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Vinte passagens do livro Conversações com Renato Russo



“Quando o artista faz sucesso, fica sempre devendo.” [1990]


“As pessoas não são liberadas. A gente está na Idade Média. Imagina, o Brasil é o país mais racista do mundo. (...) Eu acho que, o que falta hoje em dia é respeito. Agora, isso é uma coisa que ainda vai levar muito, muito tempo. Um país que não tem um sistema social, o Estado não funciona, não existe escola, uma rede de transporte decente, não existe informação. É isso que a gente tem que trabalhar antes. A questão da identidade sexual, isso vem depois. É uma coisa que vai ser conquistada, entendeu?” [1994]


“Eu acho que você não pode ser um fascista cultural. Esse negócio de patrulha ideológica eu acho que é a coisa mais furada do mundo. As pessoas mais bonitas que eu conheço são justamente as pessoas mais abertas. Então eu acho que seria tão legal se as pessoas começassem realmente a se curtir, é uma coisa que eu nunca desisto. As pessoas dizem que eu sou ingênuo mas não consigo desistir. (...) eu acho importante que as pessoas tenham contato com outros tipos de realidade em vez de ficar só naquele mundinho, porque isso ajuda, mostra que o ser humano não é só um tipo de pessoa.” [1985]


“Acho que o básico (...) é a Declaração dos Direitos Humanos. E isso teria que partir do núcleo da sociedade, que é a família. É uma questão de educação! Porque não adianta ficar xingando o Sarney, na verdade os culpados pela situação do país somos nós! Por exemplo: como a nova geração vai ter respeito pela mais velha, se esta a ataca e está cheia de preconceitos?” [1988]


“Eu acho que a questão da violência é uma questão do planeta. A humanidade é violenta. Mas quando o Estado consegue fazer com que o cidadão se sinta útil, quando o cidadão confia no Estado, esses momentos de violência ficam mais esparsos. (...) No Brasil, essa violência contra o cidadão, além de ser traduzida como violência, como na Rocinha ou nos jogos de futebol, envolve a agressão ao cidadão no sentido de você não ter uma base, uma segurança. A questão da inflação, a própria Constituinte não resolvida. Quando a perplexidade se confronta com ela mesma, numa ocasião de festa como o show da Legião Urbana, num lugar onde ela é naturalmente exacerbada por causa da proximidade do poder e das próprias características de Brasília como cidade — ou seja, um feudo cercado de Brasil por todos os lados —, a coisa se torna realmente uma panela de pressão.” [1988]


“(...) Acho que o grande mal da civilização ocidental é não ter contato com a oriental. Todo esse pessoal proclama verdade, verdade, verdade e não chega a solução nenhuma... Daí vem o Lao-Tsé e fala: (Renato imita a voz do Mestre, do seriado Kung Fu) ‘Certo, não há resposta para nada porque há resposta para tudo’.” [1986]


“(...) eu não consigo parar de pensar e ficar preocupado com tudo o que acontece, então fico muito deprimido às vezes. Fico achando que as pessoas são cegas, não querem ver o que está acontecendo, não se ajudam e vivem num processo de servidão voluntária. A maioria das pessoas insatisfeitas não faz nada para reverter a situação. Eu vejo algumas pessoas dizerem que o horário eleitoral é algo humorístico, mas que graça tem aquilo? Não é humorístico, é patético na maioria das vezes. Agora, vai ver que meu caráter é diferente do perfil do povo brasileiro. Fica todo mundo dizendo que somos um povo alegre e feliz, e aparece o Nick Cave e diz que não viu nada disso. Ele está certo. Eu sei que preciso falar de coisas bonitas, senão vai ser uma negatividade só, mas não me incomodo não.” [1989]


“(...) ao invés de falar mal das pessoas que poluem os mares, ou das guerras, a gente prefere falar do universal, da experiência individual de cada um. Todo mundo respira, todo mundo sonha, todo mundo é confuso sexualmente, até certo ponto, todo mundo tem medo da morte. Então a gente quer falar sobre isso: do ponto em comum que une todas as pessoas.” [1986]


