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Vinte e cinco passagens de Renato Russo no livro “Renato Russo de A a Z — As ideias do líder da Legião Urbana”



“Estou num momento complicado, difícil, mas estou sereno. A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.”


“(...) A gente se esquece de que, até pouco tempo atrás, dependendo das ideias que seu pai tivesse, seu irmão, seu namorado, ia bater gente na sua casa, eles iam pegar essa pessoa, e você nunca mais ia saber o que tinha acontecido com essa pessoa. E ficou por isso mesmo, e não se fala nisso. É uma coisa muito perigosa, eu acho, a ideia: ‘Não, a gente era feliz naquela época’. Gente, eu não me lembro de ser feliz naquela época não! Fazer redação dizendo que o presidente é maravilhoso, quando, muito tempo depois, a gente descobre que as pessoas estão sendo mortas, em nome de uma grande coisa que não se sabe o que é. Eu acho isso péssimo. E a música [‘1965 (Duas Tribos)’] é sobre isso. A música fala especificamente de tortura, e fala dessa ideia toda de o Brasil ser o país do futuro. É sobre como seria legal se a gente encaminhasse o Brasil para ser um lance legal, porque chega de ser o país do futuro! A gente tem que ser o país do presente, a gente tem que viver agora.”


“Nosso público tem um perfil que eu acho muito bonito. São pessoas que não são racistas, não são fascistas, que buscam determinada ética frente ao mundo complicado que têm. Fico feliz de tentar trabalhar com o que acredito, e o que acredito passar na música.”


“O Brasil é um país que não é uma nação, onde a vítima é ré, e não se respeita mulher, negro e homossexual. (...) Você vê, pela quantidade de pessoas que querem ir embora, o aviltamento profissional de tanta gente, a falta de perspectivas. Mas eu acho que é justamente nas situações extremas que as coisas podem mudar. (...) É mais fácil entrar para as Forças Armadas do que ter um ensino decente. Meu país tem nome de remédio: Brasil, Doril... Meu país só tem me dado dor de cabeça. (...) Nós já cantamos o caos, a situação desesperadora do país. E, agora, o que resta? O caos continua aí. (...) A gente não é como esses caras. Eu sou brasileiro! Esses caras não são brasileiros. (...) A gente acredita no Brasil. Existem muitas coisas legais. Ficam querendo que a gente seja ladrão, que seja do jeito que eles são. Nós não somos, não.”


“Você não pode ser omisso. Não está na hora de ser omisso. O problema não são os fascistas, são as pessoas que não se manifestam. Para citar o exemplo mais conhecido: Hitler subiu ao poder não por causa das pessoas que o apoiavam, mas por causa das pessoas que não o levaram a sério, não se deram conta, e ficaram omissas.”


“(...) consegui me sindicalizar como jornalista antes mesmo de me formar. Cobria a parte de política, e todas as minhas ilusões, de querer salvar o mundo, ser o bastião da verdade, acabaram ali. Porque eram muita treta, muita enganação, muita coisa por baixo do pano, você escrevia as coisas e o editor não deixava. Fui ficando muito desiludido, e isto foi me puxando cada vez mais para o rock, porque os punks estavam falando justamente disso, da hipocrisia. Você faz tudo direitinho, estuda, trabalha, e depois vê que é essa corrupção, não só a nível governamental, mas em tudo. (...) Quando vejo esses corruptos mentindo com a maior desfaçatez, minha vontade é matar todos eles. Mas eu sei que isso não adiantaria nada.”


“Eu me considero muito macho, entendeu? Tenho 34 anos, casa própria, sou super-responsável, cumpro meus compromissos, não roubo, não minto, não mato e tenho amigos que me dão força. Tenho meus defeitos também, porque não sou santo, mas participo ativamente da vida do meu país. Para mim, ser homem não é sair dando porrada nas pessoas, como ser mulher não é ser submissa (...) É preciso parar com o sexismo, e ver que aquilo que existe é a dignidade do ser humano.”


Renato Russo (foto: Ricardo Junqueira)


“O problema é que somos um país sem governo. Parece um navio-fantasma. E tem muita gente passando fome.”


