Renato Russo (foto daqui)
"O guitarrista da Legião Urbana é uma das pessoas mais admiráveis que já conheci. Além de grande generosidade de espírito, inteligência, coragem e sensibilidade, ele é um raro exemplo de beleza física aliada a sex appeal: belo, sensual e de personalidade marcante (raramente beleza vem acompanhada de inteligência e charme). Pois bem, não confundo trabalho com sentimentos de ordem afetiva e nunca tinha me deixado afetar com sua companhia, até que vim a saber que Fernanda, sua esposa, e empresária da Legião de 84 a 87, se ressentia comigo, por achar que eu estava interessado em seu marido. Na verdade nunca tinha pensado nisso, mas, assim que soube de seu medo, passei a perceber Dado com outros olhos e, embora nunca tenha levado meu interesse às vias de fato (só em pensamento), as fantasias começaram. (...) Ele era o motivo para me esforçar, levar meu trabalho em frente, ter ânimo quando estava desinteressado e força quando estava prestes a desistir. Muitas vezes resolvi problemas e encontrei soluções criativas só porque Dado ficaria feliz."
"Por falta de assertividade (depois de tentar explicar meu ponto de vista de todas as maneiras que encontrava, acabava desistindo), sempre cedi aos caprichos do baterista da banda, Marcelo Bonfá, que na época tinha um grande ressentimento em relação à minha pessoa. Tentando evitar problemas maiores, decidi, junto com o guitarrista, Dado Villa-Lobos, que usaríamos o estúdio de gravação (...) para ENSAIOS, pagando em dólares os períodos hora/gravação, só porque o baterista não queria usar fones de ouvidos. Perdemos muito tempo e dinheiro, não achei os resultados plenamente satisfatórios (...) Por eu não ser assertivo, Bonfá se achava indispensável e sempre que possível dificultava as coisas, para se valorizar às custas do grupo. EU sempre cedia, também porque não suportava rejeição e queria ser amado."
"Por volta de 1984, antes de lançarmos nosso primeiro disco, estávamos em São Paulo para uma apresentação no clube Rose Bom Bom (uma casa new have da moda na época, com capacidade para um público de trezentas pessoas) e subi bêbado ao palco, o que atrapalhou minha dicção e deixou os outros membros da banda muito chateados (exceto o baixista, que também estava mais para lá do que para cá). O público não notou nada, porque nossa música na época era muito barulhenta e todos acharam que minha performance era parte do show. Não era, eles adoraram de qualquer jeito, mas fiquei muito descontrolado e (como sempre) sozinho depois do show porque ninguém queria falar comigo (acharam que tinha sido um desastre). Eu bebi mais (é claro) e achei, com arrogância, que isso era um comportamento tipicamente rock’n’roll, quando na verdade era antiprofissionalismo mesmo."
"No final de 1980, por ocasião dos sete dias de morte de John Lennon, estava programado um evento mundial: dez minutos de meditação e silêncio. (...) Na época ainda tocava no meu primeiro conjunto de rock, o AE (Aborto-Elétrico), e tínhamos uma apresentação no Cruzeiro, cidade-satélite de Brasília, uma coisa bem amadorística mas que levávamos muito a sério. Bebi um pouco, mas, na hora da meditação, lá fui eu me deitar para olhar o céu com um garrafão de vinho, que devo ter bebido pela metade. Já bêbado, chegou a hora da nossa apresentação, e o baterista (Felipe Lemos, hoje no Capital Inicial) se irritou bastante comigo. Lembro que achei que ele estava levando tudo muito a sério, mas tivemos uma briga, ele estava insuportável, agressivo e hostil (eu estava me sentido todo cósmico, paz e amor, principalmente porque, no momento exato do início da meditação, o céu, que estava cinzento e carregado, começou a abrir, o que achei que era alguma espécie de sinal. Em dez minutos exatos, o sol tinha voltado a brilhar). Mas ele, a meu ver, atrapalhou a apresentação, chegando a interromper canções para me tacar baquetas e gritar comigo, à vista de todos, se fazendo passar por líder do grupo. Me senti desprezado e saí do grupo naquele instante. Não me arrependi."
"Vários conhecidos famosos formaram um ‘grupo de estudos’ para debater Nietzsche (...) era a moda do fim de verão entre globais e gente da indústria musical. (...) No início o entusiasmo era geral, mas logo começaram as faltas às reuniões, as desculpas, os atrasos, os desinteresses e as panelinhas. Detesto panelinhas. Achava M., a cantora, insuportavelmente chata, com cara e atitudes de quem tinha comido um limão azedo. Nunca lhe disse isso, era passivo e ‘bonzinho’ ao extremo, tudo para me sentir aceito entre ‘iguais’. Fazia perguntas, participava ‘alegremente’, mas já na terceira reunião não estava mais interessado (era fácil fingir, porque sei manipular situações muito bem, como todo dependente químico, e utilizava minha inteligência como arma, para me defender e espantar o tédio.). Na verdade, aquelas pessoas me enfastiavam com sua arrogância, preconceitos e seus ares de ‘superioridade moral’ (com exceção de dois ou três amigos verdadeiros, sim, pois nem tudo é tragédia, ninguém ali estava realmente interessado em aprender alguma coisa). A sensação que dava era a de que se reuniram para se autoelogiarem (...) e falarem mal de tudo e de todos."
"Me acham louco, é claro. Não só por causa de meu não conformismo (sou considerado polêmico por ter assumido meu homoerotismo publicamente em entrevistas e em shows), mas até por referências à minha dependência química (...) em algumas de nossas canções. Também porque o público em geral parece exigir um comportamento dionísico de um artista e a reação nas apresentações ao vivo (principalmente quando danço ou finjo desmaios ou – pasmem – simulo masturbação no palco) é sempre a mesma: ‘Esse cara deve ser muito louco, meu’. Além do fato de que a maior parte das pessoas acha que só alguém que não é ‘normal’ escreve canções ‘profundas’, ou com conteúdo poético acima do normal, que tocam a sensibilidade de todos de um jeito especial."
Presentes no livro "Só por hoje e para sempre" (Companhia das Letras, 2015), de Renato Russo, páginas 105-106, 127, 21, 57-58, 134-135 e 24, respectivamente.
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