“Quando estávamos fazendo o disco, eu não sabia sobre o que a gente ia falar, porque eu não queria mais falar sobre coisas negativas. Já passou o tempo de chegar a querer chocar as pessoas gritando: que país é este? As pessoas já sabem de toda a lama que nos cerca, ao contrário de 1978, quando fizemos ‘Que País é Este?’, porque as pessoas não estavam nem aí. Agora, principalmente com o horário eleitoral gratuito, corrupção, violência e miséria estão todo dia na televisão, mas não existe uma saída visível. Eu não queria mais falar sobre isso e pensei: o que existe de bom para falar?” [1989]


“(...) O disco [‘As Quatro Estações’] tem referências também à doutrina de Buda e ao Livro do Caminho Perfeito, que é uma coisa bonita, escrita há muito tempo, como se fosse um texto bíblico oriental, pré-Jesus. Nós não estamos falando de religião, estamos falando do lado espiritual do ser humano. Não estamos falando que Deus existe ou não existe. Eu, pessoalmente, acho que seria muita pretensão nossa achar isso. Acho, sim, que temos um sentimento de espiritualidade que comprova que ele existe. O disco não lida com a questão da existência de Deus, sim com a ideia de Deus. E tem aquela estória: foi Deus quem inventou o homem ou foi o homem que inventou Deus?” [1990]


“(...) Eu queria ter uma banda. Consegui ter uma banda. Eu queria ter dinheiro. Consegui ter dinheiro. Tenho meus amigos. Mas sempre tinha alguma coisa me espezinhando e eu sabia o que era. É muito difícil viver numa sociedade onde você é um pária. (...) A sua família vai colocar a causa do enfarte do seu pai em cima de você. Você é doente. No colégio, quando começa a doutrinação — você tem que ser igual a todos —, você começa a ficar com medo. Não tem com quem se abrir, acha que é a única pessoa no mundo: então estou errado. E é uma questão de instinto. Eu tenho muito mais facilidade de ficar de pau duro se aparece um cara bonito na minha frente do que com uma menina.” [1990]


Renato Russo (foto: Cris Bierrenbach)


“(...) Não sei se seria positivo para a Legião fazer Hollywood Rock. Além do mais, para isso existe o Capital Inicial. Como vamos cantar o que cantamos com um baita bandeirão do Hollywood atrás? Mas todo mundo é hipócrita. Quem sabe um dia fazemos.” [1989]


“(...) No Brasil, é um sistema que engole o que acontece se você ficar estagnado... Não é como lá fora que você pode fazer um trabalho, por maior qualidade que o seu trabalho tenha, ficar na mesma linha — eu não sou nem contra, acho que se você está nessa linha você tem —, mas, infelizmente aqui no Brasil o público gosta muito de novidade. Se você não tiver novidade, você cai para escanteio. Então o que pintou no Brasil é que os artistas que eram talentosos e que na época tinham alguma coisa nova para dizer (...) não conseguiram justamente segurar isso e ficaram na mesma linha e acabaram sendo jogados de lado. E aí acontece o quê? Acontece o rock novidade e pegou espaço. Agora não pensem que a gente não está preocupado. Eu converso com o Herbert e a gente está se cagando nas calças porque a gente não sabe o que vai acontecer. Eu estou sentindo uma pressão muito grande por parte de todo mundo (...) porque está todo mundo esperando justamente que a gente faça uma coisa nova.” [1985]


“(...) A gente tem muita sorte! Por um milagre, caímos no gosto popular. Esse é um disco difícil, todos os nossos discos foram. Aquela música, ‘Há Tempos’, ‘Parece cocaína’... E toca! Morro de medo de a musa me abandonar, de virar um hasbeen (artista famoso que caiu no ostracismo), de aparecer daqui há uns oito anos num programa assim: ‘Vocês se lembram? No começo dos anos 80 eles foram muito famosos. Onde estarão eles?’ (risos). No Asilo dos Artistas, com meu violãozinho, eu, Marcelo Nova e Paulo Ricardo. Ai, que horror!” [1990]