“(...) a gente não vai mudar as coisas. (...) Se vocês querem que mude, usem seu título de eleitor. (...) Se eu quisesse mudar o mundo, não estaria numa banda, e, sim (...) tinha me filiado a algum partido político. (...) se querem resolver os problemas do país, em vez de pegar uma guitarra, entrem para um partido, vão trabalhar, sejam honestos e mudem as coisas. Rock’n’roll é para a gente conseguir dinheiro, sexo e diversão!”


“Todo fã de rock’n’roll queria estar lá no palco, no lugar do artista.”


“Como eu faço as letras sempre em primeira pessoa, há uma identidade, paradoxal, entre a música e o ouvinte. ‘Poxa, esse cara está falando da minha vida!’ Já teve um cara que até quis me bater! Eu estava andando no Shopping da Gávea, chega esse cara e diz: ‘Você não tinha o direito de escrever Ainda é cedo sobre a minha história, de ficar espalhando isso para as pessoas! Como é que você sabia de tudo?’ E me olhando, com aquela cara de psicótico... Pô, cara, eu estava falando de mim! Eu sempre gostei de Bob Dylan, desse tipo de compositor que, mesmo quando está falando do social, do que quer que seja, passa isso por um prisma psicológico-afetivo-emocional-íntimo, sei lá...”


“O maior perigo é para o público. Um belo dia, ele vai descobrir que o seu ídolo tem pés de barro. É uma coisa muito dolorosa, porque messias não existem. Eu expresso o que eu penso e o que eu sinto. Quando eu falo essas coisas, não é para mudar a cabeça de ninguém. (...) Eu tenho a minha individualidade, não sou um messias. (...) Não me vejo como profeta ou messias, nem nada. Sou um cantor de rock, um músico, um artista. Eles te colocam lá em cima para, depois, te derrubarem.”


“Esta música [‘Pais e filhos’] é sobre suicídio. Ela é muito, muito séria. Me desgasta para caralho quando a gente toca, e as pessoas não percebem. É sobre uma menina que tem problemas com os pais, ela se jogou da janela do quinto andar, e não existe amanhã. Eu acho bacana, é uma música bonita, mas existe um clima em torno de algumas músicas da gente que me assusta. Quer dizer, cada pessoa interpreta à sua maneira, mas isso é uma música seríssima, é que nem Índios. Eu não aguentaria ouvir duas vezes seguidas. Eu gostaria, então, que as pessoas prestassem atenção na letra e vissem que é uma coisa muito forte.”


“A letra de Índios eu escrevi no estúdio, assim! Música tão linda! Têm coisas bem fortes ali... E eu mostrava para o grupo, e eles: ‘Legal, Renato’. E meu coração ali! Foi uma coisa muito difícil. Eu queria uma resposta, e ela não vinha. (...) Em vez de eu falar o que é o amor, eu digo: ‘Quem me dera ao menos uma vez/ Esquecer que acreditei que era por brincadeira/ Que se cortava sempre um pano de chão/ De linho nobre e pura seda’. Ora, tem gente que não vai querer ouvir isso. Tem gente que quer ouvir solidão que rima com paixão, e amor com dor. (...) Essa é a música mais difícil de todas. Eu nunca sei a letra dessa música, e a gente nunca sabe tocar. Mas a gente acha que é uma música especial.”


“Ah, a sacarina do Bonfá! Ah, essas músicas que o Bonfá me manda! Aí, todo mundo acha que eu é que faço essas músicas, e que eu é que sou o melancólico do grupo! Eu tenho essa fama. Isso vem mais das letras. As minhas coisas são as coisinhas mais pop, mais bundas, mais pretensiosas e mais metidas a besta. O Bonfá é quem faz Vento no litoral.”


