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Cinco poemas e três passagens de Mônica Menezes no livro Estranhamentos

Mônica Menezes – Foto: Sarah Fernandes


Do tempo
Mônica Menezes

                Para Íris Hoisel e seu pai

meu avô
é uma cadeira de balanço
vazia

--------

Dos triunfos
Mônica Menezes

sou um fracasso para o sucesso
sou um sucesso para o fracasso

mas, quando eu nasci, o médico disse:
– por pouco.

--------

Poema de areia
Mônica Menezes

escrevi meu destino
na areia da praia
o mar apagou

--------

Relíquia
Mônica Menezes

levarei comigo
o retrato de nós dois
que não tiramos

--------

Semente
Mônica Menezes

quando eu nasci
enterraram meu umbigo
na fazenda do meu avô

os anos passaram
meu avô morreu
retalharam a terra
e eu parti para a cidade

mas até hoje
estou plantada lá
naquele chão vermelho
que nem existe mais

--------

"se eu pudesse
desceria ao seu abismo
para vivermos juntos
a escuridão"


"os pés, as mãos, os joelhos, o nariz
tudo é tão esquisito nela
os polegares pequenos
dificultam o entremear dos fios
o corpo verga-se facilmente
embora os ossos não suportem
que carregue a mala
infantil e invertido
o útero jamais se contrai
mas a criança nasceu
desfazendo a profecia

foi cega, louca, vidente
suicida
um dia, decidiu escrever outras histórias
mais estranhas ainda"


"há uma rosa escarlate
sob meu vestido
e dentro do meu silêncio
mora um grito"



Presentes no livro de poemas "Estranhamentos" (P55, 2010), de Mônica Menezes, páginas 44, 13, 28, 22 e 11, respectivamente, além dos trechos dos poemas "De uma carta de amor" (p. 34), "Esquisita" (p. 9) e "Artifício" (p. 33), presentes na mesma obra.

Comentários

Marta Brasil disse…
Lindo, Monica, sua fã sempre, bj

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