“(...) Até hoje eu não sei tocar direito... A gente é super não-profissional, é amador no bom sentido, de quem ama o que faz. (...) As letras só tentam provar que alguma coisa é possível... mas as letras são feitas em cima do que os quatro vivem. Quando a gente começou era assim: vamos fazer uma banda? Vamos. Então, decidia o nome, as turnês, mas nem sabia tocar... Mas é isso, quem mais sonha é quem mais faz, eu acredito muito nisso, e também que quem espera sempre alcança. Eu vivo dizendo isso, são as máximas de Renato Russo... Era divertido, é divertido, se não for fun, não tem graça nenhuma. (...) embora as letras sejam importantes, elas são um meio e não um fim.” [1986]


“(...) Eu não sou mártir, não tenho que ficar aguentando moleque mal resolvido. Se é porque o show está ruim tudo bem, mas estava todo mundo adorando, estava tudo bem... e me tacaram uma bela de uma sandália Samoa. Ainda bem que não foi uma garrafa! Depois me falaram que o Paulo Ricardo leva garrafa na cabeça — eu não sei se isso é verdade — e continua cantando, que isso é uma coisa que acontece sempre e ninguém teve esse ataque de estrela. Tudo bem, mas eu é que não vou ficar satisfazendo público que quer ouvir ‘Eduardo e Mônica’ exatamente como está no disco, isso não é rock’n’roll! ‘Ah, mas tem que tocar.’ Tem que tocar nada, eu faço o que eu quero! (...) Para mim, rock’n’roll é tocar, se divertir, fazer o maior auê e ir embora.” [1986]


“(...) Minha vida continua normal e eu não me considero ainda um grande letrista. Tenho muito o que escrever ainda, mas eu gosto que as pessoas pensem assim. Agora, no próximo disco vão pintar coisas bem simples, tipo... ‘baby, baby eu te amo’, e aí muita gente vai pensar que Renato Russo acabou e coisas afins. Eu não me preocupo com essas coisas de ego, e sim em fazer com que as pessoas entendam coisas que sejam reflexos do que eu e a banda pensamos e sentimos. Até o LP Dois eu sentia o mundo muito confuso, por isso saíam letras complexas. Agora eu estou sentindo emoções bem simples e básicas, tipo ‘eu gosto de você e pronto’, sem nada de ‘... linho nobre e pura seda’ ou de ‘... rabisquei meu horizonte’. Mas isso é o que estou pensando nesse momento. Daqui a 15 minutos eu posso mudar de opinião.” [1988]


“(...) Eu gosto é de compor, entrar no estúdio, encontrar os rapazes, trabalhar a obra, pensar na capa e pronto, coloca o disco na loja. A gente é artista de gravação. O Lou Reed falou isso: ‘I’m a recording artist’, não é um poeta. Ele é um artista que grava e essa é a visão que eu tenho da Legião.” [1996]


“Ele é muito diferente de mim. Acho-o um pouquinho folgado. Ele é bem ‘bofinho’, do tipo que tira a camisa, enrola na cintura e diz: ‘Vamos jogar bola?’ Eu não era assim. Já tem namorada, imagina... Ontem, quando eu o vi, ele disse: ‘Pai, já acendeu de novo o cigarro?’ Desta vez, fiquei quatro meses sem vê-lo. Joguei o cigarro em um canteirinho e ele disse: ‘Pai, não pode jogar cigarro na plantinha.’ Não gostei. Como eu vou lidar com isso? É uma relação pai-e-filho, mas não é. É como se eu fosse o irmão mais velho, porque ele chama a minha mãe de mãe. Eu pergunto: ‘Cadê a sua avó?’ E ele grita: ‘Manhêêê’. É muito complicado. Mas é uma dádiva e nada acontece por acaso. A vida não é fácil, mas vamos resolver tudo.” [1995]


“Sabe o que eu acho que, se a gente tiver sorte, vai acontecer no futuro? Vamos realmente ter uma aldeia global como McLuhan falou e vamos ser índios. Você vai ter a sua casa com energia solar, o seu terminal ligado à Biblioteca do Congresso ou que quer seja, e vai ter uma vida natural, uma alimentação natural. Quem dera!” [1990]


Presentes no livro “Conversações com Renato Russo” (Letra Livre, 1996), páginas 81, 173, 19, 44-45, 53, 37, 80, 27-28, 77, 83-84, 92-93, 67, 22, 99, 32, 33, 50, 260, 211 e 100, respectivamente.

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