows TOP no World Bar, que ficava na Barra, e foi tranquilo em conseguir porque já trabalhava como produtor das noites de lá em 2005. O evento se chamou Laranjada Rock, e mais uma vez era show da laranja e outras bandas. Em ordem, tocaram Vinil 69, Sétimo Sentido, Instinto Coletivo (de Maragogipe, banda do amigo Daniel S.A.), Pangenianos, Besouros do Sertão, Paladinos e Sócrates. Sobre o evento, segue o que escrevi no diário TOP em 2005:
“Depois do fracasso do Laranjada Rock, Mirdad não queria mais produzir nenhum show TOP em Salvador. Tinham chegado ao limite. Em tantos anos de existência, e depois da interação do poeta ao cenário rock baiano e às produções musicais, ainda assim, nenhuma banda de Salvador chamava o poema para fazer show, até mesmo como um convidado sem ganhar nada. Era como se o TOP não existisse. Ninguém convidava pra nada ... Com o passar dos dias e o fracasso de público do Laranjada Rock e quase nenhum respaldo ganho na cena rock de Salvador com o lançamento do CD, o poeta preferiu rever o impulso e retirar das lojas os CDs, para não ter que passar pela humilhação de ouvir, via telefone quando ligasse pra saber das vendagens, algo do tipo: ‘vendeu nada’”.
As caixas do Shining Life, Confuse World até hoje entulham o quarto dos fundos. Foram pouquíssimos CDs vendidos, alguns divulgados, e nenhum distribuído. Dei uma caixa (com 150 cópias) para Fábio, outra para Zanom, e o resto foi arquivado. E, no final de 2005, a única certeza que tinha era fazer o êxodo para Londres de qualquer maneira em 2006, que era chamado por mim de “o ano redentor”. No último ensaio do ano, Artur Paranhos reassumiu o baixo como convidado (em 2005, a Orange Poem passou a ser um quarteto), gravando no 2º CD.
Hosano confirmou que iria se mudar para São Paulo no segundo semestre de 2006. Como seria o semestre de minha conclusão de curso na Facom-UFBA, percebi que teria de adiantar a gravação do 2º CD, Sleep in Snow Shape, ainda no 1º semestre. Analisando com calma, avaliei que o 1º CD era fraco (salvo canções como Last Fly, Rain e Wideness), e não representava a cara do som da laranja q’eu queria divulgar pelo mundo. O resumo desse pensamento foi que gravamos as mesmas 12 músicas do repertório montado em 2001; erro grave e crasso. Então, para poder realizar o êxodo, me esmerei na produção e voltei em abril ao Casa das Máquinas, de Tadeu Mascarenhas, para gravar um álbum que retratasse qual é a cara do Orange Poem.
“Depois do fracasso do Laranjada Rock, Mirdad não queria mais produzir nenhum show TOP em Salvador. Tinham chegado ao limite. Em tantos anos de existência, e depois da interação do poeta ao cenário rock baiano e às produções musicais, ainda assim, nenhuma banda de Salvador chamava o poema para fazer show, até mesmo como um convidado sem ganhar nada. Era como se o TOP não existisse. Ninguém convidava pra nada ... Com o passar dos dias e o fracasso de público do Laranjada Rock e quase nenhum respaldo ganho na cena rock de Salvador com o lançamento do CD, o poeta preferiu rever o impulso e retirar das lojas os CDs, para não ter que passar pela humilhação de ouvir, via telefone quando ligasse pra saber das vendagens, algo do tipo: ‘vendeu nada’”.
As caixas do Shining Life, Confuse World até hoje entulham o quarto dos fundos. Foram pouquíssimos CDs vendidos, alguns divulgados, e nenhum distribuído. Dei uma caixa (com 150 cópias) para Fábio, outra para Zanom, e o resto foi arquivado. E, no final de 2005, a única certeza que tinha era fazer o êxodo para Londres de qualquer maneira em 2006, que era chamado por mim de “o ano redentor”. No último ensaio do ano, Artur Paranhos reassumiu o baixo como convidado (em 2005, a Orange Poem passou a ser um quarteto), gravando no 2º CD.
Hosano confirmou que iria se mudar para São Paulo no segundo semestre de 2006. Como seria o semestre de minha conclusão de curso na Facom-UFBA, percebi que teria de adiantar a gravação do 2º CD, Sleep in Snow Shape, ainda no 1º semestre. Analisando com calma, avaliei que o 1º CD era fraco (salvo canções como Last Fly, Rain e Wideness), e não representava a cara do som da laranja q’eu queria divulgar pelo mundo. O resumo desse pensamento foi que gravamos as mesmas 12 músicas do repertório montado em 2001; erro grave e crasso. Então, para poder realizar o êxodo, me esmerei na produção e voltei em abril ao Casa das Máquinas, de Tadeu Mascarenhas, para gravar um álbum que retratasse qual é a cara do Orange Poem.
