Guy de Maupassant
"Ordens gritadas por uma voz desconhecida e gutural subiam ao longo das casas que pareciam mortas e desertas, enquanto por trás das venezianas cerradas olhos espreitavam estes homens vitoriosos, donos, por 'direito de guerra', da cidade, das fortunas e das vidas. Em seus quartos escurecidos, os habitantes sentiam o desespero dos grandes cataclismos, as grandes convulsões terrestres, contra os quais eram inúteis a sabedoria e a força. Sensação idêntica reaparece cada vez que se subverte a ordem estabelecida das coisas, a segurança deixa de existir e tudo que era protegido pelas leis dos homens ou da natureza se encontra à mercê de uma brutalidade inconsciente e feroz. O terremoto que esmaga populações inteiras sob os escombros das casas; o rio que transborda e carrega camponeses afogados juntamente com cadáveres de bois e traves arrancadas dos tetos; ou o exército glorioso dizimando aqueles que se defendem, aprisionando os restantes, pilhando em nome da espada e agradecendo a Deus ao som dos canhões – são os flagelos terríveis que abalam a crença na justiça eterna e a confiança incutida na proteção do céu e a razão humana."
Fragmento retirado do conto obra-prima Bola de sebo, presente no livro de contos As grandes paixões (Record, 2005), página 23, na tradução de Léo Schlafman.
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