Bárbara Pontes (foto: Sincronia Filmes)
Escolher é matar e morrer
Bárbara Pontes
Não necessariamente nesta ordem,
ou não necessariamente numa ordem.
Não sei o que vem primeiro,
se a morte de algo que é seu
ou se a morte do outro.
Ou talvez, quiçá, simultaneamente.
Sei que a dor do fim não tem a ver com o outro,
mas com algo seu que morre ali.
Sigo morrendo algumas vezes,
e faço isso para seguir.
De alguma forma algo de meu se vai a cada término
e não sei como, nem por que,
é este mesmo mecanismo que me mantém viva para um novo começo.
Sem a morte do ontem,
não haveria hoje,
nem amanhã.
Para cada morte há que se fazer o devido luto.
E luto para ir em frente.
Cada morte do eu lhe remete a mortes e lutos anteriores
e é como se morrer se elevasse potencialmente
a cada nova escolha pelo fim.
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Artesã
Bárbara Pontes
Eu teço meus próprios sapatos
Trilho por caminhos pré-existentes buscando ser
resistente, resiliente, renitente
Tento não olhar pra trás.
De que me serve fitar as pegadas que o tempo ainda não apagou?
Procurando esquecer o que já foi
e o que não foi
para que o que será
deixe de ser uma miragem ao horizonte,
cruzando a ponte limitante de tudo
que possa me manter ausente do agora,
ausente de mim
e dos sonhos desse instante.
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Livramento
Bárbara Pontes
Não.
Primeiro não era o verbo.
Primeiro vem aquela dor
que não se traduz em palavras
e que ninguém sabe o que fazer com ela.
Depois de acrescentada uma dose ótima de agonia,
aí sim
ela se transforma em verbo.
Naquelas palavras que quando não ditas
deixam um gosto de podre na boca,
língua, esôfago e embrulham o estômago.
Dizer é vômito, expurgo.
Livramento
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Em fá
Bárbara Pontes
A semínima faz soar, na palma da minha mão,
o ritmo descompassado do seu coração
A semibreve me permite ouvir sua respiração, pesada, ofegante
Fujo pra dentro temendo o porvir,
mas por aqui está cheio de ti.
Dessa canção interditada, censurada.
Que não será tocada em hertz, mas dedilhada nas curvas dos corpos
Um toque de almas desejantes e sonhadoras
de e em Sol.
Lá, nesse universo paralelo
A gravidade não há
O amor é amarelo
E o afeto não é anelar
Mas indicador de elo
Enamorados de Si
Refletidos um no outro e ambos nos diversos espelhos
numa composição de múltiplos ângulos suplementares
Foi ali que percebi que cuidar de ti
é zelar a tua história,
respeitando a trajetória
a desbravar os caminhos do desconhecido.
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Marcas
Bárbara Pontes
As marcas do chão eu pude tirar,
as do teto não.
Não sei se por uma questão anatômica,
visto o fato da baixa estatura...
Não sei se por uma questão de foco do olhar
Não sei se um por uma questão de alcance
Não sei se por andar cabisbaixa
Não sei se porque os pés são mais fáceis de lavar que os pensamentos!
O fato é que:
as marcas do chão eu pude tirar,
as do teto não.
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“O amor não é meu nem teu
O amor há
Eu me aproprio da sua existência para ofertá-lo a você.
Sem ao menos entendê-lo.
Sem se quer sabê-lo.
O amor há não em mim, não para ti.
Ele paira acima de nós.
Muito maior e mais além da nossa existência,
mas precisa de nós para sê-lo.”
“Sou apenas uma errante
ante a face estranha do tempo
nas entranhas da vida.
Somente ida.
Seguida de impulsos,
sentimentos e pensamentos
que também já foram.
Nada ficou, nem eu!”
“Algumas pessoas são, para mim, como oásis.
De tanto querer ver,
por conta da solidão,
da carência cadenciada,
do calor sem acalanto,
eu vejo.
Vejo nelas o que tanto desejo.
(...)
Mas ao me aproximar
percebo que não há o que avistei,
(...)
Sigo seca e tórrida
nesse meu eu autofágico
de suas próprias miragens.”
Presentes no livro de poemas “Foto Grafias: Retratos de mim” (Editora Clae, 2021), de Bárbara Pontes (com fotografias de Wesley Lopes), páginas 32, 19, 41, 31 e 46, respectivamente, além dos trechos dos poemas “Amor” (p. 17), “Própria” (p. 61) e “Oásis” (p. 53), presentes na mesma obra.
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