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Pedra só, de José Inácio Vieira de Melo

José Inácio Vieira de Melo
Foto: Ricardo Prado | Arte: Mirdad


Pedra só é o sétimo e mais novo livro do poeta alagobaiano José Inácio Vieira de Melo, lançado este ano pela editora Escrituras. Não é o meu predileto (que são A terceira romaria e A infância do centauro – veja a Pílulas deste livro aqui), mas é um excelente livro, com destaque para a entrevista que o jornalista Gabriel Gomes fez com o poeta no Posfácio da obra, e para os poemas pilulados a seguir:


"para o voo ser só voo e asas,
é preciso que o baú sinta a fome
dos cupins e traças.

A arte da pedra é ser o silêncio que cresce.

E o que toda a gente quer
é sombra e rede e água.
Mas o tamanho da sede
é de acordo com o merecimento.

E o que mais se vê pelo mundo
é gente engolindo gente

O desejo cego dos homens habita suas cabeleiras:
saltar para o amplo vazio dos elementos
e ver na soleira da arte o assombro e a magia."


"apesar da cara de totem,
ela era mesmo um mantra."


"Pão, antes de ser palavra, é vontade de comer.
Pão é uma palavra que começa na fome.

A seca, às vezes, me dá vontade de desistir.

Ainda assim, persiste em mim a poesia
e essa vontade de inundar o mundo."


"Com o tempo não tem acordo certo.
Num instante ele chega e tudo vira cinza."


"O tempo está passando e continua o mesmo,
as minhas dores é que são cada vez mais reais.
O tempo está passando e eu continuo a esmo.
Já estou cansado de olhar para a mulher
que não me quer, já estou ficando vesgo
de olhar para o firmamento e ver a linha
que nada indica – nem início nem fim nem meio.
Já olhei bem no centro de tudo que alcanço,
para os lados e para os cantos e para os recantos,
já até me perdi dentro do olhar buscando encontrar,
mas nunca vi o olho de Deus na palma da minha mão."


"Com o olhar perscrutador
e com estas sete vidas
dos meus vinte dedos é
que sondo o mapa do mito"


"Sou teu irmão.
O que semeou em teu ventre
as sementes que esperaram milênios
para serem salmos."


"O outro nome de Moisés
é Michelangelo,
mas foi o teu pincel, Leonardo,
que abriu o Mar Mediterrâneo
e com ele escreveste
as formas de uma deusa
que em sua face
traz todos os nomes."


"Enquanto a mulher esquenta a água
para espantar o frio, cozinho meu juízo
na poesia da noite que chega

Depois da chuva do fim de tarde
fica sempre esse gosto de febre,
fica sempre um cheiro de terra úmida,
vontade doida de germinar."


"O mistério segue de casa em casa
a balançar a criança na rede.

Depois, abre a porta dos sonhos
e toca a Nona Sinfonia"


"Incrustadas por brasas aflitas
as fêmeas se enlaçam aos machos
e afloram gerações e gerações
para desfolhar as pedras de Deus."


"Pega o livro!
A realidade é fazer o livro de novo,
com nova caligrafia codificar a jornada.

Ter o mistério na concha das mãos,
as palavras certas para os sons da lonjura,
a imagem do mundo dentro da pedra
e fazer com que os rituais da transparência
ganhem ritmos e formas."


"Seguraste o Sol nas costas.
Agora, reconheces nas cicatrizes
os nomes que queimaram teu corpo,
marcas que anunciam os sofrimentos
que fizeram de ti este ser estranho
que fez uma espera para tocaiar

o silêncio.

Meus camelos trazem oceanos no bojo
e são mais desertos que o Saara.

O sonho dorme nos espelhos
e acorda dentro do sono
para celebrar os encantos
e os tumultos do chacal."



Trechos extraídos do livro de poemas "Pedra só" (Escrituras, 2012), de José Inácio Vieira de Melo.

O meu poema predileto do livro é Caligrafias:

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