Nicolas Behr - Foto: Timo Berger
“minha poesia é um peixe que vive na terra e voa”
“minha poesia esmaga o poema na mão e cheira”
“minha poesia é cromoterapia em preto e branco”
“minha poesia se perde no deserto e chora areia”
“minha poesia sente que tem alguém neste
momento atrás da minha poesia com uma faca”
“minha poesia tem como sonho ser um pesadelo”
“minha poesia fez a cama na varanda
e se esqueceu do cobertor”
“minha poesia quando quer ver fecha os olhos”
“minha poesia sabe que tudo já foi dito,
menos desta forma”
“minha poesia vem do passado e por lá mesmo fica”
“minha poesia berra e nas estrofes nascem chifres”
“minha poesia encara de costas
o pelotão de fuzilamento”
“minha poesia coloca a questão. o crítico tira”
“minha poesia é aplaudida no auditório vazio”
“minha poesia é cheia de lugares comuns
que ninguém conhece”
“minha poesia não é a grande poesia de manuel
bandeira mas é a certeza de que o poeta está vivo”
“minha poesia que a terra nunca há de comer”
“minha poesia é a mão decepada
de onde nascem novos dedos”
“minha poesia são meus olhos. molhe-os”
“minha poesia disputa a cadeira de jorge amado
na academia e perde para o tio patinhas”
“minha poesia é inútil. da próxima vez use pregos”
“minha poesia não é minha poesia
mas é como se fosse”
“minha poesia é o direito ao erro não cometido”
Nicolas Behr - Foto: Juan Pratginestos
“minha poesia nunca mais tomou veneno de rato”
“minha poesia é obra póstuma publicada em vida”
“minha poesia boceja enquanto o crítico a decifra”
“minha poesia busca compensar a perda de deus”
“minha poesia sabe onde dói
mas não diz nem sob tortura”
“minha poesia é ácida mas não corrói teus olhos”
“minha poesia é vendida como remédio pra doido”
“minha poesia bota panos quentes
sobre o poeta morto”
“minha poesia é esse mal-estar permanente”
“minha poesia aumenta o PIB em 0,0000000001%”
“minha poesia se finge de vaca louca
só para não ir a julgamento”
“minha poesia na tv passa imperceptível
entre bundas e mísseis”
“minha poesia tem como ancestrais outras poesias”
“minha poesia é a tirania do instinto selvagem
sobre a sensibilidade domesticada”
“minha poesia acredita que maiakovski
não teve mesmo outra saída a não ser se matar”
“minha poesia é pra você falar mal. mas só no final”
“minha poesia visita torquato neto naquela noite
e desliga o gás a tempo”
“minha poesia é cheia de possibilidades:
você é uma delas. por que não?”
“minha poesia é um jardim de bocetas em flor”
“minha poesia quando nasce
se esparrama pelo chão. ah, que desperdício”
“minha poesia finge, disse fernando pessoa
carlos drummond de andrade não disse nada”
“mnha poezia meschmo excrita erada é poessia”
“minha poesia tropeça na pedra que drummond
colocou no meio do caminho”
“minha poesia não tem mais ódio no coração:
só sangue”
“minha poesia e suas preocupações mesquinhas
em relação ao futuro: serei lembrada? serei lida?”
“minha poesia até hoje só recebeu
um único prêmio: ser lida por você até aqui”
Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr, páginas 01 a 11.
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