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Breve espaço, de Cristovão Tezza

Cristovão Tezza
Foto: Divulgação | Arte: Mirdad


"A maior liberdade possível é a capacidade de solidão"


"Que direito tenho eu de mexer naquele escritor que não existe mais? Ao modificar um texto escrito nos anos 1990, não estou refazendo meu passado para torná-lo mais palatável? Não estaria apagando pistas para simular que o autor era alguém melhor do que realmente foi? Nestes tempos performáticos, não seria mais autêntico (eis a palavra arrogante) deixar o livro exatamente como nasceu? Não sei"


"O desejo é a única máquina de produção da arte e é também a sua angústia. Ninguém pede para você pintar, como ninguém pede que você escreva; o mundo quer é advogados, médicos, engenheiros, porteiros, empregadas domésticas, encanadores. Na esmagadora maioria das vezes um eletricista é mais útil que Shakespeare"


"Só a obra tem importância para o artista verdadeiro. As pessoas têm amigos enquanto são pessoas, comem, correm, pagam contas, têm vizinhos, bebem. Mas artistas não têm amigos: eles são um impulso brutalmente narcisista que, para nascer, pisa no que está ao seu lado. E nem olham para trás (...) um grande artista é um precário equilíbrio entre a civilização, que se vê na obra, e a selvageria animal que a realiza"


"De todas as tarefas humanas, nenhuma é tão irremediavelmente fracassada quanto a convivência amorosa, porque ela é ao mesmo tempo a perspectiva implícita da eternidade e a vertigem infinitesimal dessa magnífica coisa nenhuma, que já nasce morrendo, que é o orgasmo"


"O lugar-comum é a essência da morte. Não invente! – ela parece dizer. Eu obedeço, aceitando o ritual singelo de iniciação que os enterros nos oferecem: uma pontada interna de sentimento para uso próprio, e outra externa, para os outros, sempre atentos à nossa postura. É um equilíbrio difícil – e ninguém se sente à vontade, além do morto e do funcionário da empresa funerária; em alguns momentos, é quase invisível a fronteira entre o riso e a dor, que se contemplam provocantes. Passo os olhos em torno; na tristeza solidária, há os que parecem encontrar nesse momento o seu mais legítimo habitat; os empreendedores, parentes que chegam do nada e organizam a morte, da escolha do caixão ao passeio consolador das crianças"


"O Brasil não tem memória; vocês, felizes, simplesmente não se lembram. Às vezes repetem tudo o que fazem, mas há sempre um toque de inocência mesmo na pior estupidez; como não se lembram, tudo é sempre a primeira vez. Eu achei engraçada essa imagem, no mínimo uma boa ideia, a da inocência perpétua, o mundo pré-cristão que a Europa sonha reconquistar faz mil anos. Aqui, somos diferentes, você sabe: a estupidez é científica, programada, estudada, repetida – não esquecemos nada e costumamos repetir tudo, justamente para não esquecer. Quando queremos mesmo nos livrar, nós suprimimos, o que é diferente de esquecer"


"Eu cedi, naturalmente, ao canto do 'para todo o sempre', que é irresistível – parece que por uma estranha compulsão, somos todos irresistivelmente atraídos pela ideia do 'para sempre'; como se, num momento da vida, nada nos parecesse melhor do que suspender a vida; o difícil, depois, quando nos arrependemos, é o desembarque lá do alto"


"Não era do meu casamento que eu estava livre; nem mesmo do meu marido; eu estava livre da memória dos meus 16 anos, da nitidez daquela paisagem da primavera toscana que de tão bonita no passado era incapaz de se transformar, camadas sobre camadas de verniz envelhecido para manter um resto de brilho. Livre agora, mas uma liberdade pobre, de que não abri mão, mesmo porque o ódio do Senhor do Castelo, que vivia o horror da humilhação, arremessou-se sobre mim, jurídico, monumental, envenenado, pelo que fiquei sem nada, obediente à minha sólida formação católica e de acordo com meu medo do enfrentamento, o mesmo que me levou a suportar aquilo por tanto tempo, exatos oitocentos e vinte e um dias"


"O passo em falso, que já é ruim na vida, na arte não tem perdão"


"Quando se desata, a família é de um inacreditável ridículo. Basta um sopro, um pequeno empurrão, uma recusa, um virar de costas, e aquela arquitetura tão bem-amarrada ao longo dos anos, séculos, os milênios da memória, desaba num estrondo, todas as colunas ao mesmo tempo; não sobra coisa nenhuma"


"(...) houve esse beijo na boca de duas mulheres, um beijo que esparrama pelo corpo e não vai adiante; era como se, na amiga, eu tentasse compensar o fracasso atávico de quem jamais sentiu em si mesma, na relação com o seu homem, o poder da atração; de quem não pôde em nenhum momento despertar nele alguma coisa semelhante à sensualidade. A verdadeira estupidez masculina nunca tem uma natureza puramente intelectual; ela é mais uma cegueira da pele, uma opacidade da carne, o calor apenas econômico do carvão aceso. E, desse miolo, a voz se esteriliza, os gestos não escapam do braço, a boca não se abre, os olhos não veem – a vida parece que fica escura quando se chega perto deles"



Trechos presentes no romance "Breve espaço" (Record, 2013), de Cristovão Tezza.

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