Pular para o conteúdo principal

Ruy Espinheira Filho — Poemas adaptáveis para Cinema

Ruy Espinheira Filho
Foto: Mário Espinheira (interferida por Mirdad)

Entre agosto e setembro deste ano, li Estação Infinita e outras estações (Bertrand Brasil, 2012), a referencial e indispensável obra completa do poeta baiano Ruy Espinheira Filho. Além de naturalmente pilular os poemas de maior apreço (que me renderam seis partes neste blog), notei que quatro poemas do mestre eram sugestões excelentes para adaptações cinematográficas. Seguem abaixo, uma dica valiosa para os nossos cineastas:


01) Sapo Seco
Com o poema Romance do Sapo Seco: Uma história de assombros

Surpreendente história real de Generino Bispo dos Santos, um agricultor do interior da Bahia que foi a julgamento por ter matado um feiticeiro que lhe rogou uma praga que indiretamente causou a morte de sua filha. Rende um excelente filme de tribunal legitimamente baiano. Baseado na tese do antropólogo baiano Vivaldo da Costa Lima, o advogado Ruy Espinheira, pai do poeta, alegou legítima defesa e o réu foi inocentado por unanimidade. Saiba mais aqui

--------

02) O Pai
Com o poema O pai

Vinte e três dias após o enterro do pai, o filho caminha com as lembranças de seu pai generoso por vários cenários, primeiro pelo cemitério (“Caminho aos vinte e três dias da tua ausência, na mão esquerda o frio da alça do caixão que não soltei nem quando cimentaram a pedra sobre ti, que não soltarei nunca”), depois recordando a casa e seus movimentos, momentos da época da ditadura em que o pai foi preso (“não te haviam torturado, não a ti, mas que de tua cela escutavas gritos, pancadas, súplicas, gemidos, que aqueles fardados eram indignos do gênero humano”), encontros com os amigos do pai, festas, presença da natureza, histórias contadas que formaram o leitor filho e a imensa gratidão (“a dignidade insuavizável como a do teu pai, a compreensão e o generoso amor”).

--------

03) Canção de Beatriz
Com o poema Canção de Beatriz

A história de Beatriz dos Anjos Silva, 39 anos, com cara de menina desde menina. Mulher simples, de baixa renda, mas guerreira que não leva desaforo pra casa. Conta seus casos, o que vê de absurdo da polícia no seu bairro carente (“E ele me bateu de novo na cara e meu marido calado e me mandaram sentar no colo dele e ficaram se rindo e na delegacia eu contei tudo mas ninguém que ligou”), a troca de pancadas com os seus homens (“Disse pro delegado: solte meu homem, foi eu que ele furou, não foi você. E ele falou: esse sujeito lhe mata qualquer hora. E eu respondi a vida é minha. E ele soltou Arnaldo e ele voltou comigo e eu acho que ia acabar furando ele um dia”), a lembrança da mãe e do pai (“Capineiro de meu pai, agora meu pai sou eu, eu que me mando pro mundo, este mundo, eu mesma meu pai e minha mãe, eu me consolando como ela fazia, ela tão boa que morreu chorando, pedindo pra não morrer, como eu ainda escuto de noite, dormindo”), entre outros assuntos. Uma legítima baiana.

--------

04) O Inquilino do Incêndio
Com os poemas No banco do jardim e as três elegias urbanas

Um homem solitário passeia em sua rotina da casa, sua cidade e escritório enquanto revisita suas memórias [“Caminho, caminho. A memória ecoa o som dos passos. A este dia junto outros. Anos inteiros. Aqui amei, ali sofri, adiante fui mesquinho. É a minha cidade. Sou eu”]. O dia que começa azul [“Oferto-me ao azul da manhã que me desperta. Também eu azul”] termina em um vácuo negro [“Onde era azul, cresce um vácuo negro negro que me devora, roaz. E nada me deixa. Nada mais que o gesto necessário (só os olhos incendidos, o coração frio, ocluso, a consciência abolida) para ligar a TV”].

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Seleta: R.E.M.

Foto: Chris Bilheimer A “ Seleta: R.E.M. ” destaca as 110 músicas que mais gosto da banda norte-americana presentes em 15 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Out of Time ”, “ Reveal ”, “ Automatic for the People ”, “ Up ” e “ Monster ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 15 álbuns participantes desta Seleta 01) Losing My Religion [Out of Time, 1991] 02) I'll Take the Rain [Reveal, 2001] 03) Daysleeper [Up, 1998] 04) Imitation of Life [Reveal, 2001] 05) Half a World Away [Out of Time, 1991] 06) Everybody Hurts [Automatic for the People, 1992] 07) Country Feedback [Out of Time, 1991] 08) Strange Currencies [Monster, 1994] 09) All the Way to Reno (You're Gonna Be a Star) [Reveal, 2001] 10) Bittersweet Me [New Adventures in Hi-Fi, 1996] 11) Texarkana [Out of Time, 1991] 12) The One I Love [Document, 1987] 13) So. Central Rain (I'm Sorry) [Reckoning, 1984] 14) Swan Swan H [Lifes Rich Pageant, 1986] 15) Drive [Automatic for the People, 1992]...

Seleta: Nirvana

A “ Seleta: Nirvana ” destaca as 80 músicas que mais gosto da banda norte-americana (entre covers e autorais), presentes em 12 álbuns da sua discografia (os prediletos são “ Nevermind ”, “ MTV Unplugged in New York ” e “ In Utero ”). Ouça no Spotify aqui Ouça no YouTube aqui Os 12 álbuns participantes desta Seleta 01) Lake of Fire [MTV Unplugged in New York, 1994] 02) Where Did You Sleep Last Night [MTV Unplugged in New York, 1994] 03) The Man Who Sold the World [MTV Unplugged in New York, 1994] 04) Heart-Shaped Box [In Utero, 1993] 05) Come as You Are [Nevermind, 1991] 06) Smells Like Teen Spirit [Nevermind, 1991] 07) Drain You [Nevermind, 1991] 08) Lithium [Nevermind, 1991] 09) In Bloom [Nevermind, 1991] 10) Plateau [MTV Unplugged in New York, 1994] 11) Oh Me [MTV Unplugged in New York, 1994] 12) Jesus Doesn't Want Me for a Sunbeam [MTV Unplugged in New York, 1994] 13) Something in the Way [Nevermind, 1991] 14) You Know You're Right [Nirvana, 2002] 15) Rape Me ...

Dez passagens de Clarice Lispector no livro Laços de família

Clarice Lispector (foto daqui ) “A mãe dele estava nesse instante enrolando os cabelos em frente ao espelho do banheiro, e lembrou-se do que uma cozinheira lhe contara do tempo do orfanato. Não tendo boneca com que brincar, e a maternidade já pulsando terrível no coração das órfãs, as meninas sabidas haviam escondido da freira a morte de uma das garotas. Guardaram o cadáver no armário até a freira sair, e brincaram com a menina morta, deram-lhe banhos e comidinhas, puseram-na de castigo somente para depois poder beijá-la, consolando-a. Disso a mãe se lembrou no banheiro, e abaixou mãos pensas, cheias de grampos. E considerou a cruel necessidade de amar. Considerou a malignidade de nosso desejo de ser feliz. Considerou a ferocidade com que queremos brincar. E o número de vezes em que mataremos por amor. Então olhou para o filho esperto como se olhasse para um perigoso estranho. E teve horror da própria alma que, mais que seu corpo, havia engendrado aquele ser apto à vida e à felici...