Orides Fontela (foto daqui)
Alba
Orides Fontela
I
Entra furtivamente
a luz
surpreende o sonho inda imerso
na carne.
II
Abrir os olhos.
Abri-los
como da primeira vez
– e a primeira vez
é sempre.
III
Toque
de um raio breve
e a violência das imagens
no tempo.
IV
Branco
sinal oferto
e a resposta do
sangue:
AGORA!
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Pouso (II)
Orides Fontela
Difícil para o pássaro
pousar
manso
em nossa mão – mesmo
aberta.
Difícil difícil
para a livre
vida
repousar em quietude
limpa
densa
e inda mais
difícil
– contendo o
voo
imprevisível –
maturar o seu canto
no alvo seio
de nosso aberto
mas opaco
silêncio.
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Murmúrio
Orides Fontela
O murmúrio não cessa. Nunca a
fonte
deixará de cantar
oculta
e oculto mesmo
o canto
soterrado em cansaço
hábito e olvido
e tudo oculto sob árida
lápide
sob o contínuo deslizar
das formas
e tudo
oculto
mas água
sempre
pulsação
viva
centrando
o
tempo.
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Via
Orides Fontela
I
Há um caminho solitário
construído a cada
passo:
não leva a lugar algum.
II
Na floresta um branco
pássaro
oculta-se em seu
silêncio.
III
No alto
– jubilosamente –
uma estrela
apenas.
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Ode
Orides Fontela
O início? O mesmo fim.
O fim? O mesmo início.
Não há fim nem início. Sem história
o ciclo dos dias
vive-nos.
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"Eis a carta dos céus: tudo
indeterminado e imprevisto
cria um amor fluente
e sempre vivo.
Eis a carta dos céus: tudo
se move."
"Da pura água
criar o vinho
do puro tempo extrair
o verbo.
(...)
A água embriaga
mas para além do humano: no amor
simples."
"A mão destrói-se
furtando-se
à textura do ser
e do silêncio
e – naufragada a forma –
subsiste uma estrela
sobre as águas."
"O que faço des
faço
o que vivo des
vivo
o que amo des
amo"
"Reteso o arco e o
sonho
espero:
nada mais é preciso."
"Um barco
fende – tranquilo – o mar
(o amor) transporta
– voo profundo – o esplendor
do silêncio."
Presentes no livro de poemas "Alba" (1983), presente na coletânea "Poesia completa" (Hedra, 2015), de Orides Fontela, páginas 167, 171, 193, 208 e 211, respectivamente, além dos trechos dos poemas "Mapa" (p. 194), "Bodas de Caná" (p. 175), "A mão" (p. 178), "Penélope" (p. 187), "Odes" (p. 190), "Nau (II)" (p. 202), presentes na coletânea.
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