Hosano, Fabrício, Zanom e Rajasí
gravação Sleep in Snow Shape em 2006
Considero que, como produtor musical do álbum (auxiliado de forma precisa e engajada por Tadeu), tive sucesso; Sleep in Snow Shape contém a essência do TOP, com participações especiais de músicos envolvidos com a história laranja, como Rajasí, Fabrício, Gabriel Franco e o próprio Tadeu. Mas o tempo gasto para finalizá-lo foi enorme para o que estava inicialmente pretendido; começou em abril e terminou no início de outubro, um dia antes do meu aniversário.
Nesse ínterim, Hosano se casou com Manoela e se mudou para São Paulo; a sua despedida foi num show no dia 15 de julho no Tangolomango Bar, com as bandas que tocava: Mamutes e Besouros do Sertão. Aproveitando o momento, tentei fazer um show do TOP também, mas Fábio furou e Zanom não pode. Ao menos Artur apareceu, e na formação de power trio, o TOP fez seu último “show”, com o amigo Júnior Capitão Parafina improvisado na guitarra emprestada do amigo da Besouros Enzo Richards. Olha só o que escrevi no diário TOP:
“A partir daí, esculhambações mil. Mirdad perguntou se mais alguém no bar sabia tocar. Um guri bêbo subiu, e se embolou todo. Júnior (Capitão Parafina) até que tentou ensinar, mas não adiantou. O poeta, encarnando um showman de auditório, teve que se virar pro clima não cair. Capitão Parafina de volta na guitarra, puxaram “Born to be Wild”, clássica música da amizade de ambos – Mirdad já deu canja nela algumas vezes em shows da banda do figuraça, com o vocal sempre dividido, loucura total. O poeta se jogou no chão, fez presepada com o público, subiu na bateria e quase perdeu a cabeça no ventilador. Aí, viu que não dava mais para laranjar nada, e puxou mais um cover. Qual? A clássica “Confortably Numb”, com um outro bebo na guitarra, no lugar de Júnior, que arriscou cantar também. Mas quem solou no final? Artur, improvisando tudo, mostrando que tava tocando pra caralho. A partir daí, só sequelas. Virou um enorme karaokê, com Júnior no comando da guitarra, voz e vários clássicos do rock’n’roll. Artur e Hosano se virando, Mirdad na perturbação junto com Enzo, simulando um backing vocal. Por fim, a última esculhambação da noite foi o clássico do grupo Forró di K, o megahit “Fordi K”, cantado em coro por todo mundo, com vários casais dançando aquele xote improvisadérrimo!”.
Capa do 2º álbum TOP
Sleep in Snow Shape (2006)
“10 de novembro, à tarde. O poeta, que vinha em profunda reflexão por esses tempos, tomou uma radical decisão: iria encerrar o TOP. Quase seis anos depois, era muito claro que não apareceria nenhum salvador da pátria para investir na banda. E Mirdad estava muito estafado da profissão forçada de produtor TOP; há tempos que não sabia o que era tocar violão! Além de que era fato que nenhum laranja iria se aventurar em São Paulo, muito menos na Europa. Mas a diferença era que agora o poeta também não queria aventurar mais nada. Depois de anos sonhando em ser um rock star e morar em Londres, a casa na Grécia, entre outros, com a chegada da responsabilidade da idade e do amor concretizado, o lugar dele era o Brasil mesmo. Ainda mais depois de se assumir como escritor, e estar tão envolvido em seus livros. E o TOP, sem retorno financeiro algum, não daria futuro. Ou seja, Mirdad transferiu o caminho profissional de sua música para hobby. Então, após se formar, a batalha seria por dinheiro, pra concretizar os planos com sua amada”.
Ou seja, assim que Sleep in Snow Shape ficou pronto, foi direto para a gaveta. E, em vez de encerrar a banda, passei o posto de produtor TOP para Fábio que, obviamente, não soube o que fazer. E 2006 terminou com o CD poema Ilusionador, meu projeto experimental de ambientação sonora para filopoemas de Ildegardo Rosa, meu pai, que me rendeu o diploma de Jornalismo na Ufba.
104º ensaio TOP, o derradeiro,
em janeiro de 2007
2007 começou com o site do projeto solo de Fábio entrando no ar. Era um trabalho baseado no instrumental de guitarra e efeitos, com passagens bíblicas recitadas, chamado de O Criador do Universo. A partir daí, o guitarrista se distanciou definitivamente do TOP, e muito pouco eu soube do que fez de sua vida – só recentemente soube que está morando em Belo Horizonte e mantém este site.