“Antigamente, eu escrevia as letras antes e, depois, ia encaixando nas músicas. Atualmente, já penso mais em como é que vai ficar a letra na música, e tento fazer junto. (...) Marcamos estúdio e cada um já leva alguma coisa pronta, O Bonfá compõe bastante. Aliás, as pessoas têm mania de achar que sou eu que faço tudo. O Dado, às vezes, traz a melodia acabada, só fica faltando a letra. (...) Desde As Quatro Estações, Bonfá faz um rhythm track na bateria, e a gente vai atrás, montando a música aos pedaços. Eu coloco sempre muito violão. (...) O mais complexo é escolher as letras. Na hora de gravar o disco, nós sentamos e escolhemos o que tem de melhor nas fitas. Gravamos na pré-produção e sai uma beleza, mas, depois, não conseguimos reproduzir igualzinho, o que é um saco. Somos mais intuitivos do que músicos. A parte que demora mais é a composição das letras. Demorei três meses para escrever Há tempos. (...) A gente faz uns pedaços, depois pega e fica ouvindo. Já devo ter umas cinco ou seis letras e mais uma porção de ideias para o próximo disco. Guardo tudo numa sacola velha. Se, por acaso, uma letra não entra no disco, guardo e depois coloco em outro que tenha a ver. Também coleciono possíveis títulos.”


Renato Russo (foto daqui)


“Eu tive um sonho. Apareceu uma luz imensa no céu, assim, e, de repente, surgiu Elvis: óóóóóóó!!! Tocou aquela música e, quando eu cheguei perto, o Elvis virou Jerry Adriani e disse assim: ‘Filho, vai em frente’. Aí eu virei cantor.”


“Eu acho que a maior falta de juízo é discutir com alguém que não tem juízo. É sempre aquela coisa de você ter que ficar pacientemente mostrando: ‘Gente, não é por aí’.”


“(...) O Fagner disse que o pessoal da geração dele tem mais cultura, mas, pelo menos, da nossa geração ninguém roubou poesia da Cecília Meireles para colocar em música, sem pagar direito autoral.”


“Eu pouco me importo com essas campanhas antidrogas do governo, mas o grande erro deles é justamente não dizer que droga é uma coisa que dá prazer só no começo.”


“Desde pequeno, eu sempre achei as drogas uma coisa super-romântica, um pouco como aquela música do Cazuza: ‘Meus heróis morreram de overdose’. Mas ninguém mostra o lado ruim da coisa. Eu sei o que é ficar numa cama tremendo e tendo alucinações. É um horror. Desta vez, espero ter conseguido, eu saquei que é uma coisa muito baixa. Não tem glamour nenhum. Você pode estar num apartamento lindíssimo, ouvindo Cole Porter, mas, se você estiver caindo de bêbado, você não vale nada. Gente que usa droga é sempre muito chata; só é legal para quem está drogado também. (...) não estou querendo fazer a cabeça de ninguém. Se a pessoa quiser usar, problema dela. Para mim, não funciona. E eu achei que funcionava. (...) a droga te dá asa para você voar. Então, me deram asas para voar. Mas me tiraram o céu! Então, você fica com asas para voar, mas não tem para onde ir. É exatamente isso. Não foi bonito. Foi horrível, horrível, horrível!”


“Tem uma frase em que acredito: ‘Quem procura Deus já o encontrou’. E tem uma outra: ‘Foram os homens que inventaram Deus’. E eu fico entre estas duas frases. Existe a ideia de Deus, independente de Deus existir ou não, que está dentro do espírito humano. E essa coisa a gente não resolve nunca. O interessante é desmistificar tudo isso. Seria pretensão de minha parte tentar explicar isso. Mas há coisas que foram ditas e coisas que sei de experiência. Uma delas é: se você ajudar alguém, sinceramente mesmo, você se sente muito bem.”


“O que a gente sempre falou foi: ‘Seja sua própria pessoa’. E o que vejo, em alguns fãs, é a anulação da própria pessoa por causa da Legião Urbana. E eu acho isso péssimo.”


“(...) Então, meu filho, não tem essa de guru, sacou? Na sociedade, existe uma carência de mentores. Eu não tenho. Não existe mentor, não existe uma pessoa para quem você possa realmente olhar e pensar — você está seguindo um caminho que eu gostaria de seguir.”


“(...) Ninguém tem que ser igual a ninguém. Cada pessoa é um universo maravilhoso e único.”


Presentes no livro “Renato Russo de A a Z: As ideias do líder da Legião Urbana” (Letra Livre, 2000), de Renato Russo, org. Simone Assad, páginas 83, 86, 201, 40, 186, 62, 77, 115, 212-213, 104, 131, 169, 190, 134, 159, 58, 145, 147, 223, 48-49, 113-114, 76, 105, 118 e 76-77, respectivamente. 

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