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Cinco poemas e seis passagens de Orides Fontela no livro Rosácea

Orides Fontela (foto daqui)


Aforismos
Orides Fontela

Matar o pássaro eterniza
o silêncio

matar a luz elimina
o limite

matar o amor instaura
a liberdade.

--------

CDA (Imitado)
Orides Fontela

Ó vida, triste vida!
Se eu me chamasse Aparecida
dava na mesma.

--------

Aurora
Orides Fontela

Rosa, rosas. A primeira cor.
Rosas que os cavalos
esmagam.

--------

Iniciação
Orides Fontela

Se vens a uma terra estranha
curva-te

se este lugar é esquisito
curva-te

se o dia é todo estranheza
submete-te

– és infinitamente mais estranho.

--------

Ode
Orides Fontela

Neste tudo
tudo falta

(neblina)

e nesta
falta: eis
tudo.

--------

"Nem tronco ou
caule. Nem sequer planta
– só a raiz
   é o fruto."


"Só porque
erro
encontro
o que não se
procura

só porque
erro
invento
o labirinto

(...)

só porque
erro
acerto: me
construo."


"em tudo pulsa
e penetra
o clamor
do indomesticável destino."


"Não amo
o espelho: temo-o."


"A tarde em mim se repete
num tempo irreal, decadência
obstinada, onde o
silêncio
nunca é completamente
treva

A tarde em mim se repete
configurando uma distância
irrealizada, evanescência
onde nunca anoitece."


"Cansa-me ser. A chaga inumerável
de mim cintila; sem palavras, úmida
fonte rubra do ser, anseio e tédio
de prosseguir, inabitada, viva."



Presentes no livro de poemas "Rosácea" (1986), presente na coletânea "Poesia completa" (Hedra, 2015), de Orides Fontela, páginas 230, 249, 221, 222 e 260, respectivamente, além dos trechos dos poemas "Origem" (p. 283), "Errância" (p. 223), "As coisas selvagens" (p. 235), "O espelho" (p. 238), "Duas odes (antigas)" (p. 285) e "um soneto sem título" (p. 293), presentes na coletânea.

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