Assim como o autor anterior desta série (Lobão, aqui), conheci Thiago Kalu nos negros anos da Faculdade de Comunicação da UFBA. Aluno do curso de jornalismo, desde sempre sua manifestação foi extremamente musical, uma simbiose perfeita entre o suingue preto de um violão de nylon, a melodia faminta de suas canções e a malandragem rouca de uma voz que sintetiza a essência do groove e a melancolia de um ser em Lost.
Kalu é um artista, de fato, que transita entre a música e a poesia como manifestação encrustrada e escancarada de sua andarilha existência, e como tal, um errôneo transitante de sua confusa montanha-russa. É um homem fera ferida, band leader do eterno promissor Clube da Malandragem, que tive a honra de lhe cunhar o apelido que o veste desde os vindouros faconianos.
Kala-Kalu, voscifere muito, que ainda há muita angústia a ser torrada na fogueira da vibração!
"...
Na fineza do riso estampado
O estado de sã lisergia
Na folia de cão indeciso
O desejo de ser reparado
Marcas falhas do homem-fera
Rosno em funda timidez
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Estou farto dos meus excessos
dos rastros que eu deixo
Enjoei das mulheres que deito
cansado de ouvir que não presto
Já que o alcance da verdade
tem andado tão distante
de amanhã em diante, serei vivo
Chega de olhares sérios
De mistérios permanentes
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Que venham os males
Tornar-se-ão amuletos
Na minha doce tortura dos últimos dias
Ando pouco faminto e sem sonhos noturnos
Meu filho morreu sem que eu me tornasse pai
Minhas canções mais belas terão de ser traduzidas
O Português é cruel porque penso em Português
Talvez eu ande pelas praças, recitando poemas amargos
E receba pedradas dos estudantes
Talvez uma moça cega me ame
O coração não é inflável
Todo poeta sabe disso,
E todos podem ser poetas,
Por mais que o sejam calados
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Cartas de amor têm de ser escritas à mão
Cada ponto, cada vírgula, a erupção de uma glória
Mesmo quando rasgadas, queimadas ou jogadas fora
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Antes que eu repita as mesmas emoções passadas
Atirem-me razões
Gritem aos meus ouvidos qualquer palavra cheirosa
Que eu mudo as velas
E deixo a lua por lá mesmo
Antes que eu envelheça,
Retirem-me do sobrado
Os sentimentais evitam as estantes
Eles conhecem o pináculo do campo, o medo
A retidão, a censura e um pouquinho da mentira
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O sino acaba o sono
A cena remete à sina
O toque precede o choque
A prece nos cede o transe
Juruna e Jurema:
O santo sotaque
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A cada sorriso: mais dores
As mãos ocupadas
Tanto faz, tudo é igual
Os segredos que são seus, mas que nem você sabe
Tudo aquilo que cabe, mas que não está em suas mãos
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Hoje, vou transformar um poema num quadro
Com olhos, pele e boca
Talvez as cores não combinem
Os versos não rimem, a tinta acabe
Eu me canse, volte ao chuveiro
E o líquido desabe
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Pinte-me com sede
Ou ceda-me seus mares
Passe-me suas dores
Pinte-me contigo
Em risco tão concreto
Invente uma assinatura
E junte nossas redes
Numa mesma tela
------
Mil cento e setenta,
Meio e menos um.
Quatro quintos, cinco terços,
Onze, quinze avos.
..."
Trechos dos poemas Sopro Contido, Lembrete de Geladeira, O Canudo, Soluço, Volta e Meia, O Próprio Improviso, A Moeda, Poesia Invejosa, Trabalho de Desenho e O Contador de Histórias, de Thiago Kalu, publicados no blog Kaluniando (2006-2009). www.kaluniando.blogspot.com
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Saravá,
Marinho