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Toda poesia, de Paulo Leminski

Paulo Leminski interferido por Mirdad

"o novo
não me choca mais
nada de novo
sob o sol

apenas o mesmo
ovo de sempre
choca o mesmo novo"


"Eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois"


"isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além"


"um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer vai ser minha última obra"


"o barro
toma a forma
que você quiser

você nem sabe
está fazendo apenas
o que o barro quer"


"Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima"


"anos ímpares
são anos vítimas
anos sedentos
de sangue e vingança
todo gozo será punido
e o deserto será nossa herança

anos ímpares
são sarampo ínguas cataporas
bocas que praticam
tacos e cacos de línguas
lixos onde mora a memória

muda a regra, muda o mapa,
muda toda a trajetória
num ano ímpar,
só não muda a nossa história"


"Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas"


"eu ontem tive a impressão
que deus quis falar comigo
não lhe dei ouvidos

quem sou eu para falar com deus?
ele que cuide dos seus assuntos
eu cuido dos meus"


------

Cinco haicais de Paulo Leminski


"esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem"


"a noite – enorme
tudo dorme
menos teu nome"


"nu como um grego
ouço um músico negro
e me desagrego"


"longo caminho até o céu
essa minha alma vagabunda
com gosto de quarto de hotel"


"– que tudo se foda,
disse ela,
e se fodeu toda"




Trechos extraídos do livro "Toda poesia" (Companhia das Letras, 2013), de Paulo Leminski.


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