Anton Tchekhov (foto daqui)
"A folhagem das árvores estava quieta, cigarras cantavam e o ruído surdo e monótono do mar, vindo de baixo, falava de repouso, do sono eterno que nos espera. Esse barulho já se fazia ouvir ali quando não havia nem Ialta, nem Oreanda; ele se faz ouvir agora e será assim também no futuro, surdo e indiferente, quando nós não mais existirmos. E nessa constância, nessa completa indiferença em relação à vida e à morte de cada um de nós, esconde-se, talvez, a garantia de nossa salvação eterna, do incessante movimento da vida na terra, do seu contínuo aperfeiçoamento."
"O passado acabou e não interessa, o futuro é insignificante, e esta noite maravilhosa, única na vida, logo vai terminar, vai se fundir com a eternidade – então, para que viver?"
"Aos poucos ele aprendeu pela experiência que, enquanto se trata de jogar cartas ou de comer na companhia de um burguês, este permanece pacífico, benevolente e é até mesmo inteligente; porém, basta apenas puxar o assunto para algo não comestível, como política ou ciência, por exemplo, que ele fica num beco sem saída ou vem com alguma filosofia obtusa e perversa, e o único remédio é desistir e ir embora. Quando Stártsev tentava conversar com um burguês, mesmo um liberal, a respeito, por exemplo, da ideia de que a humanidade, graças a Deus, está avançando e de que, com o tempo, os documentos de identidade e a pena de morte serão dispensáveis, o tal burguês o olhava de esguelha e perguntava desconfiado: 'Quer dizer então que qualquer um vai poder degolar quem quiser na rua?'. E quando, em sociedade, num jantar ou tomando chá, Stártsev dizia que era necessário trabalhar, que não se pode viver sem trabalhar, cada um interpretava isso como uma crítica, zangava-se e começava a discutir de maneira inconveniente"
"Enquanto caminhava, ele pensava que muitas vezes você encontra pessoas na vida e que, infelizmente, desses encontros não fica nada mais do que recordações. Acontece vermos de relance as cegonhas no horizonte, a brisa traz seus gritos triunfais e lamentosos, mas um minuto depois, por mais que você esquadrinhe ansiosamente o azul distante, não verá nem sinal delas, e não ouvirá um som sequer – exatamente assim as pessoas, com seus rostos e falas, passam de relance por nossa vida e se afundam em nosso passado, sem deixar mais do que ínfimos vestígios de lembranças."
"(...) ele julgava os outros por si mesmo, não acreditava no que via, supondo sempre que para cada pessoa, sob o manto do segredo, assim como sob o manto da noite, se passava a sua verdadeira vida, a mais interessante. Cada existência pessoal sustenta-se no segredo, e talvez por isso que o homem educado exige tão nervosamente respeito à sua privacidade."
"Na companhia dos homens ele se sentia entediado, pouco à vontade, ficava calado e frio; mas, no meio das mulheres, sentia-se livre e sabia o que dizer e como se comportar. Era-lhe fácil até mesmo ficar calado na presença delas. Na sua aparência, no seu caráter, em todo o seu modo de ser havia algo sedutor, imperceptível, que predispunha favoravelmente as mulheres em relação a ele e as atraía (...) Sua farta experiência, na realidade uma experiência amarga, há muito lhe ensinara que toda aproximação, que no início traz uma agradável variedade à vida e que promete ser uma aventura leve e divertida (...) fatalmente se transforma num problema terrivelmente complexo, e no final a situação se torna muito penosa. Porém, a cada novo encontro com uma mulher interessante era como se essa experiência escapasse da memória; dava vontade de viver, e tudo parecia simples e divertido."
Presentes no livro de contos "A dama do cachorrinho [e outras histórias]" (L&PM Pocket, 2014), de Anton Tchekhov, tradução de Maria Aparecida Botelho Pereira Soares, páginas 148, 81, 132-133, 48-49, 159 e 142, respectivamente.
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