Nicolas Behr - Foto: Roberto Castello
“minha poesia é como uma árvore florida por
onde você sempre passa e nunca a vê”
“minha poesia não é virtude nem vício. é precipício”
“minha poesia coloca o abismo embaixo do braço
e vai passear com ele pelos desfiladeiros”
“minha poesia é parar o liquidificador com a mão”
“minha poesia está morta. então deus está morto.
então tudo é possível. então estamos todos fudidos”
“minha poesia povoa os terrenos baldios da alma”
“minha poesia pisa no rabo do rato que segura
o carimbo. o rato ri mas não solta o carimbo”
“minha poesia escreve para não sair do inferno”
“minha poesia é quebra-cabeça. cabeça que você
mesmo quebra, monta e desmonta”
“minha poesia é a arte de permanecer
viva entre os moribundos”
“minha poesia quando rói as unhas escolhe-as a dedo”
“minha poesia é a ponte sobre o abismo que
separa o poeta do leitor”
“minha poesia só é entendida por entediados”
“minha poesia tira a máscara de bacana
da cara do poeta e o que se vê é outra máscara”
“minha poesia é o ecologista de motosserra na mão”
“minha poesia não faz outra coisa a não ser
privilegiar algumas palavras
em detrimento de outras”
“minha poesia pisa em falso
e cai no espaço branco do poema”
“minha poesia é o fedor que o perfume não tira”
“minha poesia dá a descarga e vai junto”
“minha poesia passa da teoria à prática e se mata”
“minha poesia valoriza mais a coragem
do que a criatividade”
“minha poesia me engana que eu gosto”
“minha poesia não te entende nem você
a entende e assim estamos entendidos”
Nicolas Behr - Foto: Wagner Barja
“minha poesia floriu por engano”
“minha poesia deixa a poesia para as moscas”
“minha poesia nada tem a perder:
um leitor a menos, um leitor a mais, tanto faz”
“minha poesia só elogia o crítico que a elogia”
mas reage bem aos seus falsos elogios”
“minha poesia só não entende quem não quer”
“minha poesia gosta de literatura
minha poesia não gosta de política literária”
“minha poesia tem uma dívida impagável com
a tradição poética que ela mesma renega”
“minha poesia ainda não estourou
porque não é uma bomba”
“minha poesia quer ser desconcertante mas só
te provoca risinhos irônicos e lágrimas falsas”
“minha poesia não fala da poesia, mas da dor”
“minha poesia canta porque cecília meireles existe”
“minha poesia sabe que leminski
queria ser maiakovski”
“minha poesia se alimenta de poemas dos outros e
de tudo o que a imaginação decompõe”
“minha poesia nessa época provavelmente já
utilizava o fogo para queimar livros”
“minha poesia só é boa quando em estado de fúria”
“minha poesia é um aluno rebelde na sala de aula,
rasgando livros e xingando a professora”
“minha poesia tortura a crueldade humana”
“minha poesia tem vergonha por ser honesta”
“minha poesia não passa de uma simples hipótese”
“minha poesia bem me quer o poema mal me quer”
“minha poesia é dolorosa e difícil. ou você acha
que escrever isso tudo aqui foi fácil?”
Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr, páginas 12 a 21.
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