Nicolas Behr - Foto: José Rosa
“minha poesia é a arte de se tornar desnecessária”
“minha poesia nada significa para quem tem fome”
“minha poesia é. do verbo esquecer”
“minha poesia bem que poderia ser uma rapadura”
“minha poesia é um barracão de sonhos,
armazém de esperanças, depósito de ilusões”
“minha poesia é aquele momento em que você
sente uma brisa gostosa no rosto e diz ah!”
“minha poesia é uma velha senhora chamada
cora coralina que às vezes me visita
na forma de cheiro de terra molhada”
“minha poesia não é represa nem lago. é canal”
“minha poesia é ácido no lugar do colírio”
“minha poesia em negrito aparece muito mais”
“minha poesia comeu o pão que o diabo amassou
mas antes o poeta o desamassou e passou manteiga”
“minha poesia é o bilhete deixado pelo
marinheiro russo no submarino que explodiu”
“minha poesia segue os pingos de sangue
que vão do banheiro até ao quarto de hóspedes”
“minha poesia é uma doença sem cura que não mata”
“minha poesia pega na vida sem luvas”
“minha poesia. clara como uma página em branco”
“minha poesia tem um defeito grave:
não pode ver um elogio que sai correndo atrás”
“minha poesia já teve de mim o pedaço
que queria. agora ela quer um pedaço seu”
“minha poesia tentou levantar a questão mas como
ela era muito pesada resolveu deixá-la no chão”
“minha poesia sangra – o crítico vem logo
aplicar o torniquete”
“minhapoesiaeminhavidasãoinseparáveis”
“minha poesia, até certo ponto, é vírgula”
“minha poesia morre. o poeta é valorizado”
Nicolas Behr - Foto: Truman Macedo
“minha poesia olhou para os dois lados da questão
mas mesmo assim foi atropelada”
“minha poesia só vai dormir
quando tiver a garantia do sonho”
“minha poesia tem razão.
nada pior que poesia com razão”
“minha poesia é elogio fúnebre, homenagem
póstuma, filho bastardo, reconhecimento tardio”
“minha poesia te abraça forte
mas é só demonstração de força”
“minha poesia quando chegou no fundo do poço
viu o corte no pescoço”
“minha poesia olha o ipê em diamantino e se
emociona tanto que chega a chorar lágrimas roxas”
“minha poesia se inicia aqui, passa por lá
e desemboca mais ali na frente e aí afunda no mar”
“minha poesia é uma boia de aço”
“minha poesia acha que a poesia deve incomodar,
questionar. o poeta não acha nada, é um bocó”
“minha poesia empalhada mas viva”
“minha poesia discute mas não passa pelos dentes”
“minha poesia é uma ilha cercada pela insanidade”
“minha poesia é o fio-terra que salva o poeta
do curto-circuito”
“minha poesia é fácil!
ah, como é difícil a poesia fácil!”
“minha poesia em qualquer outro país do mundo
já teria feito a revolução”
“minha poesia desenterra arqueólogos futuristas”
“minha poesia vai dar a volta por cima,
por baixo, pelos lados e cair nos teus braços”
“minha poesia te ama. o poeta não”
“minha poesia já te cumprimentou na rua hoje?”
“minha poesia não te comove e se desespera”
“minhapoesia@minhapoesia.com.br”
Versos presentes no livro-poema Umbigo (LGE Editora, 2005), de Nicolas Behr, páginas 62 a 71.
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