Ainda no começo de 2007, precisamente no dia 05, the orange poem se reuniu pela última vez, no micro estúdio de Rafael (atrás do ponto 5, no Parque Júlio César). Hosano estava de passagem por Salvador e eu aproveitei pra produzir esse encontro, que Artur e Zanom não faltaram e ficou registrado no álbum pirata “104” (eu criei uma coleção fictícia, com encarte e nomes, de 9 álbuns piratas do TOP, garimpando o vasto acervo de ensaios gravados de nossa carreira).
Empolgado por esse encontro especial, em que a banda tocou muito (mesmo sem Fábio, o maior ‘Romário’ do TOP), e uma proximidade recente com Zanom (registrei suas excelentes músicas em vídeo e comecei a cogitar produzi-lo), montei novas estratégias para o poema laranja. Veja o que escrevi nas últimas linhas do diário TOP, em 2007, extraído de um email para Hosano:
“O Orange Poem acabou, no sentido que o levei desde o início. Agora é oficial. Não irei viajar mais na aventura. Correr atrás do TOP como objetivo de vida já era. Pra não perder esse trabalho de 6 anos e dois discos, sugerimos continuar, como hobby. Vamos criar um site profissional e disponibilizar os dois CDs de graça, pra qualquer um baixar. A cada dois anos, compomos juntos e gravamos um novo álbum, sempre disponibilizando no site, de graça, com encarte e tudo. Estou trabalhando pesado com produção agora; portanto, a cada lançamento nosso, irei divulgar pra todos os meus contatos. Com isso, não faremos mais show (o que não é nenhuma novidade). Então, podemos mexer na formação também. Quarta-feira iremos saber se Tadeu entrará no TOP ou não. Queremos convidar Rajasí também. Ampliar o som. Músicas em português, experimentando tudo, com percussão, teclado, piano, sintetizador, o escambal. Só quero que seja mantido o caráter psicodélico e o blues. O nome The Orange Poem será mantido. Não dá pra jogar fora essa marca que já tem 6 anos, muita gente que conhece, e dois álbuns profissionais já gravados (o segundo será lançado no site). Concorda? Mesmo fazendo som em português, manteremos o nome em inglês. Já com uma sugestão para o próximo álbum: ‘Dê Orãjhi Póema’. É uma sátira com o nome da banda. A grande dúvida é se Fábio irá continuar ou não. Agora, tem uma condição clara e inequívoca. Iremos todos gastar $$ com isso. Não banco mais nada sozinho. Se você topar continuar, e é o que eu espero e torço pra que aconteça, você vai ter que pagar a sua parte no que você for gravar, e pagar também a manutenção do site e a mixagem/masterização do álbum junto com todo mundo. Acho que não é muita grana não, e que pela satisfação que nos dá, vale a pena gastar grana com essa “cachaça” que é o Orange Poem. Não acha?”.
Também acho. Mas os demais não acharam. E, no dia 07 de março, na varanda da Facom (não me lembro porque estávamos aí), encontrei com Zanom e anunciei o fim do TOP. Nas derradeiras palavras do diário, “nada de reformular pra português, investir grana na construção de um site, divulgar o segundo CD. Nada de gastar dinheiro mais. O TOP na geladeira. De vez”. Aproveitei pra convidar Zanom pra formar um duo, chamado pedradura. Meses depois, ele se mudou para o Rio de Janeiro e a pedradura virou uma banda relâmpago, formada com o laranja Artur Paranhos, e os amigos Eric Gomes e Edu Marquez. Mas isso é outra história.
Mirdad psicodélico
Faríamos 10 anos hoje, caso tivéssemos continuado. Como sou ligado a datas, cheguei a montar o roteiro de um show especial do TOP que aconteceria no Groove Bar, com diversos convidados e vídeos passando em telões em sincronia com o show, que seria até registrado em DVD. Em janeiro último, contatei os músicos laranjas, que curtiram a ideia, mas infelizmente não consegui harmonizar a data para todos (Fábio em Belo Horizonte, Zanom no Rio de Janeiro, Hosano em Itabuna).
Quero finalizar essa série afirmando: vivi the orange poem intensamente; é uma das melhores partes de mim e tenho muito orgulho do aprendizado que me rendeu e as lembranças excelentes de um tempo que não volta mais. Obrigado!
Comentários
E quem me dera oferecer esse risco todo que Fukushima oferece, hahaha. Ando mais pra marola que pra tsunami.
Abraços.
Excelente relato !