Orides Fontela (foto daqui)
Ode I
Orides Fontela
O real? A palavra
coisa humana
humanidade
penetrou no universo e eis que me entrega
tão-somente uma rosa.
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Rota
Orides Fontela
Há um rumo intacto, uma
absoluta aridez
na ave que repousa. Nela
o repouso é a rota: não há mais
necessidade de voo.
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Notícia
Orides Fontela
Não mais sabemos do barco
mas há sempre um náufrago:
um que sobrevive
ao barco e a si mesmo
para talhar na rocha
a solidão.
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Média
Orides Fontela
Meia lua.
Meia palavra.
Meia vida.
Não basta?
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Fala
Orides Fontela
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
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"salto buscando
o além
do momento."
"A saída
é a volta."
"Bendita a sede
por arrancar nossos olhos
da pedra.
Bendita a sede
por ensinar-nos a pureza
da água.
Bendita a sede
por congregar-nos em torno
da fonte."
"A porta está aberta. Que sentido
tem o que é original e puro?
Para além do que é humano o ser se integra
e a porta fica aberta. Inutilmente."
"Quebrar o brinquedo
é mais divertido.
As peças são outros jogos
construiremos outro segredo.
Os cacos são outros reais
antes ocultos pela forma
e o jogo estraçalhado
se multiplica ao infinito
e é mais real que a integridade: mais lúcido."
"O fluxo obriga
qualquer flor
a abrigar-se em si mesma
sem memória."
Presentes no livro de poemas "Transposição" (1969), presente na coletânea "Poesia completa" (Hedra, 2015), de Orides Fontela, páginas 52, 60, 61, 78 e 47, respectivamente, além dos trechos dos poemas "Salto" (p. 35), "Caramujo" (p. 59), "Sede" (p. 84), "Revelação" (p. 51), "Ludismo" (p. 33) e "Tempo" (p. 28), presentes na coletânea.
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