Ruy Espinheira Filho
Foto: Mário Espinheira (interferida por Mirdad)
“Leves pancadas no corpo:
são cascas de tangerina
que lhe atiram do alto
(onde estão os livres, os
limpos, que se amam, dançam
em romântica viagem
pela costa do Brasil).
Diz: Covardes. Mas não se
deixa ver em vilipêndio.
O que valem, mesmo, os
gestos – sobretudo certos
gestos – do homem? Ele pensa
em lançar as cascas nas
ondas de urina;
porém
aperta algumas nos dedos
e aspira profundamente
o acre odor luminoso.
Isto não, jamais sujá-las
com os dejetos humanos!
Ao contrário: apagar
a noite filha do homem
na alma da tangerina.
E mais: abolir até
os sentimentos agudos
de que há pouco se nutria
consumindo-se, roaz”
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“A caneta ainda escreve
com a mesma tinta
de um azul levemente melancólico
Na gaveta, dormindo
sob cartas e poemas,
o revólver aguarda”
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“No silêncio repousa o seu cansaço.
Tudo é imóvel na tarde,
a não ser,
numa réstia de sol,
um vago pó girando
sobre
o silêncio maior das almas
fechadas nos livros
das estantes”
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“Como passaste, pai! Como passamos!
Há tanto tempo já que tu partiste.
Todo um mundo se foi – e vai, e vai...
Olho o teu rosto na moldura e penso
que tenho hoje idade de ser teu pai”
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“Nos vossos olhos, imóveis
como chuva estagnada,
há lições serenas que
vêm-me umedecer a alma.
Mas que só compreenderei
quando for sábio de ver
além do espesso do mundo.
Quando, enfim, chegar ao alto
do meu próprio voo profundo”
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Do pé direito já parara de escorrer a úmida ferrugem
que começara na pedra e agora marcava também
as palhas e o chão de terra batida.
Alguém, no silêncio morno,
falou em destino.
Fiquei pensando naquela pedra
com uma missão mortal determinada
desde o princípio dos tempos.
Aquela pedra, ali, vulgar e triste
como a ideia de destino”
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“O que vem de ti ainda é o murmúrio
que move o sol e as outras estrelas,
embora há pouco
alguém
olhando uma fotografia recente
tenha dito que a tua pele
já não é a mesma”
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“Não mudarei em nada a minha vida
para alcançar outra melhor na morte.
Dou-me aos azares, sim, arrisco a sorte,
mas aqui, neste mundo, nesta lida
em que me sinto, sou. Vida, se houver,
depois da morte, valeria a pena
sendo como esta vida: densa, plena
de ganhos, perdas, sonhos – e mulher”
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“Amor pressente amor e não o encontra.
Encontra-se a si mesmo
e é dor somada.
Mas é preciso achar
e ele prossegue.
Fareja, como um cão,
mas não há presa.
Desconfia um perfume
e a brisa o leva”
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“Outra é a que
há muito se foi
para longe e dói
num sulco de afeto
incicatrizável”
Trechos dos poemas O prisioneiro Graciliano Ramos no porão do Manaus, Os objetos, No silêncio, Retrato, Afogados, Naro, Anotações num dia de aniversário, Soneto do sábio ócio, Equívoco e As meninas, presentes no livro Estação Infinita e outras estações (Bertrand Brasil, 2012), de Ruy Espinheira Filho.
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