Edra Moraes - Foto: Anderson Coelho
Não sou musa, sou poeta
Edra Moraes
Musas são diáfanas, acariciam como a seda,
Leves como uma pena ao vento
Eu carrego em mim o peso de um bloco de mármore,
e rasgo a carne como o ferro
Musas caminham nas pontas dos dedos,
Admiram Sade, Foucault e Loyola
Eu caminho coxa arrastando este fantasma,
Todos eles me estudaram e nunca me entenderam
Musas têm bundas, seios e sorrisos fáceis
Eu não tenho corpo, sou bela como um vulcão
Musas caminham de mãos dadas ao teu lado
E despertam a inveja dos teus amigos
Eu caminho sozinha, mesmo na multidão
Eu uso minhas mãos para tirar as pedras do caminho
Musas estudam arte, cinema, música e poema
Eu vomito palavras, erro os acentos e troco pronomes
Musas nasceram para serem amadas
e eu, poeta que sou, nasci para amar
Amar a ti, aos pássaros e o cão morto na esquina
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12
Edra Moraes
não falem do meu amor
à boca pequena
ele é um grito, de tão alto
nunca foi ouvido
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Que idade eu tenho?
Edra Moraes
Que número é este que não me define?
Eu tenho a idade do meu pensamento
Criança, brilho de espanto e encantamento
Sou moça bonita, em labareda sem fim
Madura, cuido de um jardim que nunca vi
Velha, maga e bruxa, conto os fios brancos
Espero o descanso que deveria ser meu fim
Mas é só o começo do que está por vir
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Incomparável
Edra Moraes
compare-me a com a flor
serei forte e rude
compare-me com a pedra
serei leve e frágil
compare-me com a lua
serei quente e próxima
compare-me com a rua
serei aconchego e regaço
para chegar até mim
compare-me com o nada
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Desiderium ultimum
Edra Moraes
quero cremação e cinzas espalhadas
se os familiares não tiverem para tanto
que me fechem em um caixão, sem vidro
não quero o algodão das narinas
exposta assim para visitação
não gastem flores,
me forrem com poemas
que terei tempo na eternidade
para revisões críticas
ascendam uma vela para mim
e uma para os meus feitores
evitem cortejos longos
e desnecessários adeuses
pois é agora que permaneço
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"Deus me livre das pessoas leves
Que nada levam a sério
Que nada são além de guarnição
Para a cerveja e o churrasco
(...)
Deus me livre das pessoas frágeis
Que a culpa de suas dores são sempre do outro
(...)
Deus me livre das pessoas inocentes
Que servirão de escudo para os meus inimigos"
"Algumas pessoas perdem as chaves e se desesperam.
Eu perdi a mim e, por anos, me procurei em silêncio."
"tenho dó da palavra amar e seus derivados
usadas aqui e acolá por adolescentes a procura de sexo
ou velhos maduros em tédio.
tenho dó das palavras que como eu
estão fora do contexto"
Presentes no livro de poemas Para ler enquanto escolhe feijão (Atrito Arte, 2016), páginas 13, 70, 26, 17 e 48, respectivamente, além dos trechos dos poemas Poema oração (p. 27), Achados e perdidos (p. 60) e (p. 46), presentes na mesma obra.
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