Emmanuel Mirdad em cima do prédio onde
morava no Parque Júlio César em 1999,
com a guitarra Lílian
Nunca nos vimos antes. A identificação surgiu pelo horário e local marcado. Ele estranhou aquele rapaz alto, com cara de guri, de sandália, bermuda e um óculos de nerd extreme. Ficou apreensivo se o pessoal iria ensaiar mesmo naquele horário surreal, das 8h às 10h de um sábado. Poser e marrento, Beef deu uma olhada no caderno com as minhas músicas e comentou que as letras eram diferentes do padrão do mercado e que por isso eram legais – dito num comentário seco, sem nenhuma finalidade de aproximação.
Juracy do Amor em 2011
Foto: Maira Lins/Comunika Press
O baterista Rafael Fraga chegou num Uno. Também não conhecia ninguém e se apresentou capotando de sono – foi indicado por Luís Buba, um brother da malhação. Silêncio estranho, de gente esquisita. Eu, fã de Legião Urbana, batizei a guiga com o horrível nome de Pássaros Urbanos. E não era propriamente uma guiga: para mim, era uma banda, com todo mundo investindo para tocar as minhas músicas. Ingênuo.
O baixista Itã Teodoro foi o último a chegar, num esforço de acordar muito cedo e ter de pegar dois ônibus. Era o único que eu já conhecia pessoalmente e que aguardava a montagem da banda após diversas tentativas frustradas. Será que agora ia rolar?
Só que Ednei, o dono do estúdio, demorou para aparecer. Longos minutos de um silêncio horroroso. Ninguém se conhecia, tirando eu e o baixista, mas como ele estava caladão, o clima ficou angustiante. Ninguém conversava nada sobre nenhum assunto. Que diabos de afinidade poderia surgir dali? Como é que aqueles três caras embarcaram num esquema bizarro de ensaiar músicas desconhecidas, com músicos que nunca haviam visto ou ouvido falar, em pleno sábado de manhã bem cedo? Fiquei com medo de alguém desistir. Ednei chegou, com aquela conversinha de sempre.
Rafael Fraga em 2012
Foto: Lorena Vinturini
Dentro do estúdio, todos a postos, apresentei as músicas. Beef tomou iniciativa, assumiu a direção musical e coordenou a criação dos arranjos, optando por ensaiar apenas duas músicas (o que foi uma frustração grande para a minha agonia de querer ensaiar tudo e deixar o repertório tinindo para gravar e fazer show).
Investimos em "A Prova Enferma" uma hora e meia com a criação, concepção e execução final do que seria a sua primeira versão, e "A Seta" ficou pronta na meia hora restante. Eu? Eufórico na veia, lóki de felicidade, cantando, finalmente, numa banda completa, em estúdio – devo ter desafinado um absurdo, dublê de cantor como sempre fui. Era um sonho de três anos se concretizando, caralho!
Terminado o ensaio, nos reunirmos para acertos. Beef tomou a palavra, esclarecendo que não podia perder tempo com qualquer coisinha; tinha que entrar dinheiro logo. Propus, então, para sermos mais comerciais, focar no mercado, ensaiar para gravar um disco e fazer shows. Itã e Rafael concordaram e nos despedimos com o planejamento de ensaios de cordas antes de voltarmos ao estúdio.
Itã Teodoro em 2011
Foto: Internet
Foi a primeira e única vez do Pássaros Urbanos. Rafael e Itã desistiram logo depois, coloquei Beef na geladeira por um tempo até ressurgir com uma nova proposta de duo, o Pássaros de Libra, que ele topou e acabou gravando a voz e guitarras num demo, "O Primeiro Equilíbrio", com André Magalhães nos arranjos MIDI – finalizado em 2000. Nesse demo, "A Prova Enferma" e "A Seta" foram gravadas (a última pode ser ouvida aqui). O duo acabou logo depois, e em agosto de 2000, comecei um novo projeto, o poema laranja.
Desse sábado, 07 de agosto de 1999, restou-me a sensação espetacular que é materializar um desejo. E o final de semana deste sábado há 15 anos continuou leve, bobo, feliz. Agora que havia provado, queria mais, muito mais. E, nos anos a seguir, foram mais de cem ensaios com a minha banda definitiva The Orange Poem, entre 2001 e 2